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OS LIMITES À DISCIPLINA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

6 O PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR NAS AGÊNCIAS

6.1 OS LIMITES À DISCIPLINA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Necessário se faz, antes de propriamente se adentrar, aqui, nos princípios que a este capítulo irá interessar, que se realize, primeiramente, uma inevitável reflexão acerca dos limites constitucionais que se impõem à possibilidade de, por ato normativo das agências, virem a ser expedidas normas com a finalidade de se disciplinarem os processos administrativos sancionadores conduzidos no âmbito desses organismos. Afinal, diante da competência regulamentar que titularizam, uma indagação natural que emerge, e que precisará ser por estas linhas enfrentada, é a que faz referência a necessidade de se saber até que ponto, sem agredir-se o texto constitucional, pode exatamente aquela ser exercida para o estabelecimento de regras processuais aos feitos de natureza punitiva que essas próprias agências presidem.

É de se esclarecer, de início, que não se deve jamais se confundir a subalterna atividade normativa conferida às agências com a superior função legislativa estatal, cujo exercício é privativo aos órgãos elencados na Constituição Federal: embora ambas se destinem à edição de comandos gerais e abstratos, somente esta última, pela capacidade que ostenta de inovar primariamente a ordem jurídica, é que detém a competência para legitimamente criar, em caráter originário, novas obrigações aos administrados.

Às agências, portanto, restará, por meio desse regramento geral e abstrato de sua alçada, unicamente o exercício de uma atividade normativa meramente complementar, de natureza essencialmente administrativa215 e plenamente subordinada ao conteúdo dos atos legislativos. Tamanha é, aliás, a sujeição desses atos normativos frente a estes últimos, que, toda vez que editados, haverá de ser rigorosa e necessariamente verificado, conforme pontua Marco Aurélio Marques de Queiroz, “se tais atos cumpriram os requisitos estabelecidos em lei, ou seja, se inseriram-se dentro dos termos e limites colocados pelas normas primárias, (...) se o conteúdo desses atos não descumpre a finalidade estabelecida em lei”216.

Por outro lado, sabe-se que, por força do devido processo legal, não se concebe, em nosso sistema, que possam ser aplicadas sanções sem a prévia observância das formalidades processuais pertinentes. Enfim, o que impera entre nós, de modo absoluto, é a regra segundo a qual, em todo e qualquer caso, necessário se fará, sempre, por expresso mandamento constitucional, a estrita obediência à integralidade dos preceitos que, reunidos, vêm a compor a magna garantia do devido processo legal.

Impondo-se, portanto, ao ato sancionador, o atendimento preliminar a uma constitucional marcha processual, é certo que deverá existir, também, na perspectiva da conclusão desta, um determinado rito procedimental específico, ditado conforme o caso, a cujo seguimento, pela autoridade responsável, se atribui, inclusive, um caráter obrigatório. Afinal, impossível se mostra reportar-se ao devido processo legal, igualmente, sem que tenha havido o cumprimento de todas as etapas daquele. Saber, pois, que procedimento exato adotar constitui, na verdade, tarefa da mais suma importância, visto que a todo administrado acusado da prática de ilícito, consoante já destacado acima, é assegurada, vale ressaltar, não a

215 Quanto à natureza administrativa dessa atividade, vide item 2.4.4.2, acima.

216 QUEIROZ, Marco Aurélio Marques de. O princípio constitucional da legalidade administrativa e os

limites do controle das atividades-fim das agências reguladoras pelo Tribunal de Contas da União.

Dissertação (Mestrado em Direito). Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2010, p. 171-172.

formalização desregrada de qualquer processo, mas sim, a instauração de processo que se desenvolva devidamente, isto é, da maneira adequada, tal como se encontre previsto em lei.

Desta forma, revela-se evidente que a um específico rito também deverá obedecer o processo administrativo sancionador conduzido pelas agências, cabendo, assim, à própria lei que as instituir, em princípio, a definição das regras atinentes a tais procedimentos. Em sendo aquela, no entanto, omissa a respeito, ou até mesmo para fins de sua complementação, deverão ser aplicadas, integral ou subsidiariamente, conforme o caso, em se tratando de agências reguladoras integradas à Administração indireta da União, as normas definidas na Lei Federal nº 9.784/1999217.

No tocante a este ponto em particular, urge consignar uma advertência da mais alta relevância. É que obrigatoriamente deve essa competência mencionada - a da lei instituidora da agência - se limitar tão somente a legislar com relação a aspectos meramente procedimentais desses feitos, não lhe sendo lícito, em qualquer hipótese, dispor de modo contrário aos princípios expressamente elencados na Lei nº 9.784/1999. O entendimento que aqui ora se adota, em sintonia com a doutrina de Marçal Justen Filho218, é no sentido de que esse referido diploma legal, muito embora não constitua mais do que uma singela lei ordinária federal, teve o condão de vir a tornar explícitos, em seu texto, princípios cuja incidência decorre diretamente da Constituição, e que, por esta razão, tornam-se merecedores de observância obrigatória em todo e qualquer processo administrativo.

217 Já quanto às agências reguladoras estaduais e municipais, impõe-se que se preencham as eventuais lacunas

existentes com a legislação processual-administrativa própria do respectivo ente federativo (Cf. MAZZA, Alexandre. Agências Reguladoras. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 140).

218 “A Lei de processo administrativo torna explícitos princípios cuja incidência deriva diretamente da

Constituição, de observância obrigatória em toda e qualquer atividade administrativa. Logo, os princípios constitucionais explicitados através da Lei nº 9.784 nunca poderiam deixar de ser respeitados pelos demais entes federais: não porque esse diploma tenha natureza de lei complementar, nem porque veicule “normas gerais”, mas por ser essa a única alternativa compatível com a Constituição. Sob esse ângulo, o aplicador (em qualquer segmento da Federação) encontra na Lei nº 9.784 uma espécie de ‘confirmação’ do conteúdo da Constituição. As regras meramente procedimentais, porém, retratam o poder de auto-organização atribuído a todo e qualquer ente federativo” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 103).

Portanto, se nem mesmo à lei, com toda sua capacidade de inovar originariamente a ordem jurídica, é conferida a possibilidade de disciplinar, de modo diverso, as bases do que foi estatuído pela Lei Federal nº 9.784/1999, tendo em vista que, conforme se viu, lhe resta apenas estatuir aspectos procedimentais, o que dizer, então, do ato normativo de competência das agências reguladoras, que sequer possui tal aptidão. Logo, é inequívoco que, da mesma forma que ocorre com a lei, resta a estes tão somente a possibilidade de, no exercício da regulamentação de dispositivo legal, virem a consignar alguns detalhes de ordem estritamente procedimental, só que num campo de abrangência ainda menor, claro, do que o do diploma instituidor da agência.