• Nenhum resultado encontrado

2.7 O Ministério Público Brasileiro

2.7.7 As mudanças a partir da Constituição de

Nos anos 80, após o período militar, a sociedade brasileira estava mobilizada e exigindo uma nova realidade institucional que resultou na elaboração de nova Carta Constitucional. O Congresso, reunido em Assembléia Nacional Constituinte, no dia 5 de outubro de 1988, promulga a sétima Constituição Brasileira. Esta tinha, em seus dispositivos, o objetivo de garantir aos cidadãos brasileiros os direitos políticos, sociais e civis típicos de um país democrático.

De acordo com Capanema (2004), esta Constituição vem expressar a esperança de um povo que acredita poder recobrar valores democráticos que rejeitam o déficit de cidadania

historicamente construído, pois teve como intenção a universalização da cidadania e a promoção de direitos civis e humanos que até então para boa parcela da população brasileira se encontravam adiados. Como mostra a autora, a Constituição Federal de 1988: “[...] teve a intenção, [...], de lutar contra os bolsões de miséria e a favor do homem brasileiro sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, em suma, sem cidadania. (CAPANEMA, 2004, p. 37)

Segundo com Lopes (2000), a atual Constituição possibilita a existência de estruturas institucionais organizadas para defender os interesses públicos e funcionar com autonomia. Assim, tem-se um Estado formado por um conjunto de instituições que são agentes promotoras da defesa dos direitos coletivos e/ou individuais, que a partir da concepção de bem-estar social advogam para que se faça cumprir o que dispõe o texto constitucional, expressão concreta da soberania popular e pressuposto primeiro da democracia. No texto constitucional da Constituição de 1988, pela primeira vez o Ministério Público passa a figurar como uma das instituições que tem o papel precípuo de proteção e defesa dos direitos constitucionais:

O Ministério Público é a instituição do Estado cuja finalidade é a fiscalização da efetividade das leis. Cabe ao mesmo verificar se a legislação está sendo obedecida e, em caso contrário, provocar (geralmente através do Poder Judiciário) os órgãos do Estado dotados da incumbência de obrigar seu cumprimento. É neste sentido que o Ministério Público promove a aplicação das leis, a fim de que suas normas estejam presentes nas relações sociais e não apenas nos textos legais. (LOPES, 2000, p. 32)

Na visão de Mazzilli (2005), no texto constitucional de 1988 o Ministério Público passa a ter uma nova conceituação, que corresponde ao estabelecimento de sua autonomia em relação aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; às funções a serem desempenhadas pelo mesmo e aos instrumentos usados para o desempenho de sua atuação funcional.

[...] Na Lei Maior vigente, o Ministério Público foi erigido a uma posição até então jamais alcançada, com garantias de Poder de Estado, sendo votado ao zelo do próprio regime democrático, à promoção privativa da ação penal pública, à defesa dos interesses difusos e coletivos, do patrimônio público e social e de outros interesses da coletividade. (MAZZILLI, 2005, p. 25)

Lopes (2000) reforça que o Ministério Público Brasileiro, a partir da Constituição de 1988, se caracteriza como uma instituição pública não-estatal que não está subordinada a nenhum dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Esta instituição se estrutura em princípios que irão garantir a sua autonomia administrativa, apesar de suas atividades, na

maioria das vezes estarem vinculadas ao Poder Judiciário. Nunes Júnior (2004) ratifica também que o Ministério Público está num papel social peculiar, pois, ao atuar como advogado da sociedade, muitas vezes precisa agir contra o próprio Estado do qual é parte.

Segundo Lopes (2000), a autonomia do Ministério Público está representada em três diferentes esferas. São elas: diretiva, estrutural e funcional. A primeira diz respeito à ocupação dos cargos de chefia da instituição, seja na esfera da União ou no âmbito dos Estados, Distrito Federal e Territórios, onde os Poderes Executivo e Legislativo compartilham a responsabilidade desta nomeação e, quando necessária, a destituição.

Essa autonomia diretiva está prevista no artigo 128, §§ 1º a 4º que dispõem: o Ministério Público terá como chefe na União o Procurador-Geral da República, e dos Estados, Distrito Federal e Territórios o Procurador-Geral de Justiça. Os mesmos deverão ser indicados, respectivamente, pelos chefes do Poder Executivo (Presidente da República e Governadores) e deverão ser submetidos à aprovação da maioria absoluta do Poder Legislativo (Senado Federal e Câmara Legislativa), ressaltando-se que, no caso específico dos Estados, Distrito Federal e Territórios, o Governador deverá fazer a indicação do Procurador- Geral a partir de uma lista tríplice, composta pelos integrantes de carreira.

Em qualquer uma das esferas, os chefes ocuparão os cargos pelo período de dois anos, permitindo uma recondução. Neste sentido, a destituição do chefe do Ministério Público da União e demais esferas dependerá dos mesmos que os instituirão. A autonomia diretiva em questão sugere que a mesma, neste caso, é relativa, uma vez que depende da aprovação tanto do poder executivo quanto do legislativo.

Quanto à autonomia do Ministério Público no aspecto estrutural, ela está relacionada à sua iniciativa legislativa no campo administrativo e financeiro. A primeira corresponde ao que estabelece o artigo 127, § 2º, quando atribui poder aos Procuradores-Gerais para proporem ao Legislativo as leis que irão dispor sobre: a criação, e a extinção de cargos e serviços auxiliares; os critérios usados nos processos seletivos para a ocupação das funções; o formato das políticas de remuneração; os planos de carreira; sua organização e funcionamento. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). Sua autonomia financeira está prevista no artigo 127, § 3º que estabelece que a instituição deverá elaborar a sua proposta orçamentária, tendo como parâmetro a lei de diretrizes orçamentárias.

Já a esfera funcional se refere à desvinculação do Ministério Público dos três Poderes de Estado, pois este se encontra institucionalmente independente do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, não deixando que suas funções se confundam com as dos três Poderes, portanto, é uma instituição pública de função não-estatal, disposição clara feita no artigo 129 da Constituição Federal de 1988. Cabe citar o que diz Lopes (2000), ao comentar a autonomia conquistada pelo Ministério Público com a Carta Magna de 1988:

A conjugação destes três fatores – a diversificação de investidura do chefe [...] da instituição [...]; a iniciativa de auto-estruturação [...] e a ausência de vinculação funcional [...] a qualquer dos Poderes estatais [...] – conforma uma situação institucional de independência do Ministério Público em relação ao Estado, ainda que provenha do mesmo. Esta independência fica mais evidente no cotejo de seus aspectos relacionados com os formatos apresentados em outros países ou na história constitucional brasileira. (LOPES, 2000, p. 41)

Importante ressaltar o que dispõe o artigo 129, incisos I e II da Constituição Federal de 1988 quando define como uma das principais funções institucionais do Ministério Público: “promover privativamente a ação penal pública” e “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”. Este artigo deixa evidente a importante função social que esta instituição assume na “defesa da ordem jurídica”, “do regime democrático” e dos “interesses individuais e sociais indisponíveis”. (artigo 1º).

Segundo Moraes (2006), o texto Constitucional que compõe o artigo 129 define o Ministério Público como o verdadeiro guardião dos direitos da sociedade. A Constituição Federal de 1988, por meio do referido artigo, pontua os diferentes campos de atuação desta instituição. A partir disso, define que o órgão assume no texto Constitucional, o papel de defensor da sociedade no campo da ação penal pública e em outros campos que a Lei tenha lhe conferido funções para atuar, de modo compatível com sua finalidade constitucional. À instituição são conferidas neste momento histórico independência e autonomia, para defender e proteger os interesses individuais indisponíveis do cidadão, garantir e fiscalizar o cumprimento do princípio da separação dos Poderes e assegurar, juntamente com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a efetividade dos direitos garantidos constitucionalmente ao individuo.

Bulos (2005), ao comentar o inciso II do artigo 129 da Constituição Federal de 1988, mostra que, sendo a educação um dos direitos fundamentais indisponíveis do individuo, cabe

ao Ministério Público a função de fiscalizar a promoção efetiva deste direito, para garantir o exercício pleno da cidadania educacional. Portanto, é atribuído a esta instituição poderes para fiscalizar e propor medidas judiciais que tenham como objetivo assegurar a inviolabilidade do direito a educação. Dessa forma, ao Ministério Público cabe o dever de advogar a favor daqueles aos quais este direito é atribuído como uma necessidade básica que não pode ser em hipótese alguma renunciado, negligenciado ou negociado em forma de concessões, pois é direito de natureza indisponível.

De acordo com a Constituição Brasileira de 1988, o artigo 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e sociais estabelece que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade [...]”. Apesar de as constituições anteriores garantirem os direitos individuais, nenhuma delas fora tão incisiva e ampla quanto ao alcance desses direitos. Sobretudo, nos textos constitucionais anteriores não havia a definição do papel atribuído ao Ministério Público, como defensor destes direitos e garantias.

No artigo 6º, “São direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”; no artigo 205, “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Assim, cabe destacar o artigo 208 da Constituição Federal de 1988 que dispõe, em seus incisos I, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino fundamental; III, atendimento educacional adequado aos portadores de necessidades especiais; VI, oferta de ensino noturno regular e a adequação do mesmo visando atender as necessidades do educando e § 1º quando afirma que a educação gratuita e obrigatória é um direito público subjetivo.

Para a garantia dos dispositivos constitucionais, o artigo 127 dispõe: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Esse artigo representa avanço do processo de democratização brasileira, tanto

em relação às conquistas institucionais do Ministério Público, visto que este passa a representar um forte instrumento de defesa e garantia dos direitos constitucionais, como também no que diz respeito às questões relacionadas à defesa da educação como um dos direitos subjetivos e indisponíveis do individuo.“[...] nenhum outro direito social, de todos os previstos na Constituição Federal de 1988, recebeu tratamento tão cuidadoso como o referente à educação, podendo ser considerado o primeiro e mais importante dos direitos sociais.” (MEDEIROS, 2001, p. 28)

A Constituição Federal de 1988 previu mudanças significativas relacionadas à educação brasileira. Pela Carta Constitucional, o Estado brasileiro deveria se responsabilizar pela oferta gratuita da educação básica e de qualidade para toda a sua população, esteja o educando dentro ou fora da idade própria deste nível escolar. Segundo Pinheiro (2001), apesar de a Constituição de 1988 apresentar suas limitações, é uma carta mesclada de avanços e retrocessos. Em determinados momentos, representa o lado atrasado da sociedade, em outros aspectos, diz respeito a uma sociedade democrática e moderna. Pode-se, portanto, dizer que dentro desta segunda realidade está o Ministério Público.

A Constituição declarou ainda, no artigo 214, que o Plano Nacional de Educação terá duração de dez anos e tem a função de proporcionar o desenvolvimento do ensino com os seguintes objetivos: erradicação do analfabetismo; universalização do atendimento escolar; melhoria da qualidade do ensino; formação para o trabalho e promoção humanística, científica e tecnológica do país.

Como resultado previsto pela Constituição Federal de 1988, que estabelece leis gerais para estruturação e manutenção do sistema educacional brasileiro, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Esta lei busca suprir as necessidades e deficiências educacionais do país. Trata-se de um documento que orienta toda a educação nacional em todos os níveis e modalidades de ensino.

O texto da LDB foi estruturado a partir dos princípios constitucionais e democráticos que visavam garantir o cumprimento dos dispositivos que asseguram a educação como direito de todos e um dever do Estado e da família. Saviani (2003) observa que, se esta Lei se propõe a fixar as Diretrizes e Bases para o sistema de educação brasileira, cabe a ela traçar os

caminhos que deverão ser seguidos para que os fins adequados sejam alcançados. Entretanto, segundo o autor:

Uma outra vez deixamos escapar a oportunidade de traçar as coordenadas e criar os mecanismos que viabilizassem a construção de um sistema nacional de educação aberto, abrangente, sólido e adequado às necessidades e aspirações da população brasileira em seu conjunto. (SAVIANI, 2003, p. 229)

Para que as conquistas sociais sejam garantidas, é necessário realizar o que Saviani (2003) propõe: que a sociedade organizada exerça uma resistência ativa que possibilite a superação dos entraves no campo educacional. Reforça a idéia da educação como possibilidade concreta para a realização da cidadania, Medeiros (2001) esclarece que: “O desafio brasileiro na atualidade, [...] é formar uma sociedade democrática, desenvolvida social e economicamente, projeto que se revela impossível de se alcançar, sem a base de educação e cultura dos indivíduos que a compõe.” (MEDEIROS, 2001, p. 12)

O direito à educação é consenso entre os especialistas que pensam a mudança social a partir da estruturação de um sistema educacional que possibilite igualdade de oportunidades para o acesso e a permanência de todo individuo na educação formal. A educação é percebida como o eixo norteador das transformações que deverão formar um ser humano que aprenda a ser, a conviver, a aprender a aprender e aprender a fazer.

Os artigos constitucionais garantem a existência da responsabilidade e a obrigação do Estado para a garantia do direito à educação para os diferentes segmentos da população que no decorrer de diversos momentos históricos foram excluídos do direito ao saber; além disso, a Constituição Federal de 1988 designou ao Ministério Público, a missão de defender e proteger a efetivação desses direitos.

Assim como a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também, ao pensar nas condições legais que possibilitassem a formação de um individuo-cidadão, dispensou sete artigos que contemplam o direito à educação. A partir de uma nova dinâmica entre os direitos previstos legalmente e a promoção desses direitos a educação vem a assumir um novo papel nos diferentes âmbitos das relações sociais. (ARANTES, 2003)

Segundo Garrido de Paula (2001), o ECA representa um conjunto de dispositivos legais que tem como objetivo defender os interesses da criança e do adolescente, pois estes foram reconhecidos constitucionalmente como portadores de direitos juridicamente protegidos. Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, como conseqüência natural do que prevê a Constituição Federal de 1988, representa um importante instrumento de transformação social. Nesta realidade o Ministério Público tem a atribuição de proteger os direitos indisponíveis e fundamentais da criança e do adolescente, por meio de ações judiciais ou extrajudiciais, quando estes estiverem ameaçados de violação.

Ao analisar a Constituição Federal de 1988, Lopes (2000) entende que a estrutura do Ministério Público representa um dos principais instrumentos que fundamentam um Estado democrático de direito, pois os indivíduos que têm seus direitos violados ou ameaçados, de acordo com autor: “[...] tenderiam a depender do Ministério Público para sua postulação e conseqüente instauração do litígio indispensável à atuação do judiciário.” (LOPES, 2000, p. 35). No caso específico do direito à educação, se estabelece uma conexão entre a justiça na educação prevista pelos textos legais e o Ministério Público como instituição responsável por defender o acesso a esses direitos aos diferentes segmentos da população.

O novo estatuto constitucional designado ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988, remete ao pensamento de Bobbio (1992) quando pensa que na atualidade os direitos do homem devem permear discussões referentes não apenas às questão relacionadas aos enunciados legais, pois estes são apenas resultado das argumentações que justificam a necessidade dos mesmos, mas de se empenhar em pensar em promover mecanismos eficazes para a proteção e promoção efetiva destes direitos, pois os fins propostos pelos textos legais não podem estar desvinculados dos meios adequados para que estes fins sejam concretizados. Como mostra o autor:

[...] Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. [...]. (BOBBIO, 1992, p. 25)

Certamente está na vigilância diária da sociedade civil e nos mecanismos de lutas que ela cria, a possibilidade de garantia desses direitos conquistados. Para isso, o Ministério Público é de fundamental importância como órgão de divulgação, regulação, fiscalização e propriamente, espaço que serve de arena no confronto das argumentações em conflitos.