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6.4 A Política Pública de Economia Solidária Desenvolvida no Estado do Rio Grande do Sul.

Em nosso País, a primeira experiência de economia solidária acontece no Rio Grande do Sul, mais precisamente na cidade de Porto Alegre, quando o

governo municipal em 1989 e, durante três gestões seguidas, implementa políticas públicas de economia solidária.

Leboutte (2003:22) discute que o desenvolvimento do programa denominado de “Economia Popular e Solidária” no Governo do Estado do Rio Grande do Sul, gestão do Partido dos Trabalhadores 2001-2004 realizou-se através de seis eixos:

a) formação e educação em autogestão, através de cursos, seminários, palestras, assembléias;

b) capacitação do processo produtivo, permitindo acesso à tecnologia de produção e gerenciamento através de assessoria para elaboração de projetos de viabilidade, de melhoria e de financiamento ;

c) apoio à comercialização, através da participação em feiras e na organização de ações mercantis coletivas ;

d) marco legal, na busca de formatação legal e jurídica para este tipo de empreendimento;

e) incubação, para gerar tecnologia, possibilitar inovação, qualificar produtos;

f) financiamento, buscando, através de assessoria técnica, linhas de crédito aos empreendimentos .

Importante observar que os seis eixos acima apontam para o papel claramente indutivo do Estado, além de contemplar a necessidade de parcerias na implantação da política pública de economia solidária.

Os eixos, formar e educar para a autogestão, capacitar e incubar para o processo produtivo através de assessorias, comercialização, marco legal e financiamento, formam um conjunto pronto e acabado de política pública de geração de trabalho e renda do Estado para um determinado segmento da população, que estava a margem da atenção de políticas públicas.

O decreto número 41.062 de 21 de dezembro de 2001 que “Institui o Programa de Economia Popular Solidária e dá outras providências” traz as seguintes linhas de atuação, além dos eixos acima apontados:

a) criação de um Comitê gestor, composto por representantes da – SEDAI – e de outras secretarias;

b) definição dos agentes do programa, entre eles, a SEDAI, municípios, universidades, ONGs, agências financeiras;

c) definição de competência da SEDAI, como promover e coordenar o programa, assegurar os recursos financeiros, prestar apoio institucional e político, definir crédito, parâmetros de avaliação, metodologia de trabalho e firmar acordos, convênios e outras formas legais junto aos agentes do programa ;

d) definição dos critérios para composição dos empreendimentos aptos a participar do programa.

A primeira característica desse marco legal é a sua edição na forma de decreto, instrumento jurídico com força relativamente menor do que uma Lei estadual, já que decreto é revogável a qualquer momento, caracterizando essa política pública de economia solidária como em construção e de governo.

A sua edição contempla: a formatação da política pública enquanto um espaço público em construção (item b); o fomento pelo Estado através da SEDAI, apontando claramente aí o papel indutivo do Estado na implantação da política (item c) e na definição dos critérios (item d), dentre eles, mínimo de cinco trabalhadores; adotar a autogestão; organização preferencial por cooperativas; desenvolver atividades econômicas organizadas coletivamente (exceto atividade agrícola familiar); adotar o trabalho e a propriedade coletiva dos meios de produção como base do sistema de remuneração; não exceder a 10% o número de trabalhadores contratados em relação aos trabalhadores associados; promover a saúde dos trabalhadores e mecanismos de controle de impactos ambientais em processos produtivos.

Inegavelmente, o item d do decreto, diferencia mais claramente a política pública de economia solidária das políticas públicas desenvolvidas pelo Estado de Bem-Estar Social. Nesse caso não há subordinação explicitada dos empreendimentos solidários em relação ao Estado ou às agências de fomento como havia na relação dos trabalhadores com o Estado e com as empresas capitalistas durante o Estado do Bem-Estar Social, conforme apontou Pochmann (2004b). Pretendeu-se efetivamente, a estruturação de um fazer econômico que tivesse condições políticas e econômicas próprias ao longo de um processo de maturação do desenvolvimento da política.

A implantação do Programa de Economia Popular Solidária segundo Leboutte (2003), considerou o acúmulo histórico do Estado do Rio Grande do Sul

no campo do cooperativismo e da economia solidária em implementação no município de Porto Alegre desde 1989, durante os governos das gestões continuadas.

Aliado a essa experiência, a SEDAI firmou um convênio com a ANTEAG em 15 de dezembro de 1999 para o desenvolvimento do programa, instituição com vasta experiência em recuperar fábricas falidas sob a gestão dos trabalhadores, modalidade cooperativa e negociando a massa falida por meio de arrendamento judicial.

Aalém disso, a SEDAI considerou o fato de que a ANTEG vinha desenvolvendo um trabalho de recuperação de algumas empresas para gestão dos trabalhadores no Estado, como a Coofitec em Santana do Livramento (beneficiamento de lã), a Alumifer em Erechin (fabricante de utensílios de alumínio).

Para Leboutte (2003:31),

“a base conceitual do programa é a autogestão, ...e empreendimento de economia popular e solidária é, necessariamente, um empreendimento autogestionário... O popular, para definir um conteúdo de classe, ... de excluído pela sociedade capitalista. Popular porque é do povo, é das pessoas desprovidas dos meios de produção, é dos trabalhadores e trabalhadoras, que compõem uma base social bem delimitada pelo sistema capitalista. Quaisquer elaborações que não levem em conta a sociedade de classes em que vivemos não podem jamais reinvidicar-se transformadora. O solidário porque são empreendimentos integrados em um sistema coletivo, de valores humanos, verdadeiramente democrático”.

Leboutte (2003) afirma que o papel da política pública em “Economia

Popular Solidária” desenvolvida foi na articulação de recursos para financiamento

e constituição de formas associativas, pois, grande parte do público alvo conta com forte aporte técnico de instituições já consolidadas no Estado, como a Secretaria de Agricultura com o programa de agricultura familiar no apoio aos produtores rurais, e o setor artesanal, formado por produtores individuais e integrados ao Programa Gaúcho de Artesanato, que sempre atuou com competência na área de comercialização e registro.

As ações do programa de “Economia Popular e Solidária” foram, para esses segmentos, complementares, no sentido de qualificá-los para a atuação coletiva,

potencializando recursos humanos e materiais, buscando a mudança de uma cultura individualista para outra, associativa, solidária, autogestionária.

O encontro realizado pelo programa “Economia Popular e Solidária”, em agosto de 2000 em Porto Alegre, com a participação de 350 trabalhadores representando 70 empresas autogestionárias, cerca de 7.500 trabalhadores, 32 cidades do Estado, resultou em uma “carta dos trabalhadores e trabalhadoras em empresas autogestionárias no Rio Grande do Sul”, dirigida ao Governo Estadual, reconhecendo as ações positivas no programa e apontando as necessidades dos empreendimentos. Eis uma síntese da carta (Leboutte (2003:36)):

a) Falta de recursos para investimento em planta industrial, giro e equipamentos.

b) Políticas fiscais pouco articuladas com as políticas estaduais e federais.

c) Carência de processo educacional em autogestão para os empreendimentos.

d) Crítica ao capitalismo e ao receituário neoliberal aplicado no Brasil.

e) Importância do programa “Economia Popular e Solidária” e adesão a ele.

f) Iniciativas de autogestão representam importantes alternativas aos trabalhadores.

g) Buscar soluções urgentes para os problemas de crédito.

Uma análise da síntese da carta mostra que um conjunto de trabalhadores, traçou um caminho de construção de empreendimentos autogestionários e, nesse momento de sua trajetória, reconhecem no Estado um aliado e claramente identificam suas dificuldades como associadas às políticas neoliberais em curso no país. Buscam a partir desse encontro uma inserção no programa de “Economia Popular e Solidária” da SEDAI e junto aos órgãos financiadores ligados ao Estado apoio para financiamento de suas demandas.

Apontam o fomento à economia solidária como alternativa aos trabalhadores e, do ponto de vista de sua organização, reconhecem a necessidade da educação autogestionária para romper com a cultura do

assalariamento, do individualismo, para melhoria da auto-estima e

Os itens a,b,c,g da carta definem o caráter de política pública de economia solidária em construção e apontam para a falta de investimentos, políticas fiscais pouco articuladas, necessidade de processos educacionais em autogestão e problemas com crédito.

Icaza (2002) apresenta um estudo de experiências solidárias desenvolvidas no Estado do Rio Grande do Sul em que a quase totalidade dos casos estudados desses empreendimentos é composta por trabalhadores sem recursos e sem qualificação, com muitos desafios para a viabilidade e êxito destes empreendimentos, apresentando como elemento comum a forma de funcionamento coletivo, buscando resgatar as características que deram origem ao cooperativismo no século XIX.

Não há a garantia, porém, que a solidariedade, a democracia e a autogestão estejam no centro de sua dinâmica de estruturação e funcionamento; na prática, estas características, que evidenciam o caráter de empreendimentos solidários, apresentam grandes diferenças entre as várias experiências. Para o autor, essas diferenças se explicam em relação a elementos tanto de “caráter estrutural – as condições e o contexto em que as experiências surgem, como de natureza política e ideológica – a presença de valores orientadores das práticas dos participantes”. (ICASA, 2002, p.53)

Os elementos de caráter estrutural apresentam uma relação estreita com os

aliados na implantação do programa devido principalmente à visão de quais empreendimentos serão fomentados, as quantidades de recursos, espaços de trabalho, potencialidades de comercialização, entre outros.

Os elementos de natureza política e ideológica relacionam-se à visão de futuro que os aliados têm, como acentuada ênfase no econômico ou no social, independência, institucionalização, estabelecimento de redes, entre outras.

As experiências oriundas do cooperativismo tradicional foram as que apresentaram maiores limitações quanto aos aspectos da democracia e da participação, porém, mais exitosas quanto ao aspecto econômico. As mais avançadas em democracia e participação foram aquelas ligadas aos movimentos

reivindicatórios como da reforma agrária, da moradia, trabalhistas, porém com piores resultados econômicos.

Nesses casos, a politização dos trabalhadores envolvidos provoca uma discussão potencialmente transformadora da realidade, propiciando métodos de gestão mais democráticos e participativos. Um desafio importante a ser superado implica em desenvolver uma perspectiva de gestão democrática e participativa, aliada a uma gestão eficiente.

6.5 - A Política Pública de Economia Solidária Desenvolvida no