• Nenhum resultado encontrado

Ao mesmo tempo em que o Estado europeu desenvolvia estratégias de inserção social buscando compensar a crise da empregabilidade, conforme

discutido no item anterior, a economia social na Comunidade Européia, após as duas crises do petróleo, de 1973 e 1979, traz de volta postulados esquecidos, como participação, solidariedade e interesse social, conforme analisa Chaves (2001).

Na França, as organizações de cooperativas, mutualidades e diferentes tipos de associações envidaram esforços de aproximação desde os anos 1970, buscando uma identidade de significação social dessas organizações, caminhando para quebrar a segmentação ocorrida nas décadas passadas, assim como a implantação desse segmento no setor econômico.

Em 1975 constituíram o CLAMCA. A iniciativa mereceu o interesse governamental que, em 1981, deu passos em direção a uma estrutura administrativa, a Delegação Interministerial de Economia Social, transformada em Secretaria de Estado de Economia Social.

Como decorrência desse impulso, a Lei de 20 de julho de 1983 reforma diversos conteúdos de regulação das cooperativas e faz menção expressa ao termo “economia social”. Entre as realizações mais notáveis do período, figura indiscutivelmente a conhecida “Carta da Economia Social”, escrita em 22 de março de 1982 pelas representações de importantes setores cooperativos, mutualistas e associativos.

A carta constitui uma declaração de princípios: democracia e solidariedade nas organizações de economia social; liberdade de criação, incorporação e funcionamento das mesmas; particular sistema de distribuição de excedentes que excede à perspectiva meramente individual e, finalmente, a vocação de contribuir ao desenvolvimento harmônico da sociedade dos indivíduos.

Dentro da Comunidade Européia, a primeira medida a institucionalizar a economia social foi uma Comunicação sobre as Empresas de Economia Social, preconizando a criação de um mercado sem fronteiras, propondo em um mesmo bloco as cooperativas, associações mutualistas e associações.

Nessa comunicação, uma empresa pertence à categoria economia social se sua atividade produtiva se baseia em técnicas organizativas específicas e, quando se fundamentam as técnicas, aparecem os princípios de solidariedade e

participação, além da formalização jurídica como cooperativas, associações mutualistas ou associações genéricas. A definição do caráter social de tais empresas determina a sua finalidade, formas de gestão e organização, porém,

não a natureza dos bens e serviços produzidos.

Na França, a “Carta de Economia Social” de 1982 (França Filho e Laville, 2002) traz, em sua declaração, que a finalidade da economia social é servir ao homem, estabelecendo identidades institucionais das organizações que integram a economia social, como o funcionamento democrático e igualdade de direitos dos sócios, livre adesão, novo sistema de relações internas e informação, autonomia de funcionamento e caráter privado, sistema específico de distribuição das sobras e aplicando os excedentes à melhora da empresa.

Demoustier (1999), aponta para esse caminho, ao detectar as profundas transformações que estão se processando na atual sociedade francesa, onde as organizações de economia social respondem a objetos de defesa, de gestão, de regulação e de transformação das atividades das pessoas, o que explica sua heterogeneidade.

Destacam-se pela defesa contra a desestruturação das atividades empresariais em empresas individuais, a desqualificação das pessoas, a desocupação de áreas para adensamento de outras, a gestão dos efeitos imediatos de algumas transformações, com o risco de participar na gestão da pobreza ou da exclusão ao criar mercados secundários (bens de ocasião, trabalho precário, solidariedade de proximidade e não global), porém, também a experimentação de mercados novos, modernização de serviços públicos e na estruturação de novos serviços.

Para cumprir com sua função (ainda modesta), de regulação do mercado de serviços, de trabalho e financeiro, é importante reconhecer que a economia social, em seu desenvolvimento, exige toda uma série de condições, como mobilização das pessoas, coletivos que realizam projetos unidos pela percepção de necessidades e interesses comuns. Necessita territorializar determinadas atividades, evitando estabelecer fronteiras geográficas que supõem um limite para o crescimento das mesmas.

Além disso, a economia social não intervém na produção de bens que requeiram importantes inversões de capital, limitando assim seu espaço econômico para mercados de primeira transformação ou de circulação de bens (mercado de ocasião). Não podem substituir a intervenção pública, ainda que se baseiem no voluntariado e na defesa dos interesses públicos, não permanecendo alijadas aos egoísmos coletivos, à produção de desigualdades, nem a derivações privadas ou tecnocráticas.

Ocorre evidentemente um esforço de aproximação da economia social aos princípios do cooperativismo do século XIX, buscando ligar economia e política, economia e sociedade, porém parece muito mais uma estratégia de criação de mecanismos compensatórios ao processo de exclusão social, agravado com o fortalecimento das políticas neoliberais a partir do final da década de 1970.

Interessante considerar que o movimento dos empreendimentos associativistas e cooperativistas das últimas décadas, na direção do que se entende como economia social não é hegemônico.

Para Marcos (1998), as cooperativas agrícolas distanciaram-se dos princípios do cooperativismo construído no século XIX, pois passaram a considerar importante definir novos marcos legais e novas formas de gestão, para tornarem-se competitivas em um mercado globalizado. Destaca, também, que a cooperativa é uma sociedade de pessoas e torna-se importante para a cooperativa saber conjugar sua natureza pessoal com sua presença no mercado.

Importante citar Martínez (2000), que compartilha com essa visão ao considerar que a sobrevivência das organizações econômicas cooperativadas no atual cenário mundial requer uma rápida capacidade de resposta para atuação em um mercado cada vez mais amplo e competitivo. A globalização está provocando uma modificação nas estruturas internas de tais empresas cooperativas, com uma tendência à uma maior flexibilidade para fazer frente a novas circunstâncias.

Diferentes elementos organizativos e financeiros têm sido introduzidos em um recente marco regulador das sociedades cooperativas na Espanha com o objetivo de facilitar a sua adaptação ao novo entorno econômico. Porém, esses instrumentos, mais que preservar a identidade e impulsionar a vinculação efetiva

dos sócios na estrutura orgânica, financeira e real, fomentam comportamentos especulativos. À luz da nova legislação geral e autônoma observa-se diferentes distorções ao princípio democrático, derivadas das modificações introduzidas na estrutura societária da sociedade cooperativa e da participação de determinados credores externos nas tomadas de decisões.

A lentidão das respostas às necessidades e exigências das novas condições econômicas da atualidade e os elevados custos para a manutenção das decisões da democracia direta para fixação dos objetivos nas sociedades cooperativas da Espanha, assim como os problemas de acesso ao mercado de capitais, têm levado, segundo Martínez (2000), a um progressivo caminhar dessas sociedades para dinâmicas capitalistas convencionais.

Entre elas, o reconhecimento da condição de sócio a determinados tipos de credores externos, limitando a capacidade de decisão dos sócios. O cumprimento do princípio cooperativo “um membro, um voto”, tem sua base na contribuição dos sócios como provedores ou como consumidores no processo de produção ou distribuição de bens e serviços; essa condição não tem relação com o posto desempenhado na cooperativa ou com os conhecimentos adquiridos.

A base em que se fundamenta a identidade das sociedades cooperativas está sendo alterada, então, por um novo marco jurídico que introduz a possibilidade de utilizar uma base proporcional para a fixação dos objetivos nas sociedades cooperativas, além de criar a figura do voto proporcional ao capital social investido. Porém, não só a heterogeneidade das contribuições dos sócios justificaria a eleição da base proporcional no processo de tomada das decisões, mas também a admissão de entidades jurídicas como membros da entidade cooperativa.

Para Martínez (2000), a distorção do princípio democrático das sociedades cooperativas está possibilitando a criação de um novo tipo de sociedade cooperativa denominada mista. É possível observar que conceitos diferentes de economia social são colocados por Demoustier (1999), Marcos (1998) e Martinez (2000), pois enquanto o primeiro considera que a economia social aproxima economia e política, buscando democracia nas decisões, igualdade entre os

sócios, autonomia de gestão, os demais aproximam a economia social da economia de mercado, com entrada de capitais e peso político maior na empresa decorrente do aporte, acarretando a quebra da igualdade entre os sócios, um dos princípios basilares da autogestão.

A posição dos autores acima aponta para a constatação de que a economia social na Europa não tem um caminho definido, estruturando-se tanto dentro dos princípios originalmente defendidos pelas primeiras cooperativas no século XIX, como aproximando-se do modo de operar da economia de mercado. Essa falta de unidade de princípios na ação mostra uma complexidade no fazer econômico da economia dita social, longe de definição quanto aos rumos a serem priorizados.