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AS LIBERDADES E OS BENS ABRANGIDOS PELA PROTEÇÃO

3 O PAPEL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NA ADMINISTRAÇÃO

4.3 AS LIBERDADES E OS BENS ABRANGIDOS PELA PROTEÇÃO

Examinados os termos que compõem, na Constituição brasileira, a expressão literal da garantia em estudo, cabe agora estender a análise, neste tópico, aos direitos que tem esta por meta preservar. A intenção aqui, claro, não pode ser outra senão buscar descobrir qual é, enfim, a exata extensão da proteção conferida pela cláusula.

Para tanto, é certo que se valerão estas linhas, mais uma vez, da regra hermenêutica advinda do princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, ao qual se reporta

Canotilho169. Afinal, não há como deixar de se reconhecer aos vocábulos “liberdade” e “bens” o significado que se revele o mais abrangente possível, haja vista que pensar de maneira diversa, vale enfatizar, significaria, quando menos, dar à cláusula uma interpretação marcadamente restritiva e, ao que parece, propositalmente limitadora, em notável descompasso, portanto, com a amplitude protetiva que ao longo da história ela conquistou e aperfeiçoou.

Portanto, é induvidosa a tese de que a “liberdade” a que faz referência o art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, necessita ser compreendida em sua acepção mais vasta possível, de modo a englobar, sob seu abrigo, todos os direitos que dela decorram, seja direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente. É de se atentar, por oportuno, que, além do preceito da liberdade geral, traduzido, como se sabe, na livre possibilidade de tudo ou nada fazer salvo em virtude de lei (art. 5º, II, CF/1988), elenca a Carta da República diversos e específicos direitos derivados daquele, às vezes para promover-lhe o desdobramento lógico, outras apenas para melhor explicitá-lo, devendo todos ser merecedores, indistintamente, sublinhe-se, da mesma guarida ofertada pelo princípio.

Cumpre perceber, então, que restam igualmente agasalhadas, pelo manto protetivo do devido processo legal, diversas liberdades dispersamente estatuídas ao longo do texto constitucional, das quais constituem exemplos a liberdade de consciência e de crença; a liberdade de iniciativa; a liberdade de empresa; a liberdade de trabalho, ofício ou profissão; a liberdade política; a liberdade de manifestação do pensamento; a liberdade de reunião pacífica; a liberdade de associação; a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e científica; a liberdade de comunicação; e a liberdade de locomoção, ao lado de outras tantas170.

169 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra:

Livraria Almedina, 2002, p. 1028.

170Não é por outra razão que preceitua Bockmann Moreira: “O conceito de liberdade do inciso LIV do art. 5º da

Observe-se, ainda, que de raciocínio semelhante não escapará, pelas mesmas razões de ordem hermenêutica já esposadas, o termo “bens”, que foi igualmente inserido, de modo expresso, no texto literal daquela garantia fundamental. Daí porque se dizer que deve esse vocábulo ser compreendido não em seu sentido patrimonial, apenas, mas sim, na verdade, na integralidade do conteúdo semântico com o qual, inclusive, já se consagrou no direito pátrio171.

Os “bens” a que faz a cláusula referência, portanto, traduzem-se em todos aqueles que podem vir a ser vislumbrados a partir da tomada de posição mais ampla possível acerca do conteúdo do termo, o que inevitavelmente termina abarcando, necessária e indistintamente, todos os componentes da esfera jurídica do particular que sejam passíveis de tutela, tenham estes valor patrimonial ou não. Cumpre reparar, aliás, que, caso tivesse sido o desejo da Constituição lançar a proteção apenas sobre os bens materiais ou econômicos, poderia a mesma ter feito uso da palavra “patrimônio”, ao invés daquela que preferiu utilizar.

Importa ainda observar, por fim, que, diferentemente das versões inglesa e norte- americana da garantia, que também abrigam, sob a proteção do due process of law, o direito à

Maior” (MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo. Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 302). Em idêntico sentido, tem-se, ainda, o posicionamento de Fábio Medina Osório, que, defendendo a amplitude que detém o termo “liberdade” na expressão constitucional em comento, chama a atenção para o fato de não fazer ela referência, tão somente, à pena privativa de liberdade a que se reporta o Código Penal e a própria Magna Carta, observando, para tanto, que: “Uma restrição a direitos políticos não é pena privativa de liberdade, mas priva o agente do gozo de uma liberdade política, v.g., candidatar-se a cargos públicos, ou a cargos eletivos, ou de usufruir do direito-dever de voto. Uma sanção que proíbe alguém de contratar com a Administração Pública, ou dela receber benefícios fiscais ou creditícios, subvenções, por determinado período, atinge sua liberdade de contratar e de participar da vida negocial” (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 175-176).

171 Corroborando esse pensamento, tem-se a posição de Odete Medauar: “No inciso LIV do art. 5º da

Constituição Federal de 1988, o termo bens reveste-se de acepção ampla, no sentido de bens da vida objeto de tutela jurídica, abrangendo, por exemplo, situações, títulos e itens do universo jurídico que podem ser afetados por medidas da Administração Pública” (MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 86). Bockmann Moreira, por sua vez, chega a afirmar que estariam compreendidos, em sua dicção, tanto os bens materiais como os imateriais, assim como os presentes e os futuros - destes últimos excluídos aqueles que forem incertos (MOREIRA, Egon Bockmann. Processo

Administrativo. Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 303).

Perceba-se, então, que, de acordo com o raciocínio exposto pelo autor, até mesmo aqueles desprovidos de valor patrimonial imediato, tais como a honra, a moral, etc., e outros que, sequer estando incorporados ainda à esfera jurídica do titular, apresentam-se como certos ao futuro, seriam contemplados pela proteção da garantia e resguardados, pois, das investidas estatais desacauteladas.

vida, optou a Magna Carta brasileira, indisfarçadamente, por não inseri-lo na descrição do alcance que decidiu conferir ao princípio. As razões para o constituinte assim haver procedido, entretanto, não se mostram difíceis de deduzir-se.

Afinal, abominando a Constituição brasileira qualquer forma de investida contra a vida, salvo nas hipóteses excepcionais de guerra declarada (art. 5º, XLVII c/c o art. 84, XIX), não soaria lógico e congruente que viesse ela própria a prever, textualmente, a possibilidade de supressão da vida nos casos em que fosse respeitado o devido processo legal. Na verdade, portanto, verifica-se que apenas se poupou o texto constitucional, de modo coerente, inclusive, de consignar preceitos que eventualmente pudessem ser apontados como contraditórios.

De toda sorte, porém, cumpre advertir que, nos casos de crimes praticados durante a vigência de guerra declarada, e que prevejam a pena de morte na legislação específica que os tipifica, deverá necessária e invariavelmente haver, sem exceção, por motivos que se revelam óbvios e que ecoam da própria sistemática acusatória adotada, o desenvolvimento de um processo adequado e anterior à aplicação da sanção capital, onde esteja plenamente assegurado, ao denunciado, o exercício, dentre outras garantias, da ampla defesa e do contraditório.

4.4 A REPERCUSSÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NAS DIFERENTES ESPÉCIES