• Nenhum resultado encontrado

Sanção administrativa e medida de polícia 121

3 O PAPEL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NA ADMINISTRAÇÃO

5.1 SANÇÃO ADMINISTRATIVA: CARACTERIZAÇÃO

5.1.3 Sanção administrativa e medida de polícia 121

É de se reconhecer, antes de tudo, o visível parentesco que guardam as sanções administrativas com as chamadas medidas de polícia. Enfim, não há como passar despercebida a estreita proximidade que existe entre ambas.

Por outro lado, no entanto, parece óbvio que não se podem unir as duas ao ponto de serem eliminados o conceito e a autonomia que detém o ato sancionador, que é regido, conforme já se enfatizou, por princípios e regras próprios. A tarefa de saber separá-las, pois, afigura-se imperiosa, até mesmo porque a conclusão a que se chegue através dela é que irá definir o regime jurídico a incidir sobre a espécie.

Impossível se mostra, porém, não admitir, ao mesmo tempo, que a competência sancionadora tenha se originado do poder de polícia182, pois o que demonstra a história é que, lá na sua longínqua origem, ligavam-se as sanções administrativas, de fato, aos atos de

180 Com o que concorda Daniel Ferreira: “Visto ser a sanção administrativa uma das manifestações concretas do

exercício da função administrativa, enquanto dever-poder, importante notar, desde logo, que a aplicação de uma sanção por um agente público não consiste em uma mera faculdade, mas sim em inolvidável vinculação” (FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 40).

181 Cumpre reparar que semelhante caso ocorre quando, não definindo de modo preciso a intensidade da sanção

que deve ser aplicada, estabelece a lei apenas os limites mínimo e máximo, deixando que a autoridade competente para aplicá-la, após avaliar as peculiaridades do caso concreto, determine seu exato quantum.

polícia183, de modo que não havia uma fronteira bem delineada que fosse capaz de separar, com precisão, essas distintas medidas.

Ocorre, contudo, que, com o advento do Estado de Direito, e com a evolução a partir daí verificada nos institutos de Direito Administrativo, vieram as sanções finalmente a obter, daqueles atos, o devido apartamento, tendo conquistado, desde então, a merecida autonomia própria e adquirido, simultaneamente, contornos jurídicos mais aproximados do Direito Penal. Hoje, a autonomia que detêm as sanções administrativas é tanta, que já constitui sua aplicação objeto de estudo de um subsistema próprio, ao qual costumeiramente se confere o título de Direito Administrativo sancionador.

Portanto, não há que se cogitar jamais, na atualidade, de um dever-poder sancionador abarcado pelas competências inerentes às atribuições gerais de polícia. Afinal, a própria disparidade que se verifica entre os regimes jurídicos aplicáveis, conforme se trate de sanção ou de medida de polícia, tem o condão de impedir conclusão diversa184.

Vê-se, assim, que não cabe, em hipótese alguma, buscar a integração, junto a uma alegada vasta concepção que eventualmente se atribua à medida de polícia, da noção hodierna que se confere à sanção administrativa. O que se impõe, muito pelo contrário, é que se adote, na tentativa de estabelecer-se uma distinção segura entre essas espécies, um critério que seja verdadeiramente apto a afastar, com segurança, qualquer dúvida acerca da natureza de determinado ato aflitivo.

Nesse propósito, um critério que tem se mostrado adequado diz respeito à funcionalidade a que se presta a medida. Assim, segundo se preconiza, sempre que contenha a

183 Neste sentido, tem-se a lição de Alejandro Nieto: “Desde siempre, todas las órdenes y prohibiciones

establecidas en las normas van acompañadas por lo común de la amenaza de una sanción que con frecuencia es expresa” (NIETO, Alejandro. Derecho administrativo sancionador. 2ª ed. Madrid: Tecnos, 1994, p. 50).

184 Confira-se, a esse respeito, a lição extraída da doutrina de Fábio Medina Osório: “Sem embargo, não

prospera, em sua globalidade, a teoria de que o poder sancionador estaria integrado no poder de polícia, diante das peculiaridades do direito administrativo sancionador, suas garantias, sua generalidade, tipicidade, legalidade, incompatibilidade com a flexível e extremamente elástica natureza que deveria ostentar para ser considerado integrante do poder de polícia” (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 98).

mesma uma finalidade acautelatória, traduzida na intenção única que guarda de serem preservados direitos ou provas, é certo que expressará seu conteúdo um típico ato de polícia; e toda vez que corresponda ela a uma resposta estatal à prática de uma conduta ilícita específica, dotada de maior estabilidade e com objetivo nitidamente punitivo, é induvidoso que se estará diante de uma sanção.

Desta forma, resta evidente que aponta o caminho da distinção no sentido de se buscar descobrir o caráter de que se reveste a providência administrativa. As medidas de polícia, dada a sua própria serventia, ostentarão sempre um cunho preventivo ou instrumental, uma vez que se voltam, de uma maneira geral, à realização do bem comum e à consecução da boa ordem no uso dos bens e dos serviços públicos, não se constituindo, assim, propriamente em uma punição. Os atos sancionadores, por sua vez, à medida que carregam um conteúdo finalístico intimidatório, encerram consigo uma índole caracterizadamente repressiva, da qual emerge seu reconhecido viés penalizador.

5.1.4 Sanção administrativa e sanção penal

De igual modo, não há que se confundirem as sanções administrativas com as sanções penais, em que pese a natureza incontestavelmente retributiva de ambas. É que a diversidade de seus respectivos regimes jurídicos, também aqui, impõe a separação dessas medidas.

Assim, da mesma forma que se defendeu, acima, ser o regime jurídico administrativo a que se subordine determinado provimento punitivo o verdadeiro responsável por sua qualificação como sanção administrativa, será a disciplina própria do Direito Penal, com todas as peculiaridades inerentes a esse específico ramo da ciência jurídica, que

classificará como sanção penal a providência estatal que se atribua como resposta à prática de certo ato ilícito. A esse respeito, não custa lembrar, por oportuna, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem, “em Direito, uma coisa é o que é por força da qualificação que o próprio Direito lhe atribuiu, ou seja, pelo regime que lhe outorga e não por alguma causa intrínseca, substancialmente residente na essência do objeto”185.

Nesse bojo, importa observar, ainda, que, à medida que se constitui no verdadeiro responsável por definir a natureza da sanção, é exatamente o regime jurídico ao qual esta se sujeita que serve, também, para especificar o tipo de ilícito – se penal ou administrativo - a que ela se reporta. Assim, toda vez que diante se estiver de sanção administrativa, é porque administrativo também será reputado o ilícito que der causa à sua aplicação; e sempre que se tratar de sanção penal, é certo que por delituosa será tida a conduta que lhe der ensejo186.

Ao tempo que reside, portanto, no regime jurídico incidente as diferenças que apartam as sanções administrativas das penais, e competindo ao legislador, como se sabe, a atribuição de estabelecê-lo no momento em que tipifica determinada conduta como ilícita, é inequívoco que caberá somente a este a decisão acerca de quais comportamentos merecerão resposta em nível administrativo e quais aqueles que serão punidos mediante a imposição de sanção penal, sendo-lhe permitido, inclusive, optar pelo duplo sancionamento – tanto o administrativo quanto o penal187.

185 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros,

2010, p. 34-35.

186 Neste sentido, tem-se a lição de Daniel Ferreira: “O fator de discriminação entre os ilícitos penal e

administrativo está no específico regime jurídico a que se subordina a sanção correspondente” (FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 60-61).

187 “O princípio do non bis in idem não impede a cumulação de sanção administrativa com sanção penal. Uma

mesma conduta pode ser tipificada pelo legislador como infração administrativa e como crime” (MUNHOZ DE MELLO, Rafael. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 213). Neste mesmo sentido, caminha a posição de Daniel Ferreira: “Para nós não há qualquer proibição, constitucional ou legal, de se impor, cumulativamente, consequências restritivas de direito a um administrado através de uma pena (criminal) e uma sanção administrativa, bastando para tanto que seu comportamento tenha configurado uma conduta reprovável para essas duas ordens normativas” (FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 133). Em sentido contrário, tem-se a opinião de Hugo de Brito Machado: “A cumulação de penalidades implica, em regra, desproporção entre o ilícito e a sanção. Por isto, mesmo sabendo que a legislação e a jurisprudência brasileiras admitem pacificamente a cumulação de penalidades administrativa

De nada adianta, pois, insistir em critérios pautados na diversidade dos interesses tutelados – ditos qualitativos – ou na gravidade da conduta sancionável – ditos quantitativos - na tentativa de se demarcar a diferença entre ilícitos penais e ilícitos administrativos. Afinal, ambos fraquejam à medida que lhes falta força constitucional capaz de vincular o legislador, que, alheio a qualquer critério metajurídico que se elabore, goza, em todo caso, de ampla liberdade no momento de qualificar as condutas que reprova como ilícitos penais ou ilícitos administrativos.

Deste modo, não fica difícil perceber, em última análise, que a definição entre um ou outro tipo de ilícito constitui, unicamente, uma questão de política legislativa. Tanto é assim, que nada impede que amanhã, por ato do legislador, se penalizem infrações hoje tidas por administrativas, ou que, em sentido inverso, se promova a administrativização de condutas elencadas como delituosas188.

Conforme se pode perceber, a verdade é que guardam essas sanções entre si inegável identidade ontológica, e as diferenças que servem à sua classificação nas espécies administrativa e penal são consequência, tão somente, dos distintos regimes jurídicos a que se sujeitam, não importando, desta forma, em qualquer diversidade de fundo, de substância.

5.2 A NORMA SANCIONADORA DE DIREITO ADMINISTRATIVO E SUA