• Nenhum resultado encontrado

3.4 A Crise do Modelo de Bem Estar Social e as Políticas Públicas dos Países Europeus Decorrentes.

A consolidação da sinergia Estado-mercado ocorrida ao longo da segunda metade do século XX (1950) trouxe para o trabalhador a solidariedade institucional pelo papel que o Estado assume enquanto Estado-providência. Para França Filho e Laville (2004:67),

... o projeto igualitarista-democrático exprime-se pela progressão conjunta do estatuto salarial e das garantias do Estado, do consumo de massa e da proteção social. Esta arquitetura social- estatal consagra a divisão entre uma economia de mercado, fortemente valorizada no debate social, e uma economia não- monetária desestruturada nos seus fundamentos e assimilada a um resquício do passado. Progressivamente, laços pessoais outros, vis-à-vis daqueles tecidos no quadro da relação assalariada, distendem-se. O laço econômico tende, então, a passar oficialmente por laço social.

A crise do modelo do Estado do Bem Estar Social surge no final da década de 60, quando a liberdade individual conquistada com a extensão da economia de mercado passa a ser questionada pelos novos movimentos sociais influenciados pelas evoluções sócio-demográficas como o movimento feminista, ecologista, de trabalhadores. Segundo França Filho e Laville (2004), esses questionamentos têm relação com a negação da espontaneidade, da impessoalidade e do caráter heterogêneo nas relações humanas; no papel redistributivo do Estado, os cidadãos não aparecem como sujeitos, mas como administrados, sem que nenhum vínculo de solidariedade emergisse dessa redistribuição.

A segunda crise desse modelo aparece como resultado da estruturação dos meios de produção, com a inovação das técnicas de produção que tornam o mercado globalizado e altamente produtivo. Como exemplo, cito um caso de compra de uniformes escolares por processo licitatório em diversos municípios.

Uma concorrência ganha por uma grande empresa para produção de uniformes em determinado município de grande porte, pode ser feito por facções fabris em locais distantes do município demandante.

A empresa ganhadora demanda a produção para facções menores espalhadas em diversas regiões, tanto dentro do país como fora dele. Isto significa

que a produtividade tem mais potencial do que as vendas, provocando uma destruição de parques industriais montados em regiões historicamente vocacionadas para determinada finalidade, pela introdução da eletrônica, da informática e de novos materiais.

A crise financeira dos Estados nacionais acarreta perda de receita com pagamento de juros, associada à necessidades novas como qualificação profissional, políticas públicas de geração de trabalho e renda, além da necessidade crescente de atendimento assistencial às pessoas vitimadas pelo desemprego em massa.

Para Barbosa (2005), nessa crise do Estado do Bem Estar Social, torna-se necessário reconstituir as bases de hegemonia da economia de mercado, havendo um pacto entre o poder político e o capital para a re-significação do trabalho, com a falta de compromisso público com o assalariamento e o incentivo ao auto-emprego.

Segundo França Filho e Laville (2004:80),

.... a maioria das políticas que tentaram contrapor a degradação emanada da crise são políticas de ajustamento. Manter a inflação em baixa e preservar a balança comercial tornam-se as condições comumente admitidas para limitar o desemprego. Os analistas internacionais concordam em reconhecer que, na concorrência mundial, o crescimento dos custos repercutidos nos preços pode penalizar o país que os pratica, provocando inflação e perda de fatias de mercado com efeitos negativos sobre o emprego. Além disso, a retomada global da demanda, se esta é casada com uma forte insuficiência de oferta competitiva, pode agravar o déficit comercial, em função do forte grau de abertura de cada economia nacional. Apesar da variedade de escolhas nacionais, na maioria das políticas econômicas dominam as exigências de controle dos salários e dos custos.

Uma das políticas públicas propostas para o enfrentamento dessa conjuntura, no Brasil, deu ênfase à qualificação profissional, que pouco contribuiu para a solução da crise, pois a questão refere-se mais ao baixo nível de criação de empregos; aliado a isto, aqueles que são foco do programa de qualificação já são marcados pelo fracasso escolar, apresentam dificuldades na relação com a sociedade e encontram-se em situação de baixa estima. A saída proposta pela

visão política liberal para reativação do mercado propõe o fim da intervenção do Estado, deixando ao mercado a definição dos salários.

Segundo França Filho e Laville (2004), a geração de emprego decorrente dessa política aumenta a desigualdade e a fragmentação social, criando uma sub- classe, portanto sujeita à marginalização, que coloca em risco a segurança dos privilegiados. A conclusão mais premente desse dilema está no baixo potencial gerador de emprego do setor industrial, embora apresente altos ganhos em produtividade e ocupe um lugar estratégico na economia, sendo necessário compreender que está no setor de serviços o maior potencial de geração de empregos.

Estes setores são da educação, da saúde, dos serviços sociais, caracterizados por França Filho e Laville (2004) como “terciário relacional”, em que as necessidades não são definidas enquanto produtos, mas por serviços prestados.

Esta visão não necessariamente refere-se aos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento, como é o caso brasileiro. Dados do MTE (2005) apontam para um número mais expressivo de empreendimentos solidários no setor produtivo. As deficiências do país em infra-estrutura, moradia, saneamento básico, aliado à um potencial de desenvolvimento sustentável (BRYAN(org.) e COUTO, 2005), podem conduzir a um crescimento significativo de empreendimentos solidários também nos setores produtivos.

A outra face desse dilema relaciona-se aos serviços prestados pelo Estado, em que a participação e o controle social não acontecem, prevalecendo os serviços públicos altamente burocratizados, lentos e com escassez de recursos para atender à demanda necessária. A sinergia outrora existente perde força também devido ao fator de integração social não mais desempenhado pelo trabalho assalariado; o trabalhador, segundo França Filho e Laville (2004), com a perda do trabalho, não encontra possibilidades de socialização, pois o emprego caracterizava-se como o instrumento garantidor do vínculo e de suas relações com a sociedade.

Essa sinergia apontada pelo autor não aconteceu de forma muito significativa em países do terceiro mundo, marcados pelo desemprego crônico e profundas desigualdades sociais.

Assim, a crise tornou-se mais avassaladora nesses países, implicando em entender que a prioridade do enfoque em retomar a sociedade do emprego em carteira, relativa estabilidade e direitos trabalhistas, defendida tanto pelos liberais como pelos defensores do Estado de Bem Estar Social é uma tarefa que envolve outras variáveis, implicando em pensar novas formas de inserção social, sem que ocorra a precarização dos trabalhos gerados.

Na França, a estratégia adotada para geração de emprego e renda contemplou a redução do custo salarial através do aumento de certas prestações sociais para as famílias e de deduções fiscais para os empregadores, não de uma redução de salário dos empregados.

A estratégia de criação de empregos na área de serviços, com foco no mercado conduziu a um conjunto de demandas artificiais e à degradação do trabalho, pois os serviços relacionais não podem ignorar as relações sociais das pessoas envolvidas num determinado território. As demandas criadas foram focadas no trabalho assalariado, ignorando-se os tempos sociais diferentes que são encontrados nos diversos grupos sociais, conforme argumentam França Filho e Laville (2004).

Existe uma diferença clara entre a proposta implementada durante o período do Estado de Bem Estar Social e esse, pois no primeiro ocorria o objetivo da distribuição de renda, da socialização pelo trabalho assalariado; nesse, o objetivo foi criar emprego, precarizando e degradando as formas de trabalho, provocando no seu desenvolvimento a continuidade da desigualdade social.

A outra forma pensada de criação de empregos na área de serviços, segundo França Filho e Laville (2004) foi a participação de países precursores do Estado de Bem Estar Social buscando novas formas de redistribuição, ao ligar atividade produtiva e inserção social.

Na Alemanha os ABM foram criados em 1969, geridos regionalmente para desempregados de longo tempo e trabalhos de utilidade pública, com salários de

60 à 80% em relação à convenção coletiva, limitado de um a dois anos, beneficiando anualmente mais de 300.000 pessoas.

Na Inglaterra o PG de 1982 foi uma extensão de um programa criado em 1975, garantindo emprego de um ano de duração no máximo, garantindo o mínimo da convenção coletiva e reembolso dos custos sociais da parte patronal obrigatória, beneficiando anualmente mais de 250.000 pessoas.

Na França, os programas desenvolvidos foram os TUC, dirigidos aos jovens, os PLIF, dirigidos às mulheres e os PIL, dirigidos aos que procuram emprego com mais de 25 anos; foram agrupados em 1989 em um dispositivo único chamado de CES. Por intermédio dos CES, os beneficiários, jovens ou adultos, foram assalariados em regime parcial, por um período que pode ir até 24 meses e obtêm um mínimo garantido para um emprego em tempo parcial.

Esses dispositivos desenvolvidos pelos países europeus citados romperam com a lógica do emprego assalariado com tempo indeterminado, direcionando as pessoas em situação de vulnerabilidade social para trabalhos de interesse público em que a iniciativa privada costumeiramente não se interessava.

No desenvolvimento dessas ações, alguns limites foram sendo observados, entre eles a constatação que a demanda por tais iniciativas suplantavam a oferta, criando uma pressão por aumento do número de atendidos; outra limitação presente referia-se à temporariedade da função, criando um descompasso nos serviços prestados às pessoas que requeriam qualificações importantes nessa prestação. França Filho e Laville (2004:101) pontuam que essas limitações trouxeram como

resultado frustrações recíprocas: os representantes dos poderes públicos regionais, locais e no plano nacional, que encorajaram a implementação de ações neste domínio, decepcionaram-se com os resultados obtidos...assim como os promotores e prestadores consideraram-se mal apoiados... os usuários recorreram aos serviços propostos apenas em função de ausência de outras escolhas.