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5 Políticas Públicas e Políticas Públicas de Economia Solidária 5.1 Introdução.

Ciências políticas, estudos de política e análise de política são três dos termos mais comumente usados para descrever o campo de estudos sobre políticas públicas, conforme pontuam Ham&Hill (1984). No estudo de caso da política pública em economia solidária desenvolvida no município de Campinas, a ênfase foi na análise da política pública, no sentido de revelar como e porque foi desenvolvida, além de buscar a significação na vida das pessoas em sua implantação.

A preocupação fundamental esteve centrada no processo de análise da política, cujo conteúdo revelou-se não determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por uma interdisciplinaridade, revelada pela transversalidade na aplicação da política.

Essa transversalidade esteve presente durante a construção e a continuidade da política em espaços públicos, em que gestores públicos, organizações da sociedade civil e empreendimentos solidários participaram de encontros municipais, estaduais e fóruns municipais de economia solidária, grupos de trabalho, encontros, reuniões, desde o início do programa em 2001, resistindo à alteração de governo em 2004 e continuando durante todo o triênio 2005, 2006 e 2007.

O estudo de políticas públicas mostra muitas vezes, segundo Ham&Hill (1984), que demandas por políticas públicas podem ser produzidas por processos indutivos, definindo agenda, impondo definições de problemas e criando condições para a sua própria ação. Corroborando com esta visão, Capelo (2003), argumenta que políticas públicas desenvolvidas, predominantemente têm buscado compensar, sem sucesso, as profundas desigualdades sociais e, via de regra, são implementadas de cima para baixo, não contemplando grupos baseados em diferenças de raça, gênero, preferência sexual, geração, portadores de necessidades especiais, entre outros, assim como os excluídos dos centros de decisão por questões econômicas e culturais.

Quando implementadas resultam em descompasso com a realidade, primam pela improvisação e buscam mais o impacto do imediato do que a efetiva mudança na situação das pessoas envolvidas.

Isto não significa, porém, que processos indutivos na condução de políticas públicas estejam necessariamente deslocados de necessidades reais de uma

população beneficiada desta política, pois França Filho argumenta, em Medeiros,

Schwengber, Schiochet (2006:106),

que existe uma tendência à indução nas políticas públicas de economia solidária e isso parece representar um papel estratégico. O que se quer é que essa economia solidária que já existe potencialize-se, do ponto de vista da capacidade de transformar a realidade. E nesse aspecto, de algum modo, os movimentos sociais querem, o que é legítimo, aproveitar um pouco do poder do Estado para promover isso. A indução tem esse caráter, esse sentido.... Mas isso é um processo típico de uma realidade como a brasileira, que tem um nível de desigualdade, de diferença muito grande entre os grupos sociais.

A construção da política pública em economia solidária através da articulação de espaços públicos de construção possibilitou que o processo indutivo gerador da política não significasse a imposição da construção da política, pois os debates sobre tática, estratégia, alocação e busca de recursos, embora sempre acompanhados de tensão e disputa, sempre possibilitaram decisões em espaços democráticos.

Para a compreensão de como se dão os processos de desenvolvimento de

políticas públicas, torna-se importante desenvolver modelos de como as decisões

são tomadas. Ham&Hill (1984) oferece uma abordagem útil, com três modelos propostos. O primeiro deles, o do ator racional, que vê ações como sendo tomadas por agentes, com metas e objetivos definidos. Estes agentes têm que escolher entre cursos alternativos de ação a fim de alcançar seus objetivos e metas, com a escolha racional consistindo em selecionar a alternativa cujas conseqüências são as mais abrangentes possíveis.

Em segundo lugar, há o modelo do processo organizacional que vê a ação não como escolha racional, mas como o resultado do comportamento organizacional. Este comportamento é, largamente, a decretação de rotinas estabelecidas em que a atenção é dada seqüencialmente a objetivos e em que

procedimentos operacionais padrão são adotados. Em contraste, o terceiro modelo, o burocrático, não vê a ação nem como escolha nem como resultado, mas antes como o resultado de acordos entre grupos e indivíduos no sistema político.

A política pública em economia solidária apresenta uma característica que compõe com estes três modelos, pois se trata de política pública em construção, portanto sujeita as necessidades inventivas em que os três modelos aparecem constantemente durante o seu desenvolvimento, necessitando da definição de metas, bem como do conhecimento da estrutura organizacional e de acordos entre os atores orgânicos desse processo.

Ela acontece assim porque a economia solidária, conforme discutida no capítulo 3, tem sua origem nos movimentos sociais (SANDOVAL, 1989) que sempre pautaram as suas demandas na busca de interlocução com o poder público nas lutas por conquistas de direitos sociais.

França Filho, em Medeiros, Schwengber, Schiochet (2006), discute que os movimentos sociais enxergavam o Estado como uma força antagônica, disputando conquistas através de pressão, movimentos reivindicatórios, protestos das mais variadas formas. Nesse contexto de emergência da economia solidária, os partícipes desse movimento entendem o Estado como aliado e com uma dívida social a ser resgatada.

Ham&Hill (1984) afirmam que a efetividade de políticas e de processos na elaboração da política pública não pode ser avaliada independentemente da análise da distribuição dos poderes econômico e social em sistemas políticos, mostrando o poder de grandes corporações nas sociedades ocidentais industrializadas e sua habilidade de bloquear mudanças de grande alcance.

Desta forma, é plausível afirmar que políticas públicas estão relacionadas a tipos particulares de arranjos sociais, econômicos e políticos. Importante também considerar, que o Estado tem um profundo impacto nas vidas das pessoas na sociedade contemporânea, sendo necessário atribuir-lhe uma posição de destaque na análise de políticas públicas.

Na análise da construção da política pública de economia solidária no município de Campinas, ficou evidente que o Estado está estruturado em continuar funcionando segundo seu padrão legal e, necessidades de estabelecimento de novos padrões em decorrência de um campo novo, como a economia solidária e sua relação com o Estado, encontra fortes barreiras.

A construção de qualquer política pública municipal, estadual ou federal necessita da definição de marcos regulatórios norteadores, que, por mais inovadores que sejam, devem estar subordinados a marcos regulatórios hierarquizados, isto é, subordinação à Constituição, às Leis Federais, Estaduais e, por fim, às Leis Municipais que tratam da matéria.

Esta questão está associada à construção do Estado segundo a lógica da subordinação legal às diretrizes definidas ao longo da história pelo poder econômico dominante e suas alianças, seja em nível municipal, estadual ou federal. Exemplificando essa questão, cito a Lei Federal 8666, a chamada Lei das Licitações, que define todo o processo de compras do Estado.

Essa Lei trata desiguais de forma igual, de modo que os processos licitatórios acabam por beneficiar as empresas que historicamente participam e ganham as licitações demandadas, formando um circuito fechado, com articulações delas para com os gestores do aparelho do Estado e entre elas, utilizando-se da reconhecida capacidade de compra do Estado em todo o mundo.

Uma das estratégias apontadas na I Conferência Nacional de Economia

Solidária10, busca avançar na definição de um novo marco regulatório, que possa

favorecer o poder de compra do Estado para empreendimentos reconhecidamente vinculados a políticas públicas de geração de trabalho e renda, nos princípios da economia solidária, com claro propósito de definir políticas públicas de desenvolvimento sustentável, com transferência de renda para a população inserida nestas políticas.

10

A I Conferência Nacional de Economia Solidária foi realizada em Brasília, nos dias 26 a 29 de junho de 2006.

O texto definido na Conferência ficou assim redigido11

:

“Artigo 52 - é preciso elaborar emendas à Constituição Federal, principalmente ao artigo 37, parágrafo XXI, para que autorize ao poder público dar tratamento diferenciado ao conjunto da Economia Solidária”12.

O artigo 37 da Constituição brasileira, parágrafo XXI, regulamenta a questão das compras pelo Estado de produtos e serviços; é por esse motivo que na I Conferência Nacional de Economia Solidária tenha sido inserido em suas resoluções propostas de mudanças neste artigo. No desenvolvimento da discussão sobre a implantação da política pública em economia solidária, essa questão volta em casos específicos em que um instrumento como esse possibilitaria um grande avanço na consolidação dos empreendimentos.