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AS ILHAS DE FERRO

No documento O Mundo de Gelo e Fogo (páginas 195-199)

OS PRIMEIROS HOMENS foram realmente os primeiros?

A maior parte dos eruditos acredita que sim. Imagina-se que, antes da chegada deles, Westeros pertencia aos gi- gantes, aos filhos da floresta e os animais do campo. Mas, nas Ilhas de Ferro, os sacerdotes do Deus Afogado con- tam uma história diferente.

Segundo a fé deles, os nascidos no ferro são uma raça à parte do comum da humanidade. ―Nós não viemos para essas ilhas sagradas de terras sem deus do outro lado dos mares‖, o sacerdote Sauron Língua de Sal disse certa vez. ―Viemos de baixo daqueles mares, dos salões molhados do Deus Afogado que nos fez à sua semelhança e nos deu domínio sobre todas as águas da terra‖.

Mesmo entre os nascidos no ferro há aqueles que duvidam disso e reconhecem a versão mais amplamente aceita de uma descendência antiga dos Primeiros Homens – ainda que os Primeiros Homens, ao contrário dos ândalos que vieram depois, nunca tenham sido um povo marítimo. Certamente, não podemos aceitar com seriedade as afirma- ções dos sacerdotes nascidos no ferro, que querem nos fazer crer que os homens de ferro são parentes mais próxi- mos dos peixes e bacalhaus do que de outras raças da humanidade.

Como quer que os nascidos no ferro tenham surgido, não pode ser negado que eles se mantêm afastados, com costumes, crenças e jeitos de governar bem diferentes daqueles comuns em outros lugares dos Sete Reinos.

Todas essas diferenças, o Arquimeistre Haereg afirma em sua História dos Nascidos no Ferro, estão enraizadas na religião. Essas ilhas frias, úmidas e varridas pelo vento nunca foram bem arborizadas, e sua fina camada de solo não suporta o crescimento de represeiros. Nenhum gigante fez seu lar ali, nem os filhos da floresta caminharam nos bosques de lá. Os antigos deuses venerados por essas raças mais ancestrais estavam ausentes da mesma forma. E embora os ândalos tenham, em algum momento, alcançado as ilhas, sua Fé nunca criou raízes ali tampouco, pois outro deus chegara antes dos Sete: o Deus Afogado, criador dos mares e pai dos nascidos no ferro.

O Deus Afogado não tem templos, livros sagrados ou ídolos esculpidos à sua semelhança, mas tem sacerdotes em grande quantidade. Desde muito antes que a história fosse registrada, esses sagrados homens itinerantes infesta- ram as Ilhas de Ferro, pregando sua palavra e condenando todos os outros deuses e aqueles que os seguiam. Mal- vestidos, despenteados, em geral descalços, os sacerdotes do Deus Afogado não têm morada permanente, mas va- gam pelas ilhas de acordo com sua vontade, raramente se afastando do mar. A maioria é iletrada; sua tradição é oral, e sacerdotes mais jovens aprendem as orações e rituais dos mais velhos. Por onde quer que passem, senhores e camponeses são obrigados a lhes dar comida e abrigo em nome do Deus Afogado. Alguns sacerdotes só comem peixe. A maior parte deles não se banha, exceto no mar. Homens de outras terras com frequência os consideram loucos, e assim eles podem parecer, mas não pode ser negado que possuem grande poder.

Embora a maioria dos nascidos no ferro só tenha desprezo pelos Sete do sul e pelos antigos deuses do Norte, eles reconhecem uma segunda divindade. Em sua teologia, o Deus Afogado se opõe ao Deus da Tempestade, uma divindade maligna que mora no céu e odeia os homens e todas as suas obras. Ele envia ventos cruéis, chuvas que chicoteiam e o trovão e o relâmpago que evidenciam sua ira infinita.

Alguns dizem que as Ilhas de Ferro receberam esse nome pelo minério lá encontrado em abundância, mas os próprios nascidos no ferro insistem que o nome deriva de sua natureza, pois são um povo endurecido, tão inflexí- veis quanto seu deus. Os cartógrafos nos dizem que há trinta e uma Ilhas de Ferro no principal agrupamento da Baía dos Homens de Ferro, a oeste do Cabo das Águias, e mais treze reunidas ao redor da Luz Solitária, já quase na vastidão do Mar do Poente. As principais ilhas do arquipélago são sete: Velha Wyk, Grande Wyk, Pyke, Harlaw, Salésia, Pretamare e Montrasgo.

Certa vez o Arquimeistre Haereg sugeriu a interessante ideia de que ancestrais dos nascidos no ferro vieram de alguma terra desconhecida a oeste do Mar do Poente, citando a lenda da Cadeira de Pedra do Mar. Dizem que o trono dos Greyjoy, esculpido na forma de uma lula gigante em uma pedra negra oleosa, foi encontrado pelos Primeiros Homens quando chegaram a Velha Wyk. Haereg argumenta que a cadeira era um produto dos pri- meiros habitantes das ilhas, e só histórias posteriores dos meistres e septões começaram a afirmar que os ho- mens de ferro eram, de fato, descendentes dos Primeiros Homens. Mas isso é pura especulação e, no fim, o próprio Haereg desistiu da ideia, assim como devemos fazer.

Harlaw é a mais populosa das ilhas, Grande Wyk é a maior e mais rica em minério, e Velha Wyk é a mais sa- grada, o lugar onde os reis do sal e da rocha se reuniam no Palácio do Rei Cinzento antigamente para escolher quem devia reinar sobre eles. Acidentada e montanhosa, Montrasgo era lar dos Reis de Ferro da Casa Greyiron em séculos passados. Pyke ostenta Fidalporto, a maior vila das ilhas, e é sede da Casa Greyjoy, que governa as ilhas desde a Conquista de Aegon. Pretamare e Salésia são menos dignas de nota. As torres de vigia de senhores menores ficam em ilhotas, ao lado de minúsculas vilas de pescadores. Outras são usadas para pastoreio de ovelhas, enquanto muitas mais permanecem desabitadas.

Um grupo secundário de ilhas fica a oito dias de viagem a noroeste, no Mar do Poente. Lá, focas e leões do mar fazem seus viveiros em rochas varridas pelo vento pequenas demais para permitir até mesmo uma única família. Na rocha maior está a fortaleza da Casa Farwynd, chamada Luz Solitária por causa do farol que arde no alto do telhado dia e noite. Coisas estranhas são ditas dos Farwynd e dos camponeses que eles governam. Alguns dizem que se deitam com focas para gerar crianças meio-humanas, enquanto outros sussurram que são troca-peles que podem assumir as formas de leões do mar, morsas e até mesmo baleias manchadas, os lobos dos mares ocidentais.

Mas histórias estranhas como essas são comuns nos confins do mundo, e a Luz Solitária está no extremo oeste de todas as terras conhecidas por nós. Mais de um marinheiro ousado navegou além da luz de seu farol ao longo dos séculos, buscando o fabuloso paraíso que dizem ficar além do horizonte, mas os que retornaram (muitos não conseguiram) falam apenas de oceanos cinzentos que se estendem infinitamente.

As riquezas que as Ilhas de Ferro possuem estão sob as montanhas de Grande Wyk, Harlaw e Montrasgo, onde chumbo, estanho e ferro podem ser encontrados em abundância. Esses minerais são o principal produto de exporta- ção das ilhas. Há muitos metalúrgicos bons entre os nascidos no ferro, como seria de se esperar; as forjas de Fidal- porto produzem espadas, machados, cota de malha e armaduras melhores do que quaisquer outras.

A cobertura de solo das Ilhas de Ferro é fina e pedregosa, mais adequada para o pastoreio de cabras do que para o plantio. Os nascidos do ferro certamente passariam fome a cada inverno se não fosse a generosidade infinita do mar e os pescadores que o ceifam.

As águas da Baía dos Homens de Ferro são lar de grandes cardumes de bacalhau, bacalhau negro, tamboris, ar- raias, peixes-agulha, sardinhas e cavalinhas. Caranguejos e lagosta são encontrados ao longo do litoral de todas as ilhas, e a oeste de Grande Wyk, peixes-espada, foca e baleias percorrem o Mar do Poente. O Arquimeistre Hake, nascido e criado em Harlaw, estima que sete em cada dez famílias nas Ilhas de Ferro são de pescadores. Mas por mais mesquinhos e pobres que esses homens possam ser em terra, no mar são seus próprios mestres. ―O homem que possui um barco nunca será um escravo‖, Hake escreve, ―pois cada capitão é rei sobre o deque de seu barco‖. É a pesca que alimenta as ilhas.

Ainda mais do que seus pescadores, os nascidos do ferro estimam seus saqueadores. ―Lobos do mar‖, os ho- mens das terras ocidentais e das terras fluviais os chamavam em tempos de outrora, e corretamente. Como lobos, eles com frequência caçavam em grupo, cruzando mares tempestuosos em seus rápidos dracares e atacando vilas e cidades pacíficas nos litorais do Mar do Poente para invadir, roubar e estuprar. Marinheiros destemidos e guerreiros temíveis, eles saíam da bruma da manhã para fazer seu trabalho sangrento e voltar ao mar antes que o sol atingisse o zênite, seus dracares carregados com a pilhagem e lotados com crianças chorando e mulheres apavoradas.

O Arquimeistre Haereg argumenta que, no início, foi a necessidade de madeira que fez os nascidos do ferro se- guirem esse caminho sangrento. Na aurora dos dias, havia extensas florestas em Grande Wyk, Harlaw e Montrasgo, mas os construtores navais da ilha tinham uma necessidade tão voraz por madeira que, uma a uma, as árvores desa- pareceram. Então os nascidos no ferro não tiveram outra escolha a não ser voltar para as vastas florestas das ―terras verdes‖, o continente de Westeros.

Tudo o que faltava nas ilhas, os saqueadores encontravam nas terras verdes. Pouco e ainda menos era consegui- do com comércio; muito e ainda mais era comprado com sangue, com a ponta de uma espada ou com o fio de um machado. E quando os saqueadores voltavam para as ilhas com tais pilhagens, diziam que tinham ―pago o preço de ferro‖ por aquilo; aqueles que ficaram para trás tinham ―pago o preço de ouro‖ para adquirir aqueles tesouros, ou para ficarem sem eles. Dessa forma, Haereg nos diz, os saqueadores e seus feitos eram exaltados tanto por cantores quanto pelos plebeus e sacerdotes.

Através dos milênios, muitas lendas chegaram até nós sobre reis do sal e saqueadores que fizeram do Mar do Poente sua propriedade, homens mais selvagens, cruéis e destemidos do que qualquer outro que já vivera. Assim que ouvimos falar de gente como Torgon, o Terrível, Jorl, a Baleia, Dagon Drumm, o necromante, Hrothgar de Pyke e seu berrante que convocava a lula-gigante, e o Esfarrapado Ralf de Velha Wyk.

O mais infame de todos foi Balon Pelenegra, que lutava com um machado na mão esquerda e um martelo na di- reita. Dizia-se que nenhuma arma feita pelo homem podia feri-lo; as espadas resvalavam e não deixavam marca, e machados se espatifavam contra sua pele.

Tais homens alguma vez caminharam de verdade pela terra? É difícil dizer, já que a maior parte deles suposta- mente viveu e morreu milhares de anos antes que os homens de ferro aprendessem a escrever; o conhecimento da escrita permanece raro nas Ilhas de Ferro até os dias de hoje, e aqueles que têm essa habilidade em geral são ridicu- larizados como fracos ou temidos como feiticeiros. Então, grande parte do que sabemos sobre esses semideuses da aurora chegou até nós por meio de povos que os homens de ferro saquearam e espoliaram, escrito no Idioma Antigo e nas runas dos Primeiros Homens.

As terras que os saqueadores pilhavam eram densamente arborizadas, mas pouco povoadas naquela época. As- sim como agora, os nascidos no ferro relutavam em se afastar demais das águas salgadas que os sustentavam, mas controlavam o Mar do Poente da Ilha dos Ursos e da Costa Gelada até a Árvore. Os frágeis barcos de pesca e navi- os mercantes dos Primeiros Homens, que raramente se aventuravam fora da vista da terra firme, não eram páreo para os velozes dracares dos homens de ferro com suas grandes velas e fileiras de remo. E quando a batalha chega- va ao litoral, reis poderosos e guerreiros famosos caíam diante dos saqueadores como trigo diante da foice, em tal quantidade que os homens das terras verdes diziam uns aos outros que os nascidos no ferro eram demônios saídos

de algum inferno molhado, protegido por feitiçarias e donos de armas negras e imundas que sugavam as almas daqueles com quem lutavam.

Sempre que o outono desvanecia e o inverno ameaçava, os dracares invadiam em busca de comida. E então as Ilhas de Ferro comiam, mesmo nas profundezas do inverno, enquanto, frequentemente, os homens que plantaram, cuidaram e colheram os alimentos morriam de fome. ―Nós não semeamos‖, tornou-se o motivo de orgulho dos Greyjoy, cujos governantes começaram a se autointitular ―Senhores Ceifeiros de Pyke‖.

Os saqueadores levavam mais do que ouro e grãos para as Ilhas de Ferro; também levavam prisioneiros que pas- savam a servir a seus captores como cativos. Entre os nascidos no ferro, apenas a pilhagem e a pesca eram conside- radas trabalhos dignos para homens livres. O trabalho sem fim nas fazendas e campos era apropriado apenas para cativos. O mesmo valia para a mineração. Mesmo assim, os cativos enviados para o trabalho no campo considera- vam-se afortunados, Haereg escreve, pois muitos e ainda mais viviam até envelhecer e tinham até mesmo permis- são para casar e ter filhos. O mesmo não podia ser dito daqueles condenados ao trabalho nas minas – aqueles fossos escuros e perigosos sob as montanhas onde os mestres eram brutais, o ar era úmido e sujo e a vida era curta.

Grande parte dos cativos do sexo masculino levados para as Ilhas de Ferro passava o resto das vidas no trabalho duro no campo ou nas minas. Alguns poucos, filhos de senhores, cavaleiros e comerciantes ricos, eram resgatados por ouro. Cativos que podiam ler, escrever e fazer contas serviam aos seus mestres como intendentes, tutores e escribas. Pedreiros, sapateiros, tanoeiros, merceeiros, carpinteiros e outros artesãos habilidosos eram ainda mais valiosos.

Mas eram as mulheres jovens que os saqueadores mais valorizavam. Mulheres mais velhas algumas vezes eram levadas por capitães que precisavam de ajudantes de cozinha, cozinheiras, costureiras, tecelãs, parteiras e similares,

O cativeiro era uma prática comum entre os Primeiros Homens durante seu longo domínio em Westeros – mais um fato que apoia que os nascidos do ferro descendem dos Primeiros Homens.

Além disso, o cativeiro não deve ser confundido com a escravidão que existe em algumas das Cidades Li- vres e em terras mais a leste. Ao contrário dos escravos, cativos mantêm certos direitos importantes. Um cati- vo pertence ao seu captor e deve-lhe seu trabalho e obediência, mas ainda é um homem, não uma propriedade. Não pode ser comprado ou vendido. Pode ter suas próprias propriedades, casar quando quiser, ter filhos. Os filhos dos escravos nascem escravos, mas os filhos de cativos nascem livres; qualquer bebê nascido em uma das ilhas é considerado um nascido no ferro, mesmo se ambos os pais forem cativos. Essas crianças tampouco podem ser tiradas dos pais antes dos sete anos de idade, quando a maior parte delas se torna aprendiz ou se junta à tripulação de um navio.

mas belas donzelas e garotas perto de florescer eram levadas a cada invasão. A maior parte delas terminava seus dias nas ilhas como criadas, prostitutas, empregadas domésticas ou esposas de outros cativos, mas as mais bonitas, mais fortes e mais núbeis eram mantidas como esposas de sal por seus captores.

Em seus costumes matrimoniais, assim como com seus deuses, os nascidos no ferro diferem do continente de Westeros. Onde quer que a Fé prevaleça nos Sete Reinos, um homem se une por toda a vida a uma única esposa, e uma mulher a um único marido. Nas Ilhas de Ferro, no entanto, um homem pode ter apenas uma ―esposa da rocha‖ (a menos que ela morra, ao que ele poderia tomar outra), mas qualquer quantidade de ―esposas de sal‖. Uma esposa da rocha devia ser uma mulher livre das Ilhas de Ferro. Seu lugar é ao lado do homem a bordo e na cama, e seus filhos vêm antes de quaisquer outros. Esposas de sal quase sempre são mulheres e garotas capturadas durante inva- sões. O número de esposas de sal que um homem podia manter estava relacionado ao seu poder, riqueza e virilida- de.

Mesmo assim, não se deve pensar que as esposas de sal dos homens de ferro fossem apenas concubinas, prosti- tutas ou escravas de cama. Casamentos de sal, como casamentos da rocha, em geral eram realizados pelos sacerdo- tes do Deus Afogado (embora em cerimônias consideravelmente menos solenes do que aquelas que unem um ho- mem à sua esposa da rocha), e os filhos de tais uniões são considerados legítimos. ―Filhos do sal‖ podiam até mes- mo ser herdeiros quando um homem não tinha filhos legítimos com sua esposa da rocha.

O casamento de sal vem declinando consideravelmente nas Ilhas de Ferro desde a Conquista, pois Aegon, o Dragão, tornou o roubo de mulheres um crime em todos os Sete Reinos (pela insistência da Rainha Rhaenys, di- zem). O Conquistador também proibiu os saqueadores de atacar seus domínios. Mas essas proibições foram execu- tadas apenas esporadicamente nos reinados de seus sucessores, e muitos nascidos no ferro ainda anseiam a volta do que chamam de Costume Antigo.

No documento O Mundo de Gelo e Fogo (páginas 195-199)