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6.5 A Política Pública de Economia Solidária Desenvolvida no Município de São Paulo.

O governo municipal da cidade de São Paulo, gestão 2001-2004, do Partido dos Trabalhadores, ao criar a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho

e Solidariedade através da Lei no. 13.164/01(POCHMANN, 2004a:163),

possibilitou o desenvolvimento de diversos programas para a população em situação de vulnerabilidade social, assim denominados: programas redistributivos, programas emancipatórios e programas desenvolvimentistas. Parra Pochmann (2004a:17), os programas emancipatórios “objetivam criar condições de autonomização da população beneficiada pelos programas redistributivos”.

O primeiro, “Oportunidade Solidária”, cuja perspectiva foi desenvolver geração de trabalho e renda através de empreendimentos solidários, geridos pelos trabalhadores, contou com apoio legal, tecnológico, logístico e promocional; o segundo, São Paulo Confia, foi criado com o objetivo de possibilitar crédito aos empreendimentos para a estruturação de suas atividades.

O amparo legal para o programa veio com a Lei no. 13.164/01, artigo 1o. e 2o.conforme segue abaixo:

Art. 1o. – Fica criada a Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade – SDTS, destinada à implantação de programas voltados à promoção do desenvolvimento econômico com inclusão social.

Art. 2o. – A Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade tem as seguintes atribuições:

I – criar mecanismos e adotar ações direcionadas ao desenvolvimento econômico e social do município;

II – implementar medidas que favoreçam a inclusão social e a melhor inserção ocupacional;

III – promover e propor programas e políticas que estimulem a economia solidária e a concessão de crédito popular.

IV – estabelecer ações, convênios e parcerias, quando necessário, com entidades de direito público ou privado, visando à melhoria da qualificação profissional, à reinserção do trabalhador desempregado no mercado de trabalho, à habilitação ao sistema público de emprego e ao aprimoramento das relações do trabalho. A Lei no. 13.118/01 institui o “Programa Crédito Popular Solidário”

(POCHMANN, 2004a:187) e, em seus artigos 1o. e 5o. reforçam o caráter emancipatório do programa:

Art. 1o. – Fica o Município autorizado a associar-se em Associação Civil Ideal e a celebrar convênios com entidades civis de crédito produtivo popular, sem fins lucrativos, com a finalidade precípua de, a partir de uma ação facilitadora do acesso ao crédito, propiciar às pessoas físicas de baixa renda e aos pequenos e microempresários instalados no Município, integrando o exercício das atividades informais ao processo produtivo regular.

Art. 5o. – parágrafo 1o. - Fica o Município autorizado a criar os Fundos de Investimentos destinados a propiciar recursos para aplicação em micro empreendimentos, cooperativas e micro empresas, visando criar alternativa de crédito popular para geração de emprego e renda.

A portaria no. 03/01 da SDTS (POCHMANN, 2004a:205) completa o

arcabouço jurídico dos programas que possibilitaram a implantação de políticas públicas em economia solidária no município de São Paulo:

O Secretário Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, no uso de suas atribuições legais, de acordo com o disposto no artigo 2o., inciso III e parágrafo primeiro da Lei Municipal no. 13.164/01 e,

Considerando a redução gradual no volume de emprego formal na cidade de São Paulo, cujo impacto tem sido a formação de um grande excedente de trabalhadores desempregados ou sub- ocupados, submetidos a diversas e adversas estratégias de sobrevivência;

Considerando a inexistência de perspectivas positivas de recuperação dos postos de trabalho formal;

Considerando que existem experiências bem sucedidas de geração de trabalho e renda e ocupação através do estímulo à alternativas solidárias, como são as cooperativas, associações, empresas de autogestão, entre outras, e que elas podem ser reproduzidas e/ou ampliadas;

Considerando a necessidade de se ter programas complementares aos já existentes nesta Secretaria, com o objetivo de estimular a geração de ocupações produtivas e renda que emancipem economicamente os egressos dos programas de Renda Mínima, Bolsa Trabalho e Começar de Novo;

Resolve:

a) criar o Programa Oportunidade Solidária, no âmbito da SDTS, cujo objetivo será a difusão e desenvolvimento da cultura do empreendedorismo comunitário, associado ao estímulo à criação de coletivos inovadores de renda e ocupação – prioritariamente entre os egressos dos demais programas sociais desta Secretaria incidentes sobre a produção e distribuição de bens e serviços para além das possibilidades dos setores público e privado, e ao estímulo ao desenvolvimento de pesquisas e produtos de base tecnológica voltadas às finalidades deste Programa;

b) criar a Comissão de Desenvolvimento Solidário, no âmbito da SDTS, com caráter consultivo, com a finalidade de elaborar proposta, formular sugestões e acompanhar a implementação da políticas do Programa Oportunidade Solidária da SDTS; Pochmann (2004a) afirma que 34% dos envolvidos nos programas redistributivos como Bolsa Trabalho e Começar de Novo, consideram prioritária a participação em empreendimentos solidários, caracterizando-se como uma alternativa real de emancipação.

São dois os tipos de perfis que buscam a formação para participação em empreendimentos solidários, sendo um deles aqueles com mais de 40 anos, considerados de idade elevada e fora dos padrões de mercado e, o outro, jovens sem experiência anterior e que não conseguem emprego formal. Para corroborar com a afirmativa acima, relaciono depoimentos de pessoas beneficiários dos Programas “Começar de Novo”, “Bolsa Trabalho” e participantes do Programa “Oportunidade Solidária” (POCHMANN, 2004a:83):

Nós somos pessoas com uma história de vida parecida, moramos na mesma região de São Paulo, tivemos poucas oportunidades de estudar e somos desempregadas, por causa da nossa idade elevada para os padrões do mercado. Por isso acabamos por entrar no Programa “Começar de Novo”. Dentro deste projeto acabamos nos conhecendo, começamos a nos conhecer no curso de cidadania, continuamos juntas nos cursos posteriores, isso foi muito bom, já que ficou mais fácil formar um grupo com quem conhecemos para fazer uma cooperativa.

Meu nome é Robson Alves, tenho 17 anos e estou cursando o 3o. ano do ensino médio... Estou em busca de um trabalho, mas como

não encontro, faço bicos na feira ou em vários lugares. Faço o curso do bolsa trabalho com 7 colegas e estamos em busca de uma cooperativa para entrar no mercado de trabalho.

Fizemos uma vaquinha, colhemos esse outro material, vendemos, pegamos o dinheiro e alugamos este espaço. Compramos a balança, pusemos o telefone, começamos a trabalhar(...) Depois, conseguimos comprar uma perua. O pessoal foi desanimando porque as retiradas são mínimas. Nós estamos aqui de teimosos, quinze pessoas (participantes de cooperativa de reciclagem). Nós queremos montar uma cooperativa de prestação de serviços na área de limpeza, escolhemos essa atividade devido ao baixo investimento inicial e a nossa experiência no ramo... (participantes de cooperativa de limpeza).

Pochmann (2004a) afirma que a implantação dos programas

emancipatórios procurou valorizar a história dos participantes, resultando em atividades desenvolvidas nas áreas de culinária (31,3%), comércio em geral (29,7%), cuidados com idosos (14,1%), coleta seletiva e reciclagem de resíduos (10,9%). Enfatiza, porém, que a estratégia de combate ao desemprego no município tem limites dados pelo padrão de acumulação, cuja solução passa necessariamente por mudanças alcançadas somente na esfera federal.

Pochmann (2004a) identifica três impactos no mercado de trabalho a partir da implantação dos programas sociais da SDTS.

O primeiro, denominado efeito inatividade, decorre da absorção de mais renda pelas famílias decorrente de programas distributivos, diminuindo a pressão da mão-de-obra de crianças, jovens, mulheres com dependentes pequenos, idosos.

O segundo, efeito rendimento, provocado pelo primeiro, tem relação com a ocorrência de menor disputa entre trabalhadores por um mesmo posto, evitando, pela diminuição da concorrência, a queda da renda média destes trabalhadores.

O terceiro, também em decorrência do primeiro, chamado efeito ocupação, acontece pelo aumento do consumo adicional nas camadas mais pobres, beneficiadas pela ampliação de sua renda, ampliando o nível de produção e gerando mais empregos.

Os programas sociais implantados na SDTS contribuíram para reduzir a pobreza e a desigualdade social da cidade em pelo menos 10%, totalizando

1.124.198 pessoas, sendo que 14% desses beneficiários o foram através dos programas emancipatórios segundo a classificação do autor (Oportunidade Solidária, São Paulo Confia e Capacitação Ocupacional); desses, na concepção de economia solidária, o programa Oportunidade Solidária contribuiu com 1,8%, ou seja, cerca de 20.000 pessoas.29

A criação da SDTS através da Lei no. 13.164/01, a Lei no. 13.118/01 que instituiu o “Programa Crédito Popular Solidário” e a portaria no. 03/01da SDTS que criou o programa Oportunidade Solidária encerram um conjunto de legislações que possibilita no âmbito do município de São Paulo, desenvolver políticas públicas de Economia Solidária. O conjunto de demandas reprimidas em áreas de atuação que não interessam à iniciativa privada e tem a possibilidade de atuação pública restrita por fatores orçamentários ou legais, fornecem um conjunto de possibilidades de emergência de atuação de empreendimentos solidários, na ótica da economia solidária, fomentados por iniciativas públicas, aliados e desenvolvidos em espaços públicos.

A economia solidária pode diferenciar-se das políticas públicas do pós- Estado do Bem Estar Social, pois foram implementadas utilizando-se a lógica da seletividade, dirigidas a pessoas desempregados de longa duração e jovens sem a primeira experiência de emprego. Foram priorizados contratos de trabalho curtos, mal remunerados, custeados pelo setor público para prestação de serviços no setor privado ou bolsas trabalho para prestação de serviço em um determinado órgão público.

Caracterizadas como políticas públicas de inserção pelo econômico, sem um olhar atento no arranjo local do ponto de vista das necessidades das pessoas e da comunidade, acabou-se por criar uma imagem de trabalhos sem futuro, pois a pretensão inicial de que estes trabalhadores seriam re-inseridos em um trabalho com carteira assinada após este período de trabalho, não se confirmou ao longo do tempo (FRANÇA FILHO e LAVILLE, 2004).

A diferenciação entre a lógica acima apresentada da inserção pelo econômico e a economia solidária se dá basicamente pela ausência de um

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contrato de trabalho temporário custeado pelo poder público que deveria servir de trampolim para o trabalho “normal”.

A economia solidária pode ser introduzida durante este processo de primeiro socorro no qual o trabalhador está inserido, possibilitando processos formativos em economia solidária, financiamento público para formação de empreendimentos e instituição de mecanismos de compras públicas para afirmação de tais empreendimentos.

Os depoimentos acima das pessoas (POCHMANN, 2004a:83) mostram a possibilidade de migração das pessoas envolvidas nos programas redistributivos, como o “Renda Mínima, “Bolsa Trabalho”, “Operação Trabalho” e “Começar de

Novo”30 em um programa emancipatório, como o “Oportunidade Solidária”,

conforme categoriza o autor.

O primeiro depoimento mostra pessoas com histórias de vida parecidas, idade considerada fora do mercado de trabalho, pouca escolaridade. O programa “Começar de Novo”, para desempregados acima de quarenta anos possibilitou o encontro dessas pessoas e o sonho de formarem uma cooperativa. Esse é um caso que mostra as possibilidades de articulação entre os programas redistributivos e os emancipatórios e desenvolvimentistas, exemplificando como processos formativos são importantes para que ocorra uma ancoragem entre estas pessoas que se encontram em uma situação de exclusão parecida.

O segundo depoimento mostra um beneficiário de um programa redistributivo, o “Bolsa Trabalho”, que se encontra desempregado e vislumbra uma possibilidade de entrar no mercado de trabalho através de uma cooperativa junto a outros sete colegas. Não definiram a atividade, mas, através da capacitação, já vislumbram a possibilidade de montar uma cooperativa. Embora o despertar para o trabalho em economia solidária ter-se dado através da possibilidade de inserção pelo econômico, a capacitação pelo “Bolsa Trabalho” abriu novas perspectivas para esse grupo. Importante ressaltar o curso de cidadania que ampliou horizontes para esses sujeitos.

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