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As mudanças nas atividades laborais

No documento O SECRETÁRIO EXECUTIVO COMO (páginas 125-140)

2.5 CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES

2.5.2 As mudanças nas atividades laborais

O conceito de organização sofreu impactante transformação em virtude das novas ferramentas derivadas das tecnologias da informação e das mudanças

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registradas na sociedade. O comércio se transfere para a rede e o conceito de empresa se transmuta de hierarquia para interconexão. Meio a esse processo de transição e mudanças mundiais, onde tecnologia, informação, conhecimento e comunicação interagem e provocam uma sociedade extremamente competitiva, a capacitação e a qualificação profissional tornam-se condição indispensável para um desenvolvimento socioeconômico global.

O avanço tecnológico tem obrigado as organizações a buscarem flexibilidade em suas operações para alcançarem novas oportunidades no mercado, passando a adotar arranjos mais complexos de estruturas organizacionais e modelos de gestão mais competitivos, especialmente aqueles voltados para a participação de equipes.

No novo cenário que se desenha, muitos conceitos foram repensados de acordo com as características do desempenho que as organizações almejam atingir com essa nova configuração, dentre os quais se destacam a cultura organizacional e o sucesso empresarial. As organizações elaboram sua própria cultura organizacional contribuindo para o perfil de desempenho dos indivíduos e das equipes de trabalho, o que, consequentemente, culmina com o êxito nos empreendimentos.

“Estamos mudando de locais de trabalho fechados e hierárquicos, com relações de emprego rígidas, para redes de capital humano progressivamente mais auto-organizadas, distribuídas e colaborativas, que obtêm conhecimento e recursos de dentro e de fora da empresa”. (TAPSCOTT e WILLIAMS, 2007, 292).

Vem sendo bastante discutido no Brasil, em áreas como a de Sociologia do Trabalho e da Educação, conceitos e abordagens, dentre eles o de ocupação e de profissão. Transitar da acepção de ocupação para a de profissão, no sentido de entender a sua relação e diferença, conduziu este autor ao Dicionário Digital Michaelis, Português, edição de fevereiro de 1998, de onde foi retirado que profissão significa “emprego que requer conhecimentos especiais e geralmente preparação longa e intensiva; ofício; conjunto de pessoas que exerce a mesma ocupação especializada” e ocupação diz respeito ao “ato ou efeito de ocupar, ou de se apoderar de qualquer coisa; posse de uma coisa com direito ou sem ele”. Profissão seria o nome da atividade na qual você trabalha e ocupação é aquilo com que a pessoa se ocupa no seu dia-a-dia de trabalho. Novas ocupações surgem constantemente dentro das diversas profissões.

No âmbito da Sociologia do Trabalho, novas abordagens para a relação entre qualificação e competência, em análises como a de Isambert-Jamati (1997), igualmente se destacam. A autora refere-se à qualificação como atributo de ordem coletiva, codificado por acordos sociais, implicando um caráter duradouro que se apoia na formação inicial do trabalhador. A qualificação é tomada como base para a definição da escala de salários e confere direitos, sendo, portanto, fonte para reivindicações coletivas. Já a competência se relaciona a características individuais não pertencentes a uma categoria profissional; não está ligada formalmente à formação inicial do trabalhador; e, junto a tudo isso, não confere direitos.

2.5.3 O estudo das profissões

Novos padrões de consumo em mercados altamente concorrenciais levaram à reestruturação produtiva e vêm exigindo diferentes abordagens ao conceito de trabalho, convidando os indivíduos à adoção de novas atitudes e à profissionalização.

Pode-se afirmar que, em linhas gerais, qualquer prática profissional será mais produtiva se o indivíduo estiver qualificado para exercê-la: no ambiente competitivo atual, essa máxima é reiterada com especial ênfase. Por outro lado, é pertinente reconhecer que, em muitos campos de atuação, a profissionalização é condição sine qua non para que se desenvolva um ofício, como se pode verificar em campos maduros como a medicina e engenharia.

A efetivação dessa condição abriu campo para o estudo das profissões, o qual se debruça no exame de uma “estrutura configurada pelas práticas e representações de agentes e da sua luta pelo estabelecimento de seu domínio sobre as regras do mundo social” (BARBOSA, 2003, p. 599). Dessa forma, às análises inicialmente voltadas para o compromisso com o “servir”, outras características foram adicionadas para compor o conceito de profissão, buscando descrever os atributos e características de uma profissão ou as estruturas particulares de controle profissional que resultavam no monopólio sobre um campo de trabalho.

Barbosa (2003) examina grupos profissionais e os processos de construção das suas identidades e dos seus lugares sociais, defendendo que as trajetórias dos grupos profissionais são associadas a fatores diferenciados e as profissões não podem ser entendidas como meros resultados de forças estruturais que modelam

qualquer grupo social. Ao analisar o estado da arte das pesquisas sobre as profissões no Brasil, a mencionada autora ressalta que “se o mercado é característica comum à qual são submetidos todos os grupos sociais, as profissões conseguem estabelecer regras diferenciadas para sua presença nessa instância da vida social” (BARBOSA, 2003, p. 594).

A literatura do estudo das profissões especializou-se no tratamento, sob diferentes ângulos, da natureza particular das especialidades profissionais, tendo centrado a sua análise em quatro aspectos substantivos, ressaltados por Abbott (1988, p. 14-16) em termos de seu locus de análise (individual ou sociedade) e as consequências do profissionalismo (interno e externo): funcional, estrutural, monopolista e cultural.

No funcionalismo a profissão significa o controle da relação especialista- cliente e a profissionalização, aqui, seria a evolução das garantias estruturais desse controle. Os funcionalistas têm como pressuposto que os profissionais são altruístas e trabalham para o bem comum (PARSONS, 1939, p. 458). No estruturalismo a profissão é apenas uma forma de controle ocupacional, as relações e o conteúdo do trabalho são menos importantes. A escola monopolista também vê a profissão como resultado de um desenvolvimento estrutural, mas não lhe atribui um crescimento natural, e sim um desejo de dominação e autoridade. A autoridade cultural das profissões, estudos mais recentes, remontam às forças sociais parsonianas e defendem que as profissões legitimam o seu controle ligando competência a valores.

Esses diferentes recortes atestam a riqueza da produção acadêmica dessa área. Quando da análise a esses diferentes prismas, observou-se que algumas questões ora se complementam, em outras se distanciam, contribuindo de maneira substancial, entretanto, para responder às indagações pontuais que se assomam.

Em estudos iniciais sobre o tema, as elaborações de Parsons (1939) expõem as profissões como atividades necessárias para fazer frente a funções especialmente valorizadas, reivindicando completa e exclusiva dedicação daqueles que conquistaram a competência técnica específica, resultante de conhecimentos teóricos e empíricos. Parsons (p. 466) admite que a estrutura ocupacional de qualquer sistema social não se mantém sozinha, mas está envolvida em relações complexas, estruturais e funcionais com outras partes do mesmo sistema social.

O mesmo autor explicita quais seriam os atributos que podem caracterizar uma profissão, os quais se encontram no quadro 2.12.

Quadro 2.12 – Atributos que caracterizam uma profissão

•presença de um corpo de conhecimento especializado, sistematizado e abstrato; •autonomia no exercício profissional;

•capacidade de auto regulação;

•existência de procedimentos de credenciamento; •exercício da autoridade sobre clientes;

•publicação de um código de ética.

Fonte: Parsons (1939)

Os trabalhos de Parsons, e os atributos identificados por ele e expostos no quadro 2.12, prestaram-se a subsidiar investigações posteriores, como se verá, servindo de referencial para o estudo das profissões. As transformações ocorridas na sociedade e no mundo do trabalho propiciaram uma progressiva ampliação nas atividades dos indivíduos. A necessidade e a oportunidade de atuação profissional em diversas áreas superaram as práticas profissionais. Assiste-se, assim, à incorporação de um conjunto de abordagens teórico-conceituais cujo objeto específico funde-se na investigação da formação e atuação de grupos profissionais e dos seus conflitos e relações de dominação.

Sobre a origem das profissões, Muller (2004) nos remete à discussão de Ortega y Gasset (1935, apud Muller, 2004, p. 24-25)15, que salientam que quando

um indivíduo desenvolve certa atividade – porque tem talento, porque gosta ou por necessidade de expressar sua vocação pessoal – e ela se torna útil e importante para todo o seu grupo cultural, passando a preencher as necessidades do grupo, a sociedade passa a exigir que essa atividade seja feita de maneira tal que a sua necessidade seja satisfeita. Em seu discurso, os mesmos autores destacam que para entender uma profissão é necessário compreender a necessidade social a que ela serve, e asseguram que essa necessidade é essencialmente variável, estando em constante evolução.

Não se pretende alongar nessas discussões, contudo, parece oportuno, para a compreensão das condições em que se opera a organização do trabalho de uma profissão, bem como as dinâmicas de sua formação e do seu sistema de valores, recorrer aos contributos teóricos da Sociologia das Profissões, com o apoio das investigações de Cabral (2006), sumarizadas no Quadro 2.13.

15 ORTEGA Y GASSET, José. Missión del bibliotecário y outros ensaios afines, 1935, apud Muller,

Quadro 2.13 – Contributos teóricos internacionais da sociologia das profissões e dos saberes profissionais

Teoria Como vê a profissão Principais autores

Estrutural- funcionalista

Destaque para a natureza das competências e dos conhecimentos técnico-científicos mobilizados pelas profissões Considera a profissão uma comunidade homogênea, cujos membros partilham uma identidade, valores, papéis e interesses.

Carr-Saunders (1928), R. Merton (1957) e T. Parsons (1968) Profissionaliza-

ção efetiva

Considera que não se pode falar de profissionalização efetiva a propósito de todos os que exercem uma atividade. Estabelece alguns critérios para reconhecimento de uma profissão.

H. L. Wilensky (1964) Conceito de estratégia profissio nal do ponto de vista coletivo

Descreve o processo histórico através do qual um determinado grupo profissional procura, por um lado, conquistar o monopólio de um segmento específico do mercado de trabalho e, por outro lado, fazer reconhecer a sua expertise com a ajuda do Estado.

Magali Sarfati Larson (1977).

Poder profissional

Entende as profissões como instituições que atuam no mercado de trabalho com a finalidade de reforçar o seu poder, prestígio e privilégios econômicos. O objetivo de cada profissão é o monopólio de determinadas áreas de saber e atividade.

Eliot Freidson (1994)

Formulação clássica de Weber

As profissões representam uma forma moderna de organização e os principais critérios para a definição de profissão são a especialização e a competência específica.

Max Weber (1995)

Simbólico interacionistas

Centra-se nos processos de aquisição do estatuto de profissão: os grupos profissionais são o resultado de processos de interação que levam os membros que desenvolvem a mesma atividade a se autonomizar, a defender o seu território e a proteger-se da concorrência. Para Hughes, as chamadas profissões estabelecidas constituem-se a partir de um saber especializado. A ‘Tradição de Chicago’ E. Hughes (1996), A. Strauss (1992) e H. Becker (1982) Formulação clássica de Durkheim

O sistema de organização do trabalho se constituía através dos agrupamentos profissionais, os quais estabelecem a ordem moral e asseguram a integração e a regulação social, uma vez que promovem a partilha de valores específicos.

Émile Durkheim (1998).

Perspectiva sistêmica

Debruça-se sobre as formas como as diferentes profissões fazem reconhecer o seu monopólio de uma determinada competência, aquilo que designa por competência jurisdicional.

Andrew Abbott (1988)

Fonte: Elaborado pela autora, baseada em Cabral (2006)

Dentre os contributos expostos no quadro 2.13, a visão de Abbott (1988) foi merecedora de análise mais atenta. Para justificar essa escolha, faz-se coro a Muller (2004, p. 24) quando destaca o ângulo privilegiado facultado por ele no entendimento do processo de formação e desenvolvimento das profissões da informação, atividades que podem, no entendimento desta pesquisa, abrigar aquelas desenvolvidas pelo profissional de Secretariado Executivo. Esse autor entende

profissões como “grupos ocupacionais exclusivos que aplicam algum conhecimento abstrato a casos particulares” (ABBOTT, 1988, p. 8, tradução nossa).

2.5.4 O sistema das profissões

Abbott (1988) afirma que são comuns as suposições de que uma série de estágios ou padrões denominados ‘profissionalização’ antecede a institucionalização de uma profissão e convida os investigadores à análise do tema.

Uma discussão sobre a sua dimensão formal aponta para a tentativa de encontrar um traço comum que definisse de forma genérica as profissões, com a ordem que Wilensky (1964, apud ABBOTT, 1988, p. 10-15)16 constatou em suas investigações da sociedade americana e que foi por ele denominada de ‘primeiros eventos’ das profissões, os quais podem ser replicados no nascimento de várias profissões, e que estão detalhados no Quadro 2.14.

Quadros 2.14 – ‘Primeiros eventos’ comuns às profissões

a) as pessoas começam a exercer determinado trabalho que precisa ser feito e passam a dedicar- se a ele em tempo integral.

b) tendo em vista a demanda do mercado, surge a necessidade de treinamento formal para os novos aprendizes, e se iniciam cursos com esse fim.

c) se isso ocorre fora da universidade, esses cursos logo procuram obter status acadêmico, filiando-se ou constituindo-se em departamentos universitários.

d) os cursos se tornam mais longos, o nível de estudo se aprofunda incluindo assuntos mais complexos, aumentando a base do conhecimento e elevando a qualidade dos serviços e o nível de compromisso pessoal dos membros do grupo com a área.

e) os cursos universitários proporcionam o surgimento de um corpo docente dedicado ao ensino e ao estudo, isto é, professores em tempo integral, cuja atuação contribuirá para o aumento de pesquisas – o corpo de conhecimento da área.

f) criam-se as associações profissionais. São definidas as competências dos profissionais atuantes na área.

g) em alguns casos, o aumento de conhecimento e reflexão sobre a área leva a uma mudança do nome da profissão e dos cursos, ao mesmo tempo em que aumenta o rigor visando excluir, do exercício profissional, praticantes não graduados nos cursos credenciados. Pode acontecer nesse estágio de desenvolvimento da nova área que fique mais evidente e forte a disputa com profissionais de outras áreas pelo mesmo mercado de trabalho.

h) criam-se as associações nacionais

i) regulamenta-se a profissão através de Lei, o que vai assegurar o monopólio sobre a prática profissional por meio de legislação;

j) tendo atingido certo grau de amadurecimento, a profissão publica um código de ética, no qual estabelece normas de condutas para seus membros, que buscarão eliminar as competições internas e o charlatanismo, assegurando proteção aos clientes.

Fonte: Wilenski (1964, apud ABBOTT, 1988, p.9-15) e Mueller (2004)

Para Wilensky (1964, apud Abbott, 1988) tudo se inicia no fato das pessoas começarem a fazer alguma atividade o tempo todo, o que as leva a executá-la muito bem, a ponto dos clientes a requererem constantemente. Cada um dos passos ou eventos caracterizados no Quadro 2.14 move para o outro, progressivamente.

Os eventos iniciais de uma profissão têm em outros autores posições distintas, como Caplow (1954, apud ABBOTT, 1988)17 que advoga a sua instauração

quando do estabelecimento de associações profissionais, as quais excluem os não qualificados. Adiante, seus membros mudam a denominação para ganharem rótulos capazes de restrição legislativa, o que é seguido da instituição de um código de ética e, por fim, de um movimento político para reconhecimento legal da profissão e fiscalização do trabalho sem licenciamento.

Abbott (1988, p. 15-16) discute os argumentos de outros autores e, especialmente com relação à sequência regular da profissionalização de Wilensky (1964) – que lhe parece particularmente fácil de medição e aplicação – argumenta que o conceito de competências se refere diretamente a teorias gerais de controle ocupacional.

Ele explica que a maioria das profissões americanas e britânicas seguiu com grande regularidade a análise teórica, operacional e empírica de profissionalização desses argumentos, ao passo que em outras profissões – militarismo e clero, por exemplo – alguns problemas foram identificados.

Testando os argumentos de Wilensky (1964), Abbott (1988) estudou oito eventos em 130 profissões americanas e britânicas, tendo encontrado regularidade na ordem dos eventos entre as profissões reconhecidas, tanto as ditas livres (liberais) quanto as subordinadas (auxiliares).

Em sua conclusão defende que não é possível a aplicação das sequências dos eventos tal como apontado por Wilensky (1964), avançando na formulação de um conceito próprio para o tema. Assim, Abbott (1988, p. 16-19) assegura que a maioria das teorias de profissionalização parece seguir uma abordagem comum, por ele identificadas e reunidas no que ele denominou de Teoria Sintética de Profissionalização, cujos pressupostos são realçados no quadro 2.15.

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Quadro 2.15 – Pressupostos básicos das teorias de profissionalização

a) mudanças são unidirecionais; profissões evoluem, estrutural e culturalmente, para uma determinada forma;

b) a evolução de uma profissão não depende explicitamente da evolução de outras; c) a estrutura social e cultural reivindicadas pelas profissões são mais importantes do

que o que elas fazem;

d) profissões são unidades homogêneas,

e) a profissionalização como um processo não muda com o tempo.

Fonte: Abbott (1988, p. 16-19)

Dos pressupostos expostos no quadro 2.15, Abbott (1988) assevera que tais abordagens, apesar de encontrarem respaldo em muitos estudos de caso, têm profundas deficiências, tendo sido rejeitadas por testes empíricos mais recentes. Desta forma, o referido autor vem propor uma teoria alternativa que inverte os pressupostos problemáticos das teorias de profissionalização. Ele esclarece que os conceitos de profissionalização têm na estrutura do trabalho o seu foco principal. No seu entender, entretanto, o trabalho em si é que deve se constituir em ponto principal de estudo. Assim, ele redireciona o seu olhar para a compreensão dos elementos característicos dos grupos com trabalhos comuns: “O controle do trabalho é que coloca as profissões em conflito umas com as outras e torna as suas histórias interdependentes” (ABBOTT, 1988, p. 19, tradução nossa).

Nasce aí o conceito de jurisdição, pelo qual o autor redimensiona o foco de sua pesquisa para o contexto da profissão estudada, assegurando relevância ao efeito advindo dos conflitos entre os distintos grupos de atividades profissionais na disputa pelo poder. Nessa concepção abrangente, a ideia central, ao invés do estudo de cada profissão isoladamente, consiste em enxergá-las como partícipes de um mesmo sistema ecológico e interativo, dentro do qual competem por espaço e poder. Assim, o sistema formado pelas profissões tem na interdependência a viga mestra sobre a qual as demais características particulares se repousarão: o que ocorre a uma profissão afeta a todas as demais.

Cada profissão domina e controla uma jurisdição, entendida como a relação entre a profissão e a sua prática profissional, abrangendo o seu espaço de trabalho ou a sua reserva de mercado na sociedade. A jurisdição não tem apenas uma cultura, mas também uma estrutura social (ABBOTT, 1988, p. 59). Diagnóstico, tratamento, inferência e trabalhos acadêmicos fornecem o maquinário cultural da

jurisdição. Cada profissão se dedica a um conjunto de tarefas profissionais às quais está ligada pelo que Abbott denomina de laços da jurisdição.

Para este autor, há um número limitado de jurisdições no sistema, e as profissões estão sempre competindo para manter o domínio exclusivo daquelas que julgam corresponder às suas tarefas profissionais. A disputa dá-se a nível interprofissional, ou seja, entre grupos profissionais que buscam ocupar ou ampliar seus espaços, e a nível intraprofissional, ou seja, dentro dos próprios grupos ocupacionais que operam dentro de uma mesma área de trabalho. Para o autor, não basta a realização de atos especializados para dominar uma jurisdição. É preciso que sejam garantidos direitos exclusivos sobre esses atos, o que geralmente ocorre por meio de legislação.

Ele também afiança que, de tempos em tempos, forças externas ou internas ao sistema criam, extinguem ou remodelam as tarefas profissionais. Quanto às forças internas, quando do desenvolvimento de novos conhecimentos ou habilidades no âmbito de uma profissão, pode haver a consolidação da manutenção da jurisdição ou a sua expansão para outros campos (p. 97); outro conjunto de efeitos internos surge na estruturação social da profissão, incluindo as mudanças normalmente chamadas de profissionalização. O desenvolvimento da tecnologia e pressões oriundas de fatores econômicos são exemplos de forças externas. No caso da Engenharia, por exemplo, enxerga-se claramente o impacto das tecnologias, ocasionando o seu desdobramento em Engenharia Civil, Mecânica e Elétrica (p. 92). O efeito dessas forças sobre o sistema é o desequilíbrio seguido de um período de disputa, cujo desfecho traz de novo o equilíbrio, mas agora com arranjo diferente na posição das profissões (p. 104). Ou seja, forças sociais, presentes no contexto em que se situa o sistema de profissões exercem impacto em grupos profissionais específicos por meio da estrutura dentro da qual uma dada profissão existe, e não diretamente sobre ela.

Abbott (1988, p. 59-67) também destaca a presença de arenas dentro das reinvindicações de jurisdição: a) a arena do sistema legal, que pode conferir o direito de controle formal sobre o trabalho, o monopólio de certas atividades e o controle de certas configurações de trabalho; b) a arena da opinião pública, onde as profissões constroem imagens que podem influenciar e que pressionam o reconhecimento legal e c) a arena do espaço do trabalho.

No documento O SECRETÁRIO EXECUTIVO COMO (páginas 125-140)