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4.5 As Experiências de Economia Solidária 4.5.1 Um Relato Histórico do Cooperativismo.

Para Singer (2002), a cooperação, como forma de ajuda mútua, esteve presente ao longo de toda a história da humanidade, tanto na Antigüidade mais remota, quanto no tempo do Império Romano, na Idade Média e inícios da Idade Moderna. Esse sentido de solidariedade aparecia de diversas maneiras, como na divisão dos resultados nas colheitas, proporcional ao trabalho de cada um; na reserva de uma parte como tributo ao Rei e outra para o sustento das crianças e dos idosos; na construção coletiva de sistemas de irrigação, a exemplo do que era feito no combate às pragas; nas obras de defesa e embelezamento nos locais a eles destinados; na celebração coletiva de festas religiosas e no empréstimo de sementes pelo grupo para o próximo plantio, para aquele que perdesse a colheita.

O surgimento do cooperativismo não se dá ao acaso, pois acontece em um momento em que o espírito de solidariedade havia desaparecido quase por completo na fase mais voraz e selvagem dos inícios do capitalismo industrial (1750-1850), quando o liberalismo de então era contrário a qualquer forma de associação profissional que visasse a defesa dos interesses de classe, como uma

reação dos operários e camponeses à grave situação de exploração 2.

Singer (2002) situa o Cooperativismo como resultado de um movimento de idéias tendo vários precursores, citando, entre outros, Robert Owen (1771-1858), William King (1786-1865) e Charles Fourier (1772-1837).

Desroche (1991:51), considera Charles Fourier um nome importante para o movimento cooperativista mundial. Nascido na França propõe um modelo de sociedade que torne o trabalho atraente para todos, meios de produção coletivos, propriedade privada, liberdade individual em mudar de trabalho, resultado do trabalho dividido (5/12 pelo trabalho, 2/12 pelo capital investido e 3/12 pelo

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talento), as ações rendendo mais quanto menor a posse do trabalhador e todos com uma renda mínima, mas decente, mesmo que não pudessem trabalhar.

Os seguidores de Fourier fundaram a escola associativa em 1825, atingindo 3700 membros em 1848, na véspera da revolução Francesa. A experimentação prática do sistema Fourier se deu mais nos Estados Unidos.

Para Desroche (1991:64), Robert Owen teve seu prestígio reconhecido internacionalmente, quando à frente de um complexo têxtil em New Lanark na Inglaterra, defendia limite de jornada, proibição de emprego para crianças, combatia a troca de auxílio em dinheiro por terra por parte do governo, propiciava condições de trabalho cooperado para os excluídos e, principalmente, pelo seu empenho com a questão da educação, inaugurando uma espécie de pré-ACI, denominada “Associação de todas as classes e de todas as nações”.

As propostas de Owen com o tempo foram causando incômodo a seus apoiadores de classe alta, dado que o sistema social dominante de empresa lucrativa capitalista estava sendo questionado, fazendo com que o apoio político e financeiro fosse retirado. Owen transfere-se para os EUA e funda uma aldeia Cooperativa em New Harmony, EUA, em 1825. Permaneceu à sua frente até 1829 quando voltou à Inglaterra.

Durante esse período seus seguidores criaram sociedades cooperativas por toda a parte, coincidindo com o ressurgimento do movimento sindical em 1824 com o fim da Lei dos Combination Acts3, ressurgindo sindicatos e cooperativas operárias. O Owenismo foi assumido desde o final dos anos de 1820 pelo crescente movimento sindical e cooperativo, sendo exemplo disto a organização do sindicato nacional dos fiandeiros de algodão em 1829 através de um dos seus líderes John Doherty.

Além das cooperativas operárias havia as aldeias Owenistas que buscavam integrar produção e consumo. Os socialistas da época, tendo Owen como líder, consideravam o comércio, visando o lucro como parasitas da sociedade, por isso fundavam as distribuidoras diretamente dos produtores. Owen influencia de tal

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Essa legislação proibia qualquer organização dos trabalhadores como atentado à livre concorrência e foi usada para perseguir os sindicatos existentes.

modo o movimento operário que em 1833 propôs a criação da GUNM. Uma forte ofensiva patronal demite trabalhadores ligados aos sindicatos e enfraquece o movimento e a GUNM, que teve que distribuir recursos para apoio e sustento aos grevistas demitidos.

O Cooperativismo de consumo, o primeiro tipo de sistema cooperativo em funcionamento, teve como precursores os Pioneiros Eqüitativos de Rochdale, sendo considerada a mãe de todas. Fundada em 1844 por vinte e oito operários têxtil, metade Owenistas, estimulada pela derrota da greve dos tecelões em 1844, adotaram uma série de princípios que seriam depois imortalizados como os princípios universais do cooperativismo

As idéias cooperativistas Owenistas contribuíram para a formulação da maioria dos princípios historicamente aceitos até os dias de hoje, como um membro, um voto, independente de quanto investiu; número de cooperados aberto, aceitando-se quem deseje entrar; sobre capital emprestado a cooperativa pagaria taxa de juros fixa; as sobras ao final do exercício seriam divididas proporcionalmente às quotas investidas; as vendas da cooperativa seriam sempre à vista; produtos vendidos sempre de boa qualidade, nunca adulterados; a cooperativa se empenharia na educação cooperativa; neutralidade em questões religiosas e políticas.

Em 1853, os Pioneiros decidem financiar uma sala de leitura com 2,5 % das sobras, sendo que esta decisão permitiu a expansão do movimento e se tornou característica de todas as cooperativas. Da cooperativa de consumo partiram para a cooperativa de produção, com a fundação da Cooperative Manufacturing Society, de tecelagem, abrindo caminho para construção de uma fábrica em 1859. A passagem de cooperativa para firma ordinária lucrativa ocorreu em função da guerra civil nos EUA e crise do algodão que era exportado, obrigando a cooperativa a se associar aos capitalistas e perder hegemonia, culminando em transformá-la em empresa capitalista comum.

As cooperativas de consumo crescem muito entre final do século XIX e início do século XX: na França em 1907 havia 2166 cooperativas com mais de 600 mil membros; na Itália em 1904 havia 1448 cooperativas registradas. No período,

os grandes centros passam a contar com o comércio baseado em grande escala, provocando a quebra das cooperativas de consumo, pois essas lojas, precursoras dos hipermercados, redes de lojas, shoppings, passam a operar com conceitos de quantidade e baixo custo. Assim, o sonho da supremacia das cooperativas de consumo, levando à evolução social e erradicação do capitalismo não se efetiva.

Singer (2002), atribui às cooperativas de crédito a segunda modalidade mais velha, tendo nascido apenas seis anos após a cooperativa de consumo, tendo em Hermann Schulze (1808-1883), Alemão, Juiz, político, o seu precursor.

Em 1852, Hermann Schulze funda uma associação que imediatamente sobe de trinta para 150 sócios, sendo que cada novo membro tinha de pagar uma taxa de entrada e uma cota em prestações, além de sua poupança na cooperativa para giro. Todos os empréstimos destinavam-se ao setor produtivo, sendo endossado por dois membros e vencia em três meses; como princípio básico, a porta da cooperativa estava sempre aberta a pessoas de valor, necessitadas de empréstimo, sem distinção de profissão ou classe, passando a ser denominadas de banco do povo e com conceito de auto-gestão.

Em 1912 existiam mil bancos do povo na Alemanha com seiscentos e quatorze mil membros, não se constituindo como intermediário financeiro, como os bancos e companhias de seguro, tendo o caráter de uma associação de pequenos poupadores que se unem para potencializar seu acesso ao crédito mediante financiamento mútuo. Ao reunir pequenas poupanças e disponibilizar para os sócios, a cooperativa pode atender suas necessidades desde que somente pequena parcela recorra à poupança, pois, do contrário, a cooperativa deverá usar de bancos com juros normais e usar a garantia solidária para obter os recursos.

Nos países centrais as cooperativas de crédito cresceram em razão do aumento da renda de seus membros e passaram a ter acesso a bancos capitalistas, porém, na periferia do mundo isso não ocorreu, sendo que a grande maioria da população não acessa crédito ou está submetida à serviços de agiotagem.

Singer (2002) relata a experiência de Yunus e sua equipe em Bangladesh, Índia, a partir de uma grande fome ocorrida em seu país em 1974, quando

constataram que a fome não era por falta de comida e sim falta de dinheiro para adquiri-la. Concluíram que as teorias econômicas e os agentes econômicos não resolveriam o problema e a partir daí conseguiram um capital inicial de 27 dólares, que ofereceu em empréstimo sem juros e sem data certa de reembolso, nascendo a partir daí o Banco da Aldeia, com empréstimos pessoais que Yunus conseguia no seu banco e os repassava aos pobres.

O Grameen, nome dado ao banco, está presente em mais da metade das comunidades rurais de Bangladesh e em 1977 mantinha 1079 agências e 12 mil empregados, mudando a vida principalmente das mulheres, inspirando programas de micro crédito no mundo todo.

Em 1997, havia programas desse tipo em vinte e dois países na áfrica, dezesseis na Ásia, quinze nas Américas, quatro na Europa e um na Austrália, sendo que, no Brasil, há cerca de trinta Bancos do Povo que não se aproximam muito dessa experiência, mas apóiam iniciativas de geração de trabalho e renda para trabalhadores desempregados ou com negócios de pequeno porte.

As cooperativas de compra e venda são associações de pequenos e médios produtores, em geral agrícolas, que procuram ganhos de escala mediante a unificação de suas compras e vendas, sendo muito fortes no mundo, movimentando anualmente na Europa cerca de duzentos e sessenta e cinco bilhões de dólares com com cerca de treze milhões e oitocentos mil membros. No Brasil, estima-se em um mil trezentos e setenta e oito cooperativas agrícolas, com doze bilhões de dólares anuais e cerca de um milhão de membros e cento e cinqüenta mil empregados.

Singer (2002), considera a cooperativa de compra e vendas como uma prática cooperativista não alternativa ao modo capitalista de produção porque não estende a democracia e a igualdade à totalidade dos que trabalham nela, preservando a divisão de classes entre os proprietários do capital cooperativo, pequenos produtores, dos que lhes prestam serviços em troca de salários, caracterizando-se mais como associações de trabalhadores, administradores, técnicos, que visam produzir bens e serviços a serem vendidos no mercado.

A cooperativa de produção é o protótipo do empreendimento não capitalista porque associa os produtores e não seus fornecedores ou clientes como nas cooperativas de consumo, crédito ou compra e vendas, não podendo ser híbrida como as outras cooperativas que combinam igualdade e democracia no relacionamento com seus associados e desigualdade e heterogestão com aqueles que administram a cooperativa (empregados).

As cooperativas de produção datam do início dos anos de 1830 em que trabalhadores franceses e ingleses recorriam à formação de cooperativas de produção como arma de enfrentamento do capital. A experiência francesa se torna original quando defende o financiamento por parte do Estado para cooperativas de produção, sendo precursor desse conceito Louis Blanc (DESROCHE, 1991:89).