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As gravadoras e a dinâmica de ajustamento/desajustamento

C APÍTULO 3 – C ONDIÇÕES DE EMERGÊNCIA E CONSAGRAÇÃO DA BOSSA NOVA 1 Introdução,

2. As gravadoras e a dinâmica de ajustamento/desajustamento

Em termos de produção fonográfica, em 1956-60, a Odeon é ao mesmo tempo o principal locus da música popular brasileira “moderna” e lugar que parece oferecer resis- tência ao acesso dos novatos ao disco. E a fonte da resistência, na Odeon, é por vezes iden- tificada em seu diretor artístico nesse período, Aloysio de Oliveira, cuja idéia de novo pa- drão de gosto legítimo, no que se refere à interpretação vocal, privilegiaria “vozeirões com vibratos” e, quanto aos artistas e compositores jovens, seria prejudicado por “uma muralha de preconceitos contra tudo o que fosse novo”. Esse teria sido o principal obstáculo venci- do por João Gilberto para conseguir gravar Chega de saudade e Bim bom, em julho de 1958, e realizar seu primeiro elepê, no primeiro trimestre de 1959.1

Essa “personalização do mal” parece ter fundamento no fato de que 1959 é o ano em que a Odeon mais lança elepês brasileiros em todo o período: mais de 80, número ini- gualado nos 10 anos seguintes.2 Sendo nesse ano tão prolífica em lançamentos, o fecha-

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É o que reitera Ruy Castro (1990: 156-8, 180-1, 211, 228). 2

Elepês Odeon de 12 polegadas, séries MOCB3000 e MOFB3000, iniciadas em 1957, e London, série 1000, iniciada em 1965. Até meados de 1964 a Odeon não imprimia o ano de lançamento no selo de seus discos nem na capa ou contracapa. Com base em discografias de diversos artistas, lançadas em livros e em sítios

mento do estúdio aos novatos justifica a hipótese de que há política deliberada de exclusão da “turminha”. Contudo, a hipótese também suscita alguns problemas, se considerarmos que para efeitos artísticos e comerciais, João Gilberto, cujo primeiro elepê é lançado nesse ano, é ele próprio uma ruptura, um risco. Nessa perspectiva, a imputação parece não se coadunar muito bem com alguns fatos.

O primeiro desses fatos é o empenho do mesmo Aloysio em administrar pessoal- mente as tensões entre João Gilberto e Jobim, em momentos críticos das sessões de grava- ção, sem o que elas poderiam ter gorado. O segundo é haver dado “carta branca” aos dois, permitindo a continuidade dessas sessões, a despeito de os “caprichos” e “teimosias” de João Gilberto haverem provocado substancial extrapolação dos prazos. Nessa época, a pra- xe era o artista gravar dois fonogramas por sessão. João Gilberto, artista desconhecido e aposta comercial incerta, consumiu muito mais tempo e pode ter chegado a algo como oito ou dez sessões para gravar Chega de saudade e Bim bom. Não há informação positiva so- bre o tempo consumido; a versão mais exagerada fala de “quase um mês”. O terceiro é o empenho de Aloysio em promover o disco, expedindo ordens explícitas para a sucursal da empresa em São Paulo, o que revela disposição incomum, visto tratar-se de providência da alçada do diretor comercial. Por fim, no que toca aos novatos, há sua tentativa, aparente- mente enérgica, de reverter a decisão de Carlos Lyra de assinar contrato com a Philips.3

Os episódios que antecedem a chegada da – e conduzem a – bossa nova de João Gilberto ao disco têm versões conflitantes, que decerto repercutem disputas da paternidade do êxito artístico e tentativas de ocultar ou disfarçar ações e omissões que, em seu tempo, dificultaram a realização do feito e, portanto, seriam indício de menos clarividência nos que as praticaram – “defeito” difícil de ser admitido por quem luta no terreno do simbólico.

Mas, sobretudo, essa imputação deixa de levar em conta o jogo de forças ao qual está submetido o próprio Aloysio, não obstante seu papel relativamente poderoso.

Usualmente, dentro das gravadoras, o diretor artístico tem menos poder que o dire- tor comercial. O diretor artístico faz despesa, o diretor comercial faz receita. É este que “sente o pulso do mercado”, por estar em contato constante com os que detêm informações sobre o comportamento dos compradores de discos e ter conexões consolidadas com o co- mércio varejista, com cujos dirigentes compartilha “a mesma linguagem”, que é aquela em que o valor-mercadoria sobrepuja o valor-simbólico. O diretor artístico lida com artistas. E

virtuais, principalmente <http://www.memoriamusical.com.br/discografia.asp>, com acesso em 9 abr.

2007, encontramos o intervalo provável de 83 a 85 elepês, para 1959, e de 76 a 80, para 1960. Em nenhum outro ano do período 1957-70 o número de elepês lançados alcança 70. Os anos de menor movimento fo- ram 1957 (34 a 35 álbuns), 1966 (43), 1967 (48) e 1962 (49). A análise ora feita pode ser afetada pela in- clusão de discos lançados ou relançados no selo Imperial, da Odeon, cuja lista não foi possível elaborar, eis que não conseguimos localizar informações suficientes para identificá-los e datá-los. Foram provavelmente cerca de 120 elepês em 1961-70; na grande maioria relançamentos de discos já computados sob o selo O- deon.

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Ver, quanto a esses fatos desautorizadores do que chamamos “personalização do mal”, o mesmo Castro (1990: 181, 184, 296). Ver também Cabral (1997a: 140, 167; 2001: 49) e, para a possível participação de Dorival Caymmi na decisão de Aloysio de Oliveira de endossar a contratação de João, compare-se as ver- sões não coadunantes de Castro (1990: 181) e Caymmi (2001: 375). A estimativa mais exagerada é do bate- rista Milton Banana, em Mello (1976: 89).

artistas podem ser temperamentais, inseguros, confusos, “criadores de caso”, “malucos”, descumpridores de prazos. O diretor comercial lida com comerciantes, e quanto mais im- portante for um dono de lojas – importante pelo número de pontos de venda que controla, pelo volume de suas vendas e, portanto, de suas compras – mais confiável e previsível ten- de a ser, em termos de relacionamento comercial. O diretor artístico tende a transitar no limite do risco; o comercial, no limite da segurança – o que não implica dizer que inexiste risco no relacionamento com o comércio ou que a produção de todo disco é muito arrisca- da.

Essa assimetria entre papéis também pode ser vista por outra perspectiva. Na medi- da em que diferentes graus de precedência no acesso ao capital econômico possam corres- ponder a homólogas diferenças nos graus de poder decisório, a área comercial da empresa prepondera sobre a artística porque é a primeira a entrar em contato – sob a forma de fatu- ras, duplicatas e aceites – com os recursos de que a empresa disporá. Esse “dinheiro co- mercial”, que se apresenta em forma de promessa escrita e assinada, converte-se, no mo- mento seguinte, em dinheiro de fato, em “dinheiro financeiro”, que já agora, por isso mes- mo, fica sob a guarda do diretor financeiro. Só no terceiro momento o diretor artístico terá acesso a uma parte desse recurso, ao ver aprovado o orçamento que propõe para a produ- ção dos próximos fonogramas. No ciclo, ele é o primeiro a gastar e o último a receber. Uma vez produzidos, os fonogramas passam à alçada da área técnica-industrial e, prontos os discos, entram no domínio da diretoria comercial. Esta é que avalia oportunidades, tem voz preponderante na definição de tiragens, de estratégias de distribuição. Por isso, o dire- tor comercial tem “entradas” com todas as outras áreas: artística, industrial e financeira. O atual diretor comercial controla o uso de todo o acervo de fonogramas acumulado pela gra- vadora, nas gestões de todos os diretores artísticos que por ela passaram, ao passo que o atual diretor artístico exerce seu poder apenas sobre os artistas que vão gravar os próximos fonogramas.

Mas também podem apresentar-se contextos históricos em que, por mercê de mu- danças que estejam se processando com certa profundidade nos padrões de gosto do públi- co, o diretor artístico bem sucedido em suas escolhas acumule poder dentro da estrutura empresarial. Essas mudanças sociais de amplo alcance “embaralham” o jogo, desorientam os que baseiam sua ação na segurança e previsibilidade. Nessas situações, “o mesmo” – que é o território por excelência dos avessos ao risco – cede poder à “novidade” e à “expe- rimentação”. No meio musical diz-se então desse diretor artístico que ele está “em sintoni- a” com o gosto do público em mutação. E, na medida em que não esteja generalizada a compreensão do sentido dessa mutação e do seu alcance no espectro social, na medida em que ela ainda pareça incompreensível à maioria dos dirigentes e de outros diretores artísti- cos, pode chegar-se a atribuir ao “antenado” uma espécie de capacidade demiúrgica.

O acesso a instrumentos de pesquisa do público que compra discos reduz o espaço deixado à intuição e, portanto, à valorização dessa demiurgia. Contudo, em 1956-60, tais instrumentos inexistem no Brasil e, de resto, ainda são recentes mesmo nos grandes mer-

cados consumidores.4 A par disso, o período de poucos anos em volta de 1958 apresenta numerosas características de fase de mutação. Está em andamento no país vigoroso proces- so de industrialização, a migração do campo para as cidades e das cidades menores para as maiores é intensa, a taxa de crescimento populacional no meio urbano é excepcionalmente alta, assim como, nos anos 40 e 50, a de eletrificação desses domicílios. Apresentam-se problemas de insuficiência na prestação de serviços públicos com agudeza desconhecida. Grandes contingentes populacionais entram em contato mais constante com a possibilidade de consumo musical. Mas, ao mesmo tempo, a inflação (“carestia”) eleva-se a taxas inédi- tas e lança incerteza sobre os orçamentos domésticos.5

Cresce com firmeza a participação da mulher no mundo do trabalho, na grande maioria dos setores de atividades. Um pouco mais a cada momento, ela sai da “casa” e enfrenta “a rua”. O mercado de trabalho para os filhos da classe média das cidades grandes torna-se mais exigente em escolaridade e títulos. Aumentam as vagas no ensino superior e, mais ainda, a demanda por esses cursos. Dissemina-se nos estratos médios e superiores da classe média o uso da mesada, que permite retardar a entrada dos jovens no mercado de trabalho e os converte em atores sociais com vontade própria e tempo livre para consumir bens culturais de entretenimento. De par com esse crescimento do consumo especificamen- te adolescente, processa-se em âmbito internacional a escalada do hábito de consumir. Aumenta significativamente a presença da propaganda comercial na agenda pública e na paisagem cotidiana. Na cultura de massa no Brasil, cresce a presença norte-americana, substituindo progressivamente a presença européia.

No campo político interno, especialmente nas grandes cidades e sua periferia, cres- ce, como nunca antes, a competitividade entre forças e lideranças distribuídas por diferen- tes partidos, com a configuração de real possibilidade de rotação entre os detentores do poder. Predominam alianças políticas de feição populista. Nem sempre os arranjos populis- tas, com suas “políticas de protelação e acomodação dos conflitos”, conseguem conter as contradições: já se assiste à emergência da rebelião popular, como a violenta “revolta das barcas”, em Niterói, em maio de 1959.6

O próprio crescimento populacional dessas cidades maiores, impulsionado por ati- vidades nos setores privado e governamental, com as conseqüentes transformações das estruturas urbanas e das condições de convívio social, impõe mudanças de estruturas de percepção, se podemos dizer assim, e de comportamento. As cidades deixam de ser “paca- tas”. Olhando retroativamente das décadas seguintes para essa época, parecerá que “Ipa-

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Nos Estados Unidos, a partir do final dos anos 20, as grandes corporações radiofônicas adquiriram as gra- vadoras. O estímulo à compra de discos fazia-se pelo rádio; daí decorria, em parte, a demanda por pesqui- sas sobre audiência de rádio e preferências musicais dos ouvintes, em que estiveram engajados Lazarsfeld e, por pouco tempo, Adorno. Na Europa de entre-guerras, as grandes gravadoras deram-se limites territori- ais, reduzindo a competição direta. Sobre este último ponto, v. Chanan (1995: 87). Há indicações de que no Brasil a pesquisa direta junto a compradores de discos teve início em 1965, cf. Vicente (2006: 4).

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De 1939 a 1949, a média geométrica anual da elevação do custo de vida no Rio é de 10,9%; em S. Paulo, 15,3%. Em 1949-59, segundo o IGP/FGV, sobe para 18,8%. E no quinqüênio 1956-60, alcança 24,7% ao ano, cf. IBGE (1990: 152, 177, 227-30). Caso de falência de serviço público foi o racionamento de água no

Rio, muito agudo em 1958. Em julho, era assunto diário da primeira página do Jornal do Brasil, que notici-

ava as suspensões de fornecimento por bairro. V. tb. Santos (2003: 40-1). 6

nema era só felicidade”. Mas, olhando de 1958 para trás, o presente de então parece amea- çador. No Rio de Janeiro, em outubro desse ano são feitos 875 registros de furto e 119 de roubo contra apenas quatro assaltos registrados em dezembro de 1950. O assassinato da jovem Aída Curi, em julho de 1958, ligado ao fenômeno, então recente, identificado como “juventude transviada” – grupos de delinqüentes juvenis das classes média e alta, localiza- dos sobretudo em Copacabana – acrescenta tom trágico às percepções que os cariocas têm das tendências de transformação da sociedade em que vivem.7

Esse conjunto de transformações em processo estabelece ambiente social que Dur- kheim possivelmente identificaria com seu conceito de “anomia”, aí vendo tanto manifes- tações de “crise dolorosa” quanto de “transformações favoráveis, mas demasiado repenti- nas”; e que Raymond Williams não hesitaria em caracterizar como de transição entre “es- truturas de sentimento”, em que elementos de novo “estilo” de vida, por enquanto mais sentidos do que já racionalizados, encontram-se “em suspensão”. Ou, ainda, na formulação de Bakhtin-Volochínov, vive-se aí possivelmente o limiar de novo “horizonte apreciativo”.

Parâmetros de avaliação – e portanto de significação – de objetos, situações e pers- pectivas estão sob xeque. Começa a abrir-se um hiato entre gerações, que, no caso das par- celas da classe média brasileira com acesso aos cursos de nível superior, dá ensejo a que filhos “saibam mais” que os pais ou, pelo menos, que pareça um pouco a todos, pais e fi- lhos, que tal idéia seja plausível, pois vai se tornando relativamente comum, nesse estrato social, que filhos estejam passando por experiências de tipo desconhecido por seus pais e que obtenham ou estejam em vias de obter títulos de escolaridade mais graduados que os alcançados pela geração anterior.8

E, no campo musical, a progressiva substituição da produção dos discos de 78rpm pelos discos de microssulco impõe um novo padrão de qualidade na audição, o que abran- ge tanto o reconhecimento do material gravado quanto a expectativa da qualidade das no- vas gravações – ou seja, um novo padrão de “significação musical”. O resultado é o pro- gressivo “envelhecimento” dos acervos domésticos acumulados pelos mais velhos, ditado simultaneamente pela mudança nos estilos e repertórios e pela maneira de se ouvir música no rádio e, em especial, no disco.9

Esse processo de mudança ameaça confinar em posições desprestigiadas os artistas cujo público não consegue acompanhar a renovação tecnológica. No Rio de Janeiro, o ano da re-estréia de João Gilberto em disco (1958) é também o da entrada em funcionamento da primeira emissora de rádio dedicada exclusivamente à transmissão de música e, mais, música gravada, no que caracteriza um primeiro passo rumo à posterior adoção das trans- missões em freqüência modulada (FM). E esse é ainda o ano em que os dirigentes da Rádio

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Dados recolhidos em jornais por Santos (2003: 143). Em 1958, a percepção de que a violência contra o patrimônio e a pessoa chegava a níveis inaceitáveis levou a Associação Comercial do Rio de Janeiro a pres- sionar a Secretaria de Segurança do então Distrito Federal, que em resposta criou o Serviço de Diligências Especiais, origem do futuro Esquadrão da Morte.

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Durkheim (1897: 320), Williams (1977: 131-3), Bakhtin-Volochínov (1929: 140-1). 9

V. Alejo Carpentier (1954: 195-6) para comentário contemporâneo das mudanças no ouvir proporcionadas pelo advento do microssulco e da alta-fidelidade.

Nacional, líder de audiência e sede do modelo até então triunfante dos programas musicais de auditório, resolvem restringir e disciplinar a participação dos freqüentadores desses au- ditórios, numa indicação de que está entrando em crise a lógica em que se baseia o êxito desse tipo de programa: o entusiasmo do auditório motiva e retém o ouvinte, alvo dos a- núncios do patrocinador.10

É nesse contexto histórico que deve ser analisada a atuação de Aloysio de Oliveira. Ele parece ser capaz de acompanhar tendências. Em sua gestão de diretor artístico, a Ode- on desdobra a paleta de opções para atender clientelas diferenciadas. Nesse período – ju- nho de 1956 a abril de 1960 – são incorporados ao seu elenco os muito populares Anísio Silva e Orlando Dias, o cantor de boleros Gregorio Barrios – que se transfere da Odeon argentina para a brasileira –, as estrelas do rádio Isaurinha Garcia e Marlene, o jovem e moderno organista Walter Wanderley, o sambista-de-breque Moreira da Silva – que na Odeon desenvolve a persona do malandro esperto e de matiz cinematográfico –, a inovado- ra intérprete de sambas Elza Soares, e os irmãos Tony e Celly Campello, esta, a primeira artista brasileira a liderar as paradas de sucesso cantando roque.11 Eles se reúnem a Dalva de Oliveira, Demônios da Garoa, Dorival Caymmi, Joel de Almeida, Orlando Silva e Trio Irakitan, entre outros que já estavam ali antes de Aloysio assumir o cargo; e aos “moder- nos” Dick Farney, Lúcio Alves, Luiz Bonfá, trazidos por ele, Sylvia Telles – cuja carreira, ainda nascente, é por ele muito impulsionada – e o revolucionário João Gilberto.

Ao examinar-se a lista dos principais artistas da gravadora no quatriênio que durou a direção artística de Aloysio de Oliveira, observa-se que o auge das contratações foi atin- gido no subperíodo que compreende o biênio 1958-9. Mas, em meados de 1958, a Odeon já perde Alaíde Costa. Na mesma época, perde Joel de Almeida, responsável por dois dos maiores êxitos carnavalescos da gravadora nos últimos anos. Em 1960, perde Orlando Sil- va, Lúcio Alves e Sylvia Telles. Os relatos disponíveis dizem que, por não aceitar a demis- são dos dois últimos, o próprio Aloysio se retira ao final de abril. Segundo reportagem as- sinada por Antonio Carlos Jobim, publicada em fevereiro desse ano, “antes de Aloysio de Oliveira, a Odeon vendia 70% de matrizes estrangeiras e 30% de nacionais. Com Aloysio, a Odeon passou a vender 80% de matrizes nacionais e 20% de estrangeiras”.12

A publicação desse elogio nacionalista de Jobim é lance de uma luta perdida. Visita o Brasil, em inspeção dos negócios de sua filial, o presidente da matriz inglesa EMI. Dele parte, segundo Aloysio, a ordem de reduzir o elenco dos artistas de muito futuro e poucas vendas no presente, para concentrar a atuação da empresa nos segmentos mais populares, isto é, os que propiciam as maiores vendagens em menos tempo.13

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Goldfeder (1980: 174-5), para as medidas de controle e disciplinamento do auditório. Lago (1977: 118), para restrições de publicitários ao comportamento do público do auditório, que seria prejudicial à conquis- ta de patrocinadores. Santos (2003: 152), para o surgimento do novo padrão radiofônico, referenciado à Rádio Tamoio, do Rio de Janeiro.

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Fróes (2000: 20-3). 12

Para a citação da matéria publicada em A Cigarra, cf. transcrição de Cabral (1997a: 162).

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Cf. Oliveira (1975: 18), que, no entanto, é inexato em informações como a de que Alaíde Costa e Sérgio Ricardo teriam sido demitidos nesse mesmo episódio. Alaíde Costa saíra quase dois anos antes, em plena gestão de Aloysio. E Sérgio Ricardo ficou na Odeon pelo menos até 1961, quando foi lançado seu segundo

Os patrões ingleses querem que a filial ganhe dinheiro vendendo muitos discos. A- loysio parece querer mais que isso: percebe-se em sua atuação um projeto de hegemonia. Durante sua gestão, amplia-se o catálogo, estende-se e diferencia-se o arco de opções mu- sicais oferecidas a público que também cresce e se diferencia; além disso, ele tenta reitera- damente o crossover entre repertórios de integrantes de seu elenco ou de sucessos de outras gravadoras. O crossover se caracteriza pelo êxito na recepção de composição musical por segmento de público diferente daquele a que está em princípio destinada. Nesse período, Gregorio Barrios grava não apenas versões em castelhano de peças do repertório de Anísio Silva, o que pareceria providência normal, mas também grava versões de peças do repertó- rio “moderno”, de autores como Antonio Carlos Jobim, Tito Madi e Maysa. Composições de Jobim são gravadas – e até lançadas – por Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Marlene, Mário Reis, Bené Nunes. Em 1959, pode-se ouvir Brigas, nunca mais, na interpretação de