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4.5.3 Experiências de Economia Solidária no Brasil.

Situar os empreendimentos solidários no Brasil só é possível se considerarmos as profundas diferenças regionais nos planos políticos, econômicos e culturais que compõem o território brasileiro. Tal consideração deve ir além da caracterização desse universo enquanto formas de organização em cooperativas, associações e outras formas democráticas como ONGs. e Fundações (França Filho e Laville, 2004).

A compreensão e caracterização da economia solidária no Brasil é recente, remontando ao Primeiro Fórum Social Mundial em Porto Alegre em 2001, quando ocorre a criação da Rede Brasileira de sócio economia solidária, integrando diversas entidades de fomento à economia solidária em todo o país. Nasceu como rede eletrônica com o objetivo de troca de informação, veiculação de notícias e opiniões, incorporando com o tempo troca comercial entre cooperativas, associações produtivas e consumidores (SINGER, 2002).

Em meados de 2003, através da articulação da rede brasileira de sócio- economia solidária, ocorre o primeiro Encontro Nacional de Economia Solidária em Brasília, com a participação de empreendimentos, organizações de apoio e fomento e de gestores públicos, consolidando a criação do Fórum Brasileiro em

Economia Solidária com composição predominante dos empreendimentos — com 60% — e 40% dividido entre os demais atores do movimento.

A articulação política do nascente movimento organizado em economia solidária, acelera a criação em junho de 2003 da SENAES, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, com a missão de “combater a desigualdade e a exclusão social mediante a operacionalização do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento5.

Assim, entre as ações desenvolvidas no biênio 2004/2005, destacam-se o diagnóstico das experiências em economia solidária que acontecem no país através do Atlas da Economia Solidária no Brasil6.

Foram identificados 14.954 empreendimentos econômicos solidários em 2.274 municípios do Brasil que corresponde a 41,5% dos municípios brasileiros. Considerando a distribuição territorial, há uma maior concentração dos empreendimentos na região Nordeste, com 44%. Os restantes 56% estão distribuídos na demais regiões: 13% na região Norte; 14% na região Sudeste; 12% na região Centro-Oeste e 17% na região Sul.

O fenômeno da economia solidária no Brasil é recente, com a grande maioria dos empreendimentos solidários iniciando suas atividades na década de 1990, sendo que os grupos informais apresentaram uma maior taxa de crescimento após a metade da década de 1990, as associações apresentaram redução na sua expansão e o número de novas cooperativas se manteve estável.

Chama a atenção na tabela abaixo a grande concentração de empreendimentos solidários na região Nordeste e a relativamente baixa quantidade de municípios com prática de economia solidária na região Sudeste. Esses dados, embora mereçam um estudo mais aprofundado, mostram que o Nordeste e o Sul em segundo lugar apresentam uma maior tradição associativa; por outro lado, a região mais rica e industrializada da nação e a as regiões com maior concentração fundiária, apresentam uma menor tradição associativa. Por outro lado, considerando-se que a economia solidária enquanto fenômeno no

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Documento extraído do site do Ministério do Trabalho e Emprego, www.mte.gov.br, de 2003, 8p.

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Atlas da Economia Solidária, documento publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, através da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, 2005, 59p.

Brasil é recente e em construção, podemos considerar muito significativo que existe essa prática em 41% dos municípios.

Tabela 1 – Os empreendimentos solidários no Brasil

REGIÃO NO. EMPREENDIMENTOS % EMPREENDIMENTOS NO. DE MUNICÍPIOS % MUNICÍPIOS NORTE 1884 13 254 56 NORDESTE 6549 44 861 48 SUDESTE 2144 14 389 23 SUL 2592 17 512 43 CENTRO- OESTE 1785 12 258 53 TOTAL 14.954 100 2274 41

Fonte: Atlas da Economia Solidária - p.15

A Tabela 2 mostra um dado interessante sobre a maior concentração de empreendimentos informais no Sul e Sudeste e uma maior concentração de Associações no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Outro dado importante refere-se à que o maior percentual de empreendimentos solidários na forma de cooperativas está na região Sul, seguido da região Sudeste, regiões onde historicamente ocorreram imigrações européias no início do século XX, acompanhadas dos ideais cooperativistas desenvolvidos durante o século XIX.

Tabela 2 – Formas de organização dos empreendimentos solidários.

REGIÃO GRUPO

INFORMAL (%)

ASSOCIAÇÃO (%) COOPERATIVA (%) OUTRA (%)

NORTE 22 64 10 4 NORDESTE 27 66 6 1 SUDESTE 51 31 15 3 SUL 41 34 22 3 CENTRO-OESTE 29 61 9 1 BRASIL 33 54 11 2

Fazendo uma análise da produção mensal do conjunto de produtos por tipo de atividade, tabela 3, os setores de agropecuária, extrativismo e pesca têm um maior percentual de valor mensal (46,2%), seguido de alimentos e bebidas (20,0%) e, nesse caso aparece em terceiro a atividade de serviços de crédito e finanças com 16,7%, embora em termos de quantidades de empreendimentos esteja na faixa de 2%. O terceiro colocado na quantidade de empreendimentos, segmento artesanato, aparece em sexto no volume de negócios com 2,8%.

A tabela 3 mostra, também, uma predominância da comercialização da economia solidária nas atividades de produção, na contramão do crescimento da economia de mercado centrada no segmento serviços, setor terciário. É um

indicador interessante no momento da definição sobre investimentos públicos e na sua qualificação, pois se trata de um indicador sobre o potencial da economia solidária crescer no segmento da produção.

Tabela 3 – Distribuição dos produtos por tipo de atividade.

Produtos por tipo de atividade. Valor mensal total r$ % Valor mensal Produção agropecuária, extrativismo e pesca 227.185.791,54 46,2

Produção e serviços de alimentos e bebidas 98.227.398,19 20,0 Serviços relativos a créditos e finanças 82.055.700,75 16,7 Produção industrial (diversos) 29.404.555,00 6,0 Prestação de serviços (diversos) 20.319.691,22 4,1% Produção de artefatos artesanais 13.624.943,08 2,8

Produção têxteis e confecções 9.307.759,12 1,9 Serviços de coleta e reciclagem de materiais 4.430.797,12 0,9

Produção mineral (diversa) 1.977.436,33 0,4

Produção de fitoterápicos, limpeza e higiene 935.211,00 0,2

Produção e Serviços diversos 3.981.755,18 0,8

Total (31% não forneceu dados) 491.451.037,00 100,0 Fonte do Atlas da Economia Solidária - p.36

Entre as iniciativas inovadoras nesse campo de práticas de economia solidária urbana em nosso País, destaca-se o trabalho desenvolvido pela

ANTEAG7, iniciado na década de 1990, precisamente em 1991, a partir de uma intensa crise do setor calçadista de Franca, São Paulo, decorrente da abertura indiscriminada do País às importações, no Governo Collor, por necessidade de sobrevivência dos trabalhadores, inicia-se uma busca de manutenção de postos de trabalho, na tentativa de impedir o fechamento das fábricas.

O sindicato dos sapateiros de Franca busca a solução para o problema junto a um grupo de técnicos que participava da secretaria de formação do Sindicato dos Químicos de São Paulo, desenvolvendo um projeto com os quatrocentos trabalhadores da Empresa Makerly, visando negociar com o proprietário a transferência da empresa para os trabalhadores em troca de dívida trabalhista. A participação do DIEESE possibilitou o embasamento técnico-jurídico inicial que fundamentava a possibilidade de transferência das ações para os trabalhadores.

No início de 1992, a Makerly começa a operar em auto-gestão e comete o erro de colocar em postos da administração as pessoas que tinham cargos de confiança na gestão anterior. A Makerly não sobreviveu às dificuldades, mas a partir de sua experiência começaram a surgir outras empresas auto-gestionárias.

Foi a partir do primeiro encontro dos trabalhadores em empresas de autogestão que surgiu a ANTEAG em 1994, contando, a partir dos dados de 2000, com a existência de sessenta e cinco empresas com faturamento de trezentos e vinte milhões, vinte mil postos de trabalho e oitenta mil empregos indiretos a custo zero para o poder público.

Pagam anualmente o equivalente a noventa e um milhões em salários diretos e vinte e seis milhões em impostos. O setor calçadista e têxtil deram início ao processo no começo da década de 1990 e hoje abarcam os setores metalúrgico, metal-mecânico, extração, mineral, moveleiro, máquinas, transporte, plástico, cristais e vidro, químico, agroindústria e artefatos de couro.

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Documento escrito pela ANTEG, com o título “Construindo uma nova cultura nas relações de trabalho”, ano 2000, 144p.

Os princípios defendidos pela ANTEAG estão em consonância com os princípios de economia solidária defendidos por França Filho e Laville (2004:167) e Singer (2003:13), conforme relacionados abaixo:

a) controle da gestão pelos trabalhadores.

b) controle dos meios de produção pelos trabalhadores. c) democracia, transparência e decisão coletiva.

d) investimento na educação dos gestores.

e) somente 1% do quadro associativista pode ser contratado. A Unisol Brasil atua como uma associação civil com as finalidades relacionadas com as da Anteag, denominando-se como uma entidade

de âmbito nacional, de natureza democrática, cujos fundamentos são o compromisso com a defesa dos interesses reais da classe trabalhadora, a melhoria das condições de vida e de trabalho das pessoas e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e à uma sociedade mais justa8.

Entre seus objetivos a Unisol Brasil busca promover o desenvolvimento da economia solidária no sentido de apoio à geração de novas iniciativas que resultem na criação de novos postos de trabalho. Apresenta mais de trinta empresas recuperadas sob gestão democrática dos trabalhadores, que se encontravam em estado falimentar, em dez Estados da Federação.

Existe ainda uma diferenciação entre os empreendimentos de economia solidária fomentados por iniciativas públicas, de ONGs. e de ITCPs. e os empreendimentos oriundos de fábricas recuperadas filiadas à ANTEAG ou à UNISOL. Os primeiros estão mais ligados à apoios de comunidades locais nos campos de extrativismo, agricultura, pesca, artesanato, reciclagem, alimentação, costura e, os segundos, à produção industrial, metalurgia, química, calçadista, têxtil.

Iniciativas de diálogo entre as direções desses dois campos de prática em economia solidária acontecem ainda de forma incipiente, dentro de possibilidades futuras de articulação de redes e cadeias.

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4.5.4 - Experiências de Economia Solidária na América Latina.