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O correlato da economia social européia, no Brasil, consolidou-se como um sistema cooperativo, segundo Monzón (1989), com suas raízes mais remotas a partir de 1610, com documentos disponíveis da Ordem Jesuíta, que desempenhou um papel relevante no processo ao desenvolver um modelo de cooperação fundado no espírito coletivo implementado e propagado por mais de cento e cinqüenta anos, principalmente na região sul do país.

Em 1847, inicia-se outro momento do sistema cooperativo no Brasil com cooperativistas europeus que radicavam no Paraná e defendiam a visão dos socialistas utópicos, fundando a colônia Tereza Cristina. Segundo Monzón (1989:28), “durante esse período cresce no sul do país cooperativas de crédito, por influência de imigrantes alemães, formando as principais cooperativas desse setor no Brasil.”

Entre os anos vinte e quarenta do século XX, as associações de trabalhadores, os sindicatos rurais e urbanos, de tradição socialista, comunista e anarquista, difundiram os ideais cooperativos mais por inspiração socialista e menos por criar alternativas econômicas e sociais dentro do sistema capitalista vigente.

Na década de quarenta o sistema cooperativo e associativo agrário foi de fundamental importância para a difusão da lógica capitalista no campo brasileiro

através da iniciativa de uma instituição internacional financiada pela FIA, difusora do ideário social e econômico em curso nos Estados Unidos da América, acontecendo concomitantemente uma dura repressão das ligas camponesas.

Durante os anos cinqüenta e sessenta muitas instituições filantrópicas atuaram dentro das economias dos países em desenvolvimento com o propósito de reduzir o nível de pobreza, precisamente em regiões agrárias consideradas tradicionais e de baixa produtividade dos meios de produção, em função da qualidade da força de trabalho e do uso de tecnologias consideradas atrasadas. No período, foi estimulado o setor agropecuário com recursos governamentais e as cooperativas de produção, crédito e consumo proliferaram no campo, favorecidas pelo fomento governamental.

A partir da década de setenta, o sistema cooperativo obteve dimensão nacional e consolidou-se com uma estrutura que utilizava tecnologia moderna e formava e qualificava as famílias dos produtores rurais.

Em 1965, a OIT realizou uma conferência que, em suas resoluções, sublinhou o papel determinante das cooperativas para a superação dos problemas estruturais, sócio-econômicos que enfrentam as sociedades subdesenvolvidas. Essa linha de ação recomendada pela OIT presidiu os trabalhos que desenvolveram os organismos nacionais e internacionais.

Organizações como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial fizeram investimentos em países que sofreram os impactos da Segunda Guerra Mundial, países subdesenvolvidos que pudessem ser influenciados pela ideologia comunista, em decorrência do auge da guerra fria; essas instituições viam no sistema cooperativo um potencial para mudar as condições desfavoráveis geradas com o capitalismo, sem provocar rupturas no sistema dominante.

Os Sindicatos, as Associações Campesinas e as Cooperativas de Trabalhadores brasileiros, fundados a partir do ideário libertário e em oposição aos caminhos estabelecidos pelas elites, foram combatidos por políticas repressivas e em muitos casos por sistemas de governo ditatoriais, impedindo-lhes sua organização e associação, privando seus diretores de liberdade, impelindo-os à

ilegalidade. O governo brasileiro justificou suas ações repressivas pela necessidade de proteger a sociedade da influência comunista, utilizando todos os instrumentos a seu alcance para propagar a ideologia do cooperativismo empresarial no meio rural brasileiro.

Monzón (1989) caracteriza esse momento, na década de sessenta, como a perda do caráter anticapitalista do movimento cooperativista brasileiro, sendo assumido por setores da classe média e campesinato. A década seguinte mostra que as associações e cooperativas rurais dos setores de produção e de comercialização obtiveram grande êxito, com a participação de órgãos de governo reforçando o cooperativismo agrícola empresarial, integrando o setor agropecuário aos grandes grupos empresariais do setor da indústria e de serviços.

O decreto lei 4.595 da ditadura militar cria um sistema de financiamento rural que exclui o pequeno produtor, pois pretendia estimular a importação para manter em equilíbrio a balança de pagamentos. Tal sistema era semelhante ao “Farmers Home Administration y Farm Credit System”, que havia sido implantado nos Estados Unidos da América (Teixeira: 2002).

Aliado a essa questão, a restrição da liberdade de expressão reforça o cooperativismo empresarial que se distancia dos princípios cooperativistas historicamente defendidos, como o controle democrático nas decisões, uma pessoa um voto, livre adesão e neutralidade política, princípios defendidos pelos construtores da economia solidária hoje. A promulgação da Lei 5.764 de 1971 reforça essa posição, privilegiando processos de fusão, integração e verticalização das organizações e estruturas do sistema cooperativista.

Teixeira (2002), pondera que a segmentação cresceu em toda a economia brasileira, inclusive no setor agrícola; o setor de cooperativas foi favorecido por uma política de crédito com vistas a ampliar as exportações, principalmente de produtos básicos, que cresceram 44,8% entre 1974 e 1977, sendo que as cooperativas responderam por 5,1% do total do crescimento. A conseqüência disto foi um crescimento, no período, de 21% dos produtores associados, saltando de 627.884 para 794.911.

Entretanto, embora o crescimento do cooperativismo tenha sido importante, não significou uma ampla expansão, pois somente 17% dos estabelecimentos rurais e 12% de produtores aderiram à prática cooperativista. Isso aconteceu devido à orientação política vigente que favoreceu a formação de grandes complexos de cooperativas agro-alimentares com participação de capital nacional e transnacional.

Teixeira (2002) salienta que a década de oitenta é marcada pela inflexão das cooperativas empresariais devido à crise econômica mundial, fim dos subsídios internos e política protecionista dos países desenvolvidos. Em 1985, com o retorno à democracia, ressurge o movimento cooperativista de forma mais ampla, como forma de fixação do homem no campo e como resgate do pensamento cooperativista enquanto projeto econômico e social. Os planos econômicos - Cruzado 1 e 2 -, não obtiveram, segundo Teixeira (2002), o êxito esperado com aplicações de políticas que visavam a distribuição de renda e o crescimento do PIB.

Assim, nesse período os pequenos e médios produtores tiveram estímulos para produzir através de linhas de crédito, enquanto que os grandes produtores e as grandes cooperativas empresariais tiveram que repartir os recursos existentes, gerando descontentamento desse segmento com o governo.

O início dos anos noventa é marcado por ações governamentais que buscam conter a espiral inflacionária, a dívida interna através da abertura comercial, a atração de capitais externos e a elevação da produtividade. Nesse novo momento brasileiro, o cooperativismo empresarial havia praticado ajustes através da fusão de capitais nacionais e internacionais.

Continuou a crescer durante os anos noventa em diversas atividades e setores da economia brasileira, segundo dados divulgados pela OCB e OCEMG em 2001, seguindo tendência internacional. O cooperativismo é um importante setor econômico no Brasil, movendo um volume de transação econômica equivalente a 5% do PIB e gerando mais de 167.000 empregos diretos.

Ainda segundo os dados da OCB, em 1999, houve o registro de crescimento evolutivo nos setores de trabalho e de atividade sanitária em 24,5% e

19,3% respectivamente. No setor de cooperativas de consumo, houve uma redução em 2%, confirmando tendência de baixa para cooperativas que oferecem produtos a preços competitivos a consumidores das cidades.

Outro setor em crise é o das cooperativas pequenas e médias do setor agrícola, devido à incompatibilidade entre os preços finais dos produtos “in natura” e os custos de produção dos mesmos. Esse quadro confirma uma tendência à verticalização das cooperativas, iniciada entre as décadas setenta e oitenta. Isto não significa que as cooperativas agropecuárias não tenham um papel de grande importância quanto ao potencial econômico, número de associados e de empregos gerados.

O informe da OCEMG avalia que o sistema cooperativo agropecuário mineiro faturou 22% do seu PIB, equivalente a 90 bilhões de reais, existindo um contingente superior a um milhão de produtores que ano a ano plantam, colhem, armazenam e comercializam sua produção pelas cooperativas.

Em 1999 havia um total de 5652 cooperativas no Brasil, sendo 1006 cooperativas no Estado de São Paulo, 826 em Minas Gerais, 729 no Rio de Janeiro e 621 no Rio Grande do Sul. No ano de 2001 houve um crescimento de 115%, em média, do número de cooperativas em relação a 1999. Em dezembro de 2001, as cooperativas que apresentaram um maior número de atividades foram àquelas relacionadas com o ramo do trabalho (2391), do ramo agropecuário (1587) e em terceiro lugar do ramo de crédito (1038).

Os dados acima mostram que as cooperativas do ramo trabalho estão mais bem colocadas em número. Os motivos podem ser desde escape de encargos trabalhistas para diminuição de custos praticados por empresários que montam cooperativas de fachada, grupos de pessoas que montam cooperativas como exigência de manterem empregos em unidades dentro de uma organização, até grupos que se organizam para montar cooperativa de trabalho como alternativa à falta de emprego formal.

O ramo das cooperativas de consumo apresentaram, em 2001, o maior número de cooperativistas associados, sendo 1.467.386 em 189 cooperativas que atendem produtores rurais.

A desregulamentação trabalhista em andamento e a privatização provocaram no Brasil uma tendência de crescimento do cooperativismo verificada em 2001 nos setores de saúde, educação, construção, telecomunicações, entre outros. O crescimento das cooperativas de trabalho levou o governo brasileiro a aprovar a Lei 987/99 que impõe uma taxa de 15% do valor dos serviços prestados a terceiros.

Essa medida pode ter relação com a pressão do Ministério Público do Trabalho que vem sistematicamente combatendo as cooperativas de trabalho (mão de obra), criadas na maioria das vezes para burlar as leis trabalhistas. Por outro lado, Teixeira (2002) afirma que as pequenas e médias cooperativas padecem do mesmo dilema das pequenas e médias empresas, pois os impostos e taxas as impedem de ser competitivas em relação às grandes empresas mercantis e grandes cooperativas.

O advento do cooperativismo no Brasil mostra que, em nosso país, esse movimento não manteve uma relação de coerência de princípios com uma tradição cooperativista trazida pelos imigrantes Europeus no início do século XX, principalmente após a década de 1970.

É possível considerar, também, que se a economia social européia assume tanto as condições do cooperativismo originário, como àquelas da economia de mercado, a economia social brasileira, representada prioritariamente pelas cooperativas de consumo e trabalho, assumiu uma posição mais marcadamente próxima à economia de mercado.