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CAPÍTULO III. REPRESENTAÇÕES DO PATRIMÓNIO INDUSTRIAL DO PORTO: COLEÇÃO E MUSEU

8. A constituição da coleção do Museu da Indústria do Porto e a sua representatividade no processo de industrialização da região do Porto

8.2. As incorporações de objetos e os seus contextos

A coleção do Museu da Indústria do Porto é constituída por cerca de 2000 objetos e reúne diferentes acervos oriundos de empresas do sector têxtil, metalúrgico, moagens, curtumes, fósforos, moagem, eletricidade, química, vidreira, gráfica. A sua formação constituíu uma

ação de salvaguarda do património técnico-industrial, constituíu uma ação de preservação das memórias e do “saber-fazer” das empresas ou familiares de empresários que doaram ou ofereceram peças para o museu, e estes fizeram-no para que fosse perpetuada a história da sua empresa e família.

Tal como é definido, o património industrial trata dos vestígios técnico-industriais, dos equipamentos técnicos, dos edifícios, dos produtos, dos documentos de arquivo e da própria organização industrial187 e, nesse sentido, procuramos que as políticas de incorporação do Museu fossem ao encontro deste enunciado. A recolha incidia tanto na maquinaria, ferramentas e produtos, como ainda, nos documentos associados à história da empresa ou ao funcionamento dos seus mecanismos (manuais, catálogos, etc.).

A coleção foi realizada entre os anos de 1992 a 2010 e foi constituída por recolhas e doações efetuadas junto de empresários, grupos de funcionários, familiares, mas sempre condicionada pela capacidade financeira do Museu em realizar aquisições de peças ou materiais e pela capacidade logística para armazenar e conservar os diversos tipos de materiais gráficos, iconográficos, fotográficos, audiovisuais e maquinaria técnico-industrial.

A recolha de materiais iniciou-se, justamente, num período em que se faziam sentir os efeitos da desindustrialização e deslocalização da indústria (década de 1990). Estas circunstâncias foram decisivas para a definição da política de incorporação, cujo propósito era à partida refletir os valores de representatividade e autenticidade dos vestígios e testemunhos do processo de industrialização da região do Porto ao longo dos séculos XIX e XX.

Os primeiros objetos levantados para a constituição da coleção eram provenientes da Companhia de Lanifícios Lordelo, fundada em 1852 e que se encontrava a encerrar a sua laboração, em 1992. Na primeira visita às instalações encontrámos nos pavilhões vários operários e na secção de acabamentos um grupo de costureiras que estavam a terminar a última encomenda de cobertores. Na segunda visita, os nossos passos cruzavam-se com os de sucateiros e negociantes de máquinas usadas. As nossas pretensões competiam de perto com os valores para aquisição das máquinas propostos pelos outros visitantes, o cenário estava alterado. No final do processo, só foi possível trazer três máquinas: uma máquina lavadora de tecidos e dois teares de origem Suíça, peças que acabaram por ser adquiridas pela Câmara Municipal do Porto.

Seguiram-se outros levantamentos, foram recebidas várias propostas de doações e ofertas. Nesta linha foram incorporados objetos e maquinaria, produtos materiais gráficos e documentais, não só, de unidades industriais de grande dimensão que marcaram o panorama

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industrial da região, refira-se o caso da EFANOR, FACAR ou da Companhia Nacional do Cobre, como também de oficinas ou pequenas unidades industriais, como foi o da Sociedade Camilo e Barros Lda., Fábrica de Coroas de Flores, que funcionava num segundo andar de um edifício na rua Duque de Loulé, herdeira de uma empresa que remontava ao século XIX com instalações na rua das Carmelitas (no centro do Porto). Salientamos, ainda a fábrica de torneiras Carlos Vieira Filhos, Lda., fundada nos anos de 1940, na rua Carlos Malheiro Dias, nº 314, no interior de um edifício urbano e que chegou a ter cerca de 20 funcionários, maioritariamente, serralheiros mecânicos.

Fig. 20 - Ferros “coupantes” da empresa Camilo e Barros Lda. - Fábrica de Coroas de Flores.

Fonte: Paula Abreu.

Para a constituição das coleções, procurou-se incorporar os materiais representativos dos principais sectores da indústria da região do Porto, nomeadamente, o têxtil, a fundição e metalomecânica, a moagem, os curtumes, os fósforos, a imprensa e indústria gráfica.

No período em que se iniciaram estas ações as fábricas têxteis portuenses, oitocentistas, que tinham marcado o panorama industrial da cidade, como a Companhia de Salgueiros, a fábrica de Asneiros, a fábrica Graham, entre outras já tinham encerrado e deslocalizado a sua produção, restando a Empresa Fabril do Norte – EFANOR, localizada já fora dos limites do Porto (na Senhora-da-Hora – Matosinhos) e que encerraria na década de 1990. Poucas eram as unidades históricas que, ainda, estavam em funcionamento. Do sector do vidro, a fábrica Barbosa & Almeida com instalações no Freixo tinha-se mudado, em 1969, para Vila Nova de Gaia. Os curtumes viviam momentos difíceis, a fábrica de Curtumes de Gama e a Fábrica de António Bessa Leite, estavam a encerrar as suas unidades, restando a

Nova Empresa de Curtumes do Amial e a Fábrica Monteiro e Ribas, respetivamente na rua do Amial e na Estrada Exterior da Circunvalação.

No sector da metalomecânica, fábricas e oficinas estavam a encerrar ou já tinham encerrado, como era o caso da MECAMPE – Metalúrgica das Campinas, fundada em 1922 e conhecida pelo seu fabrico de balancés, a Oliveira &Ferreirinha, deslocalizou a produção para a Maia, a FACAR – Fábrica Nacional de Tubos Metálicos, António Carvalho & Filhos Lda. unidade metalomecânica de grandes dimensões localizada em Leça da Palmeira, encerra colocando centenas de operários no desemprego. A Companhia de Fundição de Ouro tinha fechado, assim como a Fundição de Massarelos, restando a Companhia Industrial de Fundição – CIF, fundada em finais do século XIX, com a sua fábrica em Esposade - Gondomar e, ainda, a Companhia Aurifícia, fundada em 1869.

Fig. 21 - Moinho de cilindros da Cª de Moagens Harmonia.

Fotografia: Foto da autora.

Na primeira fase deste processo e, em especial, de 1992 a 1998, as recolhas procuravam ter um âmbito nacional, abrangendo a história da industrialização portuguesa, e neste sentido, a AIP – Associação Industrial Portuense, realizou contactos junto dos seus associados para sondar a existência de máquinas ou documentação para o museu. Obtiveram- se respostas de todo o país e procederam-se a vários contactos. Se entre 1992 e 1998 os levantamentos se estendiam pela região Norte e Centro do País, rapidamente verificou-se que a amplitude destas ações estaria comprometida pela necessidade de alocar ao projeto espaços de armazenamento, recursos humanos e técnicos para responder aos casos que cresciam sucessivamente. Perante a questão de armazenamento, o Programa Museológico realizado, apresentava a necessidade de “pensar rapidamente na constituição de outro espaço reserva, situado fora do edifício, pois a dimensão das colecções existentes e as suas perspectivas de crescimento a curto prazo tornam imperiosa essa solução” (Cordeiro, Fernandes, Rapagão

moageiro para Museu, não haveria espaço suficiente para armazenar e conservar as coleções que se previam incorporar. Entre 1992 e 1996 as peças levantadas foram armazenadas em espaços provisórios e, só a partir de 1996, com a instalação da equipa técnica no antigo edifício das Moagens Harmonia (ainda de forma provisória) é que parte deles começaram a ser aí armazenados. A partir de 2000, a Câmara Municipal do Porto disponibilizou um espaço de armazenamento no edifício do antigo Matadouro Municipal do Porto, permitindo dar continuidade aos levantamentos e a uma organização dos acervos.

Logo nos primeiros anos de recolhas de acervos deram entrada cerca de 200 objetos industriais, provenientes da Companhia de Lanifícios Lordelo (Porto), da fábrica de Tubos de António Carvalho em Leça da Palmeira (Matosinhos), da Fábrica de Luvas Rasajo (nascida no Porto deslocou-se para a Maia), da Subestação de Contumil (Porto), do Teatro Municipal Rivoli (Porto), da Serração de Vila Mêa (Amarante) e da subestação de Contumil da empresa STCP, entre outros. Do sector dos Fósforos foi incorporado um conjunto de máquinas, materiais da cantina, caixas de fósforos, desenhos técnicos e documentação provenientes da fábrica em Lordelo do Ouro da Sociedade Nacional de Fósforos.188 Esta a partir de 1994, encerrou as suas unidades fabris (respectivamente no Porto e em Lisboa) e deslocalizou a sua produção para outro país.

Apresentamos os gráficos dos levantamentos realizados desde 1992 a 2010.

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SNF - Sociedade Nacional de Fósforos - a partir de 1925 herda os alvarás de produção da Companhia Portuguesa de Fósforos e que em associação com os capitais suecos do grupo Sueco ARENCO, forma uma das maiores unidades do sector a nível nacional, possuindo fabrica no Porto em Lordelo do Ouro e em Lisboa no Beato.

Fig. 22 - Proveniência dos acervos museológicos e número de objetos incorporados: 1992 a 1994

Fonte: Cadastro do Museu da Indústria do Porto e Dossiê de Incorporações da AMCI

Os acervos mais relevantes eram oriundos da FACAR – Fábrica de Tubos Metálicos António Carvalho, localizada em Matosinhos, nas proximidades do porto de Leixões e fundada na década de 1940 e da Sociedade Nacional de Fósforos, empresa portuense predecessora da Companhia Portuguesa de Fósforos.

Durante o triénio de 1995-97, como podemos verificar pelo gráfico seguinte, a recolha de materiais concentrou-se na região do Porto, tendo dado entrada, numa segunda fase, um segundo lote de peças da FACAR – Fábrica de Tubos António Carvalho, em Leça da Palmeira (Matosinhos), da Eurofer, sucessora da Fundição Oliveira & Ferreirinha, agora instalada na Maia, da casa importadora Agostinho Ricon Peres localizada na rua 31 de Janeiro, em pleno centro do Porto, da Carpintaria José Domingues e da empresa informática Disconto.

Do sector moageiro foi incorporado um vasto acervo de maquinaria. Este é um dos sectores mais bem representados na coleção do museu, possuindo peças oriundas da antiga e da atual fábrica da Cª de Moagem Harmonia, da Fábrica de trigo mole e centeio Mariano & C.ª Lda. de Macedo de Cavaleiros, da Fábrica de Massas Alimentícias Milaneza entre outras. Este sector nos anos de 1990 viveu um momento de mudança e modernização tecnológica iniciado já na década de 1980, aquando da entrada de Portugal na União Europeia. Em 1991, foi constituído o grupo Amorim, Lage SGPS que veio a realizar várias aquisições e fusões. Em 2009, o grupo reestrutura-se e as suas subsidiárias Milaneza, Nacional e Harmonia e

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C.ª Lanifícios Lordelo Associação Comercial de Aveiro Repartição de Finanças Santarém Serração Vila Meã Fáb. Rasajo Facar STCP Contumil Esc. Soares dos Reis IPPAR SNF Rivoli

Moacir, passam a ser representadas pelo Cerealis SGPS, consórcio que congrega a produção de farinhas, sêmolas, massas alimentícias e outros produtos subsidiários.

Neste triénio foram, ainda, incorporados materiais da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, das Escolas Secundária Soares dos Reis e da Escola Secundária/Industrial Infante D. Henrique. As escolas invocavam necessidade de libertarem espaços para darem respostas as áreas de formação ali implementadas, por essa razão depositavam os materiais que desejavam ver conservados nos espaços do Museu. A proveniência das peças é muito variada contemplando desde grandes unidades têxteis, metalúrgicas e de metalomecânica, até a empresas importadoras de máquinas, ferramentas e acessórios para a indústria.

Fig. 23 - Proveniência dos acervos museológicos e número de objetos incorporados: 1995-1997

Fonte: Cadastro do Museu da Indústria do Porto e Dossiê de Incorporações da AMCI

Durante os anos de 1998 e 2000 deram entrada acervos de peças de empresas de moagem, curtumes, de fundição, e, ainda, da Companhia Portuguesa de Cobre, da carpintaria José Domingues, da Calandra metalúrgica do Bonfim (metalomecânica) e mais um lote da Escola Industrial Infante D. Henrique.

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Fac.Engenharia UP EUROFER Cª de Moagens Harmonia Esc. Artistica Soares Reis Esc. Ind. Infante D. Henrique Vidreira Santos Barosa

Cª Moagens Harmonia Ricon Peres Empresa DISCONTO FACAR Carpintaria J. Domingues