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4.4 Economia Solidária e sua relação com os Movimentos Sociais.

Sandoval (1989), considera que o movimento social está na base da organização da sociedade, dele derivando toda a gama de organizações da sociedade civil com peso político e econômico na sociedade. Assim, os

trabalhadores, que construíram desde o século XIX suas organizações de trabalho denominadas cooperativas, são originários de movimentos sociais, tendo como patrocinadores os sindicatos, as organizações da sociedade civil e as organizações governamentais.

Para o autor, existem dois tipos de fatores que influenciam a participação

das pessoas nos movimentos sociais, sendo o primeiro deles,fatores de natureza

interna ao movimento e o segundo, fatores de natureza externa. Aqueles de natureza interna levam em consideração características do grupo como consciência política, identidade, traços culturais, identificações pontuais ou não, lideranças, experiências organizativas, entre outras.

Os de natureza externa, tem relação com aquilo que cerca o movimento, como as relações com outros movimentos, partidos, conjuntura, política de alianças, entre outros. Aprofunda a questão dos fatores de natureza interna ao dar relevância aos pressupostos inerentes aos aspectos culturais dos indivíduos envolvidos com o movimento, ao considerarem natural a estabilidade social, a estratificação social, a hierarquia social, a desigualdade, a legitimidade da autoridade, a reciprocidade entre as camadas sociais.

Para os fatores externos, Sandoval (1989) assinala que as restrições da vida cotidiana constituem-se em limitadores no desenvolvimento da capacidade de abstração dos indivíduos, já que, nesse cenário, os indivíduos relacionam-se e formam sua consciência sobre a sociedade. Assim, a estrutura da vida cotidiana pode ser caracterizada nos aspectos de sua fragmentação, heterogeneidade, hierarquia, imediatismo, economicismo, pragmatismo, fé, generalizações, precedentes, analogias, preconceitos, estereótipos e imitações como formas de definir comportamento em situações novas.

Embora esses fatores contribuam sobremaneira para a não participação dos indivíduos nos movimentos sociais, acontece o engajamento, o encantamento, o interesse súbito que subverte a maneira pela qual o indivíduo enxergava a relação entre as pessoas. Nesse momento ocorre o confronto com o institucional, com o campo político organizado e definidor do “status quo”.

A participação das pessoas nos movimentos sociais e a sua continuidade não é função somente da escolha racional, pois a quantidade de informações que as pessoas têm para avaliar o impacto da participação no movimento não é completo, sendo natural que surjam elementos de intuição na definição, substituindo a carência de informações.

Além disto, Sandoval (1989) acrescenta quatro fatores de contribuição para a subversão do indivíduo na sua forma de categorizar as relações na sociedade. O primeiro deles é o território; o segundo, os elementos de ligação por solidariedade, seja por questões étnico-raciais, de origem ou ocupacionais; o terceiro, refere-se a combinação do agrupamento social e as redes de interação, resultando na organização social, definindo sua ligação com a comunidade, apoio, metas do movimento; o quarto, as experiências que o movimento apresenta para seus membros, possibilitando captar recursos da comunidade para uso das

necessidades do movimento na sua busca em obter benefícios do poder instituído.

Para Sandoval (1994:59),

o resultado do cruzamento de significados desses acontecimentos da vida e as interpretações que o indivíduo faz segundo seu sistema de valores e crenças, com a interação dos fatores objetivos, como as experiências de classe e os fatores subjetivos, é a consciência de um indivíduo. Consciência é, então, um conceito psico-sociológico referente aos significados que os indivíduos atribuem às interações diárias e acontecimentos em suas vidas.

Para compreender a consciência dos indivíduos na participação dos movimentos sociais, o autor chama a atenção para o fato de conceitos de fatos discrepantes na sociedade serem interpretados pelos indivíduos a partir de definições gerais da realidade, representadas pelos preconceitos, pelo senso comum, pela lembrança de como as gerações anteriores tratavam a questão. Essas definições orientam o indivíduo no seu cotidiano, asseguram uma tranqüilidade para que o seu cotidiano não se quebre.

Embora o cotidiano dificulte a reflexão e o raciocínio do indivíduo em suas atividades, auxilia-o na composição de seu juízo de valores, suas crenças, visão de mundo. Ele obtém esses elementos de postura e opinião sobre os questionamentos surgidos, de uma maneira superficial, de uma leitura própria

adquirida na sua formação e visões de mundo ensinadas e apreendidas, segundo sua assimilação e re-leitura dos fatos.

É um caminho trilhado pela grande maioria dos indivíduos, pois, assim, há uma acomodação e estabilidade no dia-a-dia, já que “a característica dominante da vida cotidiana é a sua espontaneidade, impondo às pessoas uma forma de pensar que é imediatista e utilitária”. (SANDOVAL, 1994:63-64).

Assim, é possível concluir que a base da estabilidade social está na fragmentação da visão social, pois cada indivíduo forma o seu juízo de valores baseado em suas experiências acumuladas e no seu cotidiano, representado pelo imediatismo e pragmatismo, levando-o a uma aceitação das desigualdades sociais, da estruturação da sociedade em classes, do sistema de poder estabelecido. Procurando definir parâmetros para os elementos constitutivos da consciência dos indivíduos que norteiam a sua interação com a sociedade, Sandoval (1994) propõe quatro categorias.

A primeira delas refere-se à consciência do senso comum, que interpreta o mundo e as transformações sob a ótica de sua visão de mundo baseada no seu cotidiano; as relações políticas, as disputas e embates ficam restritas aos interesses da sobrevivência e das relações estabelecidas no dia a dia; a consciência de classe mascara-se nas relações pessoais, que se sobrepõem.

A Segunda, diz respeito à consciência populista, vem de formulações de grupos e prevaleceu no País entre a década de 1940 e 1960. Mascara o conflito de classe e reduz os conflitos à disputas pontuais de interesses divergentes; existe uma direção na sociedade definida por um provedor que resolve as disputas por mediação dos interesses conflitantes mas não irreconciliáveis.

A terceira, a consciência de conflito, que reconhece a formação da sociedade em classes, mas entende que as instituições criadas e em funcionamento na sociedade são o instrumento adequado; entre elas, o Estado, Sindicatos, Associações. Os conflitos são considerados legítimos e têm relação direta com os interesses dos cidadãos em busca de cidadania.

A quarta consciência, a revolucionária, considera que a sociedade é definida como de interesses antagônicos de classe, irreconciliáveis. Para esse

nível de consciência somente uma alteração da macroestrutura resolve o conflito, sendo que esta transformação só ocorre com ações coletivas de classe.

Na análise do movimento de economia solidária, ao discutir a implantação de políticas públicas nesse campo, torna-se importante levar em consideração o nível de consciência dos sujeitos envolvidos dentro das quatro categorias propostas por Sandoval (1994).

Considerando-se que no primeiro nível de consciência discutido, do senso comum, encontra-se a maioria dos sujeitos passíveis de envolvimento com os empreendimentos de economia solidária, infere-se que esse será o perfil de consciência majoritariamente encontrado no movimento.

Em complemento a essa tese, infere-se outra que está na base dos fomentadores do movimento, entre eles, agentes públicos de organizações governamentais, ONGs., igrejas, universidades, que apresentam uma modalidade de consciência de conflito, resultando em uma espécie de crise na relação entre os sujeitos constitutivos dos empreendimentos e os sujeitos constitutivos das instituições de fomento.

Considerando-se que o sucesso de um empreendimento solidário está entre um dos objetivos nesse processo de fomento, a sua ocorrência poderá provocar com o tempo uma acomodação desses empreendimentos ao senso comum, em uma estrutura formal de democracia política e econômica, eternizando direções nas organizações, provocando desvios de finalidade nessas organizações. Esse tipo de situação sempre esteve presente ao longo da história (SINGER, 2002) e, uma das razões pode ser encontrada dentro das categorias de análise que Sandoval (1994) propõe.

Uma pedagogia do conflito proposta por Santos (1996), dentro do processo de educação dos sujeitos desses empreendimentos, pode contribuir para o aperfeiçoamento dos princípios dessas organizações e consolidá-las como uma referência para a sociedade, do ponto de vista da autogestão e da democracia nas relações internas.

Processos educacionais devem estar ancorados na formulação e implantação de políticas públicas para a economia solidária e, no estímulo à

organização desses empreendimentos para fortalecimento político e econômico do campo.

4.5 - As Experiências de Economia Solidária.