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A percepção de alunos e professores do ensino médio sobre a atuação do Ministério Público na defesa do direito à educação

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Academic year: 2017

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A PERCEPÇÃO DE ALUNOS E PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO

SOBRE A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DO

DIREITO À EDUCAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Clélia de Freitas Capanema

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percepção de alunos e professores do ensino médio sobre a atuação do Ministério Público na defesa do direito à educação”, requisito básico para a obtenção do grau de Mestre em Educação, defendida e aprovada, em...pela banca examinadora constituída por:

_________________________________________ Profª. Drª. Clélia de Freitas Capanema

_____________________________________________________________ Profª. Drª. Mônica Jacqueline Sifuentes Pacheco de Medeiros

_______________________________________________ Prof. Dr. Candido Alberto da Costa Gomes

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AGRADECIMENTOS

Nossas conquistas são construções coletivas que resultam de um trabalho conjunto, portanto, quero neste momento de finalização de esforços para a obtenção do título de mestre em educação resgatar em forma de agradecimento àqueles que de alguma forma fizeram parte do esforço coletivo que me proporcionou pensar a conquista deste título como uma possibilidade real.

Meu pai Carlos Roberto de Bezerril Maia porque te tenho e te percebo em todos os meus momentos felizes e tristes, de fracassos e de conquistas. Pai, ao longo de nosso convívio tu me ensinaste que nossos sonhos podem se concretizar quando nos dispomos a conhecer as possibilidades que temos para realizá-los, e assim torná-los realidade.

Meu marido João Bosco Carbonesi, duas décadas de convívio já configuram uma história conjunta. A você agradeço o incentivo e o estímulo na trajetória da construção da minha vida. A você devo o importante aprendizado que é conhecer o ser humano nas diversas possibilidades e dimensões.

Às minhas irmãs Mª de Fátima, Mª Leonor e Mª da Conceição, por mais distante que vocês se encontrem geográfica e fisicamente, espiritualmente sempre senti que estavam próximas de mim. Sei que em todas as etapas deste trabalho torceram pelo meu sucesso, e tenho certeza que comemoram junto comigo este momento tão especial. Sempre as percebo nos meus pensamentos quando busco entender qual seria a melhor forma de me conduzir na vida. Obrigada por serem quem são.

Aos meus irmãos Pedro Paulo e Luis Carlos, por meio de vocês, tive a oportunidade de conhecer como pode se construir o amor entre irmãos. Obrigada por existirem e fazerem parte da minha vida.

À minha orientadora Profª. Drª. Clélia Capanema pela confiança depositada em meu trabalho e pela satisfação que demonstrou, quando pedi que fosse minha orientadora. Professora, nossas vidas são feitas de etapas e fatos que podem ou não serem eternizados. Nesta etapa que concluo, quero que a senhora saiba que foi eternizada na minha trajetória de vida acadêmica e pessoal, pois no decorrer de nosso convívio, entre tantos conhecimentos compartilhados e tantas aulas de aprendizado, a senhora me fez compreender que a educação é um processo coletivo de produção de saber, que se assemelha às águas de um rio que correm sem perecer. Obrigada, por existir e ter feito parte deste caminho.

Ao Prof. Dr. Candido Gomes, pelo entusiasmo com o qual me ensinou que a busca do conhecimento é um processo que proporciona meios e possibilidades para a construção e compreensão de múltiplas realidades. Professor, ao concluir os meus esforços para a finalização deste trabalho, quero que saiba, que no decorrer desta construção, o senhor foi em vários momentos o porto seguro, no qual sempre tive a certeza que poderia buscar o rumo correto para continuar. Cada um dos nossos encontros e aulas me possibilitou grande parte do crescimento acadêmico que resultou neste trabalho. Obrigada!

Profª. Drª. Mônica Sifuentes, por ter aceito o convite para compor a banca examinadora desta dissertação de mestrado e principalmente pelas valiosas contribuições dadas em forma de sugestões que foram incorporadas para a edificação deste trabalho.

Rachel Bernardes, querida colega, neste momento de tanta alegria, pois tenho a sensação de dever cumprido, gostaria de relembrar como foi importante nesta caminhada ter encontrado alguém como tu. E mais ainda, quero que saibas que nunca me esquecerei que o tema desta dissertação tem um pouco de ti, pois foste tu, que varias vezes, de forma tão solidária te ofereceste para discutir o mesmo comigo.

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companheiras de disciplina, e, muito além disso, as amigas que precisava encontrar, para que estes momentos mágicos e ao mesmo tempo angustiantes fossem vividos com suavidade.

Helder Bueno, colega dos momentos de aflição. Quantos telefonemas, reclamações e questionamentos te fiz! Por isso, neste momento, ao pensar neste trabalho como um esforço coletivo, encontro, o Helder solícito e descontraído, que, ao responder minhas ligações, ao ouvir minhas reclamações e tentar responder meus questionamentos se tornou também colaborador do que hoje chamo de minha dissertação.

Gustavo Tom, sabe quando alguém diz que a luz apareceu no fim do túnel? Pois é, assim comparo o que fizeste por mim quando me mostraste que seria tão fácil fazer a copilação dos meus dados para a análise da minha pesquisa de campo. Portanto, se consegui finalizar este trabalho de modo tão satisfatório, foi porque também pude contar com a tua preciosa colaboração.

À PROEDUC, pela receptividade e disponibilidade que demonstrou ter para com a coleta de dados na realização desta pesquisa. A colaboração da Promotoria foi de fundamental importância para que os objetivos propostos por este trabalho fossem alcançados.

Aos ex-conselheiros do Conselho de Educação do Distrito Federal, pela atenção dispensada a este trabalho, pois, ao terem concedido a coleta de dados por meio da entrevista, possibilitaram a construção de boa parte do conhecimento necessário para a compreensão do objeto de pesquisa proposto.

Aos professores, à direção e aos alunos da escola investigada, parte tão importante na construção da realidade empírica deste trabalho.

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“É preferível a angústia da busca à falsa paz da acomodação”.

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Resumo

Este trabalho de pesquisa teve como objetivo identificar qual a percepção que alunos e professores do ensino médio da Rede Pública de ensino do Distrito Federal têm sobre a atuação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – Promotoria de Justiça de Defesa da educação - PROEDUC na defesa do direito à educação. Assim, procurou-se identificar quais são as situações mais recorrentes e que exigem a interferência da Promotoria de Defesa da Educação junto às escolas; que tipo de relação se estabelece entre a PROEDUC e o Conselho de Educação do Distrito Federal e como a Promotoria percebe as condições de trabalho em que concretiza suas atribuições. A perspectiva metodológica foi o estudo de caso a partir da abordagem qualitativa. Para isto, ficou definido o caráter exploratório por meio da realização de pesquisa de campo. Os sujeitos representativos definidos para coleta de dados foram os professores (as), o diretor (a), os alunos (as), a Promotoria e dois ex-conselheiros do Conselho de Educação do Distrito Federal. Para a coleta de dados foram utilizadas fontes primárias e secundárias. Para coletar dados primários utilizou-se a técnica de entrevista semi-estruturada com os professores, a direção, a Promotoria e os ex-conselheiros. Para coletar dados com os alunos, optou-se pela aplicação de questionários. Como segundo tipo de fonte foram utilizados documentos e referências bibliográficas pertinentes à compreensão do objeto de pesquisa. Quanto à organização, o trabalho se divide em quatro capítulos. O primeiro capítulo está composto pelo problema de pesquisa e os objetivos que nortearam este trabalho. No segundo, foi desenvolvida a revisão de literatura sobre os conceitos de direitos humanos, cidadania, democracia, sociedade civil e instituições, um breve resgate das raízes históricas do Ministério Público mundial e no Brasil e a caracterização da Promotoria de Defesa da Educação do Distrito Federal. No terceiro capítulo estão os procedimentos metodológicos usados na pesquisa e o cronograma de trabalho e o quarto capítulo se compõe da análise dos dados coletados pela pesquisa de campo e da articulação entre o quadro teórico e a realidade apreendida. A finalidade era articular a pesquisa teórica à realidade empírica para confrontar os dados e construir melhor percepção sobre o objeto em estudo. Finalmente, nas considerações finais apresentam-se alguns resultados da pesquisa realizada. Na finalização ficou reconhecido que a comunidade escolar percebe a existência do Ministério Público, mas não sabe qual é sua função na sociedade. Mais importante ainda é perceber que a comunidade não reconhece a missão da PROEDUC e desconhece sua finalidade. Sobretudo, é preocupante perceber que na sociedade brasileira que se pretende moderna e democrática, sua população desconhece os mecanismos e as instituições que a defendem e lhes garantem direitos sociais que fundamentam o exercício da cidadania.

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Abstract

This research aims at identifying the assessment that secondary pupils and teachers on the Federal District have over the actions carried out by the PUBLIC ATTORNEY’s OFFICE of the Federal District and Territories and the PUBLIC ATTORNEY OF EDUCATION (PROEDUC), standing up for the right of education. Thus, an attempt to identify the most recurrent situations that demand PROEDUC’s interference in schools and how PROEDUC evaluates the working conditions in which its actions are based upon. The methodological perspective was the case study starting qualitative approach. Consequently, the exploratory character was set by means of accomplishing a field research. The representative subjects selected for data collection have been teachers, the principal, the pupils, PROEDUC and two former members of the Council of Education of the Federal District. Primary and Secondary sources have been used for data collection. Semi-structured interview to teachers, staff, PROEDUC and former Council Members were used for data collection, questionnaires were used. Documents and bibliography reference pertinent to this research have been used as secondary sources. As for the organization, this research is set into four chapters. The first chapter is composed by research setbacks and goals that inspired this project. In the second chapter, a review on the literature about the concept of human rights, citizenship, democracy, civil society and institutions as well as a brief revision of the roots of THE PUBLIC ATTORNEY’s OFFICE in the world and in Brazil and the characterization of PROEDUC was developed. The third chapter contains the methodological procedures used in the research and work chronogram and the fourth chapter is composed by the analysis of data collected during the field research and the articulation of theoretical research and the empiric reality to confront the data and establish a deeper perception on the object of study. Finally, some research results are shown during final considerations. It has been assumed that the school community realizes the existence of the PUBLIC ATTORNEY’s OFFICE, but is unaware about its role in the society. Even more important is the realization that the community ignores PROEDUC’s assignment and purpose. Above all, the concerning perception that Brazilian society that intends to be modern and democratic, its population ignores the mechanisms and institutions that stand up for their rights and their social rights that fundament the exercise of citizenship.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...11

JUSTIFICATIVA ...14

CAPÍTULO I ...16

O PROBLEMA...16

1.1 Objetivo Geral ...19

1.2 Objetivos Específicos...19

CAPÍTULO II...20

REVISÃO DA LITERATURA ...20

2.1 Direitos Humanos: um conceito ampliado historicamente...21

2. 2 Cidadania: um conceito em construção...26

2. 3 Democracia, estado e poder ...31

2. 4 Sociedade civil e poder: a democracia como estado de participação...39

2. 5 As instituições e as práticas sociais ...46

2. 6 O Ministério Público e os diferentes cenários históricos...50

2. 7 O Ministério Público Brasileiro ...53

2. 7. 1 Constituição Brasileira de 1824...57

2. 7. 2 Constituição Brasileira de 1891...59

2. 7. 3 Constituição Brasileira de 1934...61

2. 7. 4 Constituição Brasileira de 1937...64

2. 7. 5 Constituição Brasileira de 1946...66

2. 7. 6 Constituição Brasileira de 1967...68

2. 7. 7 Constituição Brasileira de 1988...70

2. 8 Caracterização: Promotoria de Justiça de Defesa da Educação – PROEDUC ...78

CAPÍTULO III ...85

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...85

CAPÍTULO IV...90

ANÁLISE DOS DADOS: MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE A ATUAÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA EDUCAÇÃO NO DISTRITO FEDERAL ...90

4. 1 Promotoria de Educação: um olhar institucional...90

4. 2 Conselho de Educação e Ministério Público: uma relação possível, uma aliança a se construir ...98

4. 3 A visão dos professores sobre a atuação da PROEDUC: a atuação que separa e a realidade que os une ...106

4. 4 A percepção da gestão escolar sobre a atuação da PROEDUC: a orientação que surge dos autos e se perde nos fatos ...116

4. 5 A visão do aluno sobre a atuação da PROEDUC: a distância entre o real e o ideal ...121

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REFERÊNCIAS ...133 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA ...143 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFESSORES (AS) E DIRETORA DA ESCOLA PESQUISADA ...146 APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROMOTORA DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA EDUCAÇÃO ...148 APÊNDICE D – ROTEIRO DE ENTREVISTA – EX-CONSELHEIRO DO

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INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas a sociedade brasileira pareceu acordar de um sono profundo, despertou o olhar para si mesma e se percebeu como uma estrutura social diversa em que todos os indivíduos deveriam convergir esforços no sentido de construir realidades e situações de bem-estar coletivo. A partir desta visão, começou-se a pensar em termos de políticas afirmativas que tinham como objetivo promover, cada vez mais, a garantia dos direitos individuais e coletivos da pessoa humana como: a emancipação da mulher e a sua cidadania; o reconhecimento dos homossexuais como categoria social e seus direitos; a importância da cultura negra na formação do país; atenção à questão indígena e a proteção às crianças, aos adolescentes, ao idoso e aos portadores de necessidades especiais.

A partir da Carta Constitucional de 1988, a sociedade brasileira pensou ser capaz de construir relações sociais justas, com base nos direitos que visam à realização da cidadania na luta pela justiça social e superação das desigualdades e preconceitos, animou o coletivo a desenvolver mecanismos de controle e fiscalização das práticas do Estado e do cidadão. Neste contexto, o Ministério Público se destacou como um órgão que apresenta uma complexa e importante atuação, pois tem como missão defender e resguardar o direito do cidadão. A partir da sua existência constitucional, o Ministério Público se consolidou como o defensor legal dos mais variados interesses públicos.

A Constituição brasileira de 1988, no seu artigo 6º, prescreve: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. No seu artigo 127, referente à função do Ministério Público, dispõe que: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. A partir disso, o Ministério Público se afirmava na defesa dos interesses sociais do cidadão, dos quais um deles é a educação, direito subjetivo e indisponível do individuo. Ao comentar o artigo 127 da Constituição Federal de 1988, Mazzilli (2005) escreve que:

Diante do mandamento constitucional, contido no artigo. 127, as principais

finalidades do Ministério Público consistem, pois, em defender: a) a ordem

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Assim, ressalta-se o artigo 205 quando dispõe que a educação é um direito de todos, que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e seu preparo para o exercício da cidadania. Inicia-se, portanto, uma relação direta entre a garantia do direito à educação como a possibilidade de construção de cidadania e o Ministério Público como uma instituição que tem a função de guardiã e defensora deste direito. Do ponto de vista das reformas institucionais que aconteceram a partir da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público passa a ser uma instituição de grande relevância quando a questão se refere à defesa do direito à educação.

Diante das inovações constitucionais que prevêem a universalização da cidadania, a educação é um dos direitos fundamentais para o desenvolvimento social do indivíduo no exercício da cidadania. Esta nova realidade possibilitou a criação de uma Promotoria especial destinada à defesa do direito educacional. Assim, considerando o posicionamento constitucional do Ministério Público quanto ao conjunto de suas atribuições e o que foi previsto pela Carta Magna de 1988 como direitos educacionais a serem protegidos pelo mesmo, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios cria por meio da Portaria nº56/2000 a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação – PROEDUC.

A partir disso, se verificou o importante papel que o Ministério Público, em especial a Promotoria de Defesa da Educação, assumiu como porta voz da justiça na sociedade. Assim, a reflexão da temática deste trabalho busca entender como o Ministério Público – PROEDUC frente à nova realidade educacional prevista pela Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, tem atuado como defensor constitucional do direito à educação, mediante a indisponibilidade desse direito juridicamente tutelado e como alunos e professores do ensino médio percebem esta atuação.

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construída a partir de diferentes contextos sociais e textos constitucionais nacionais. Neste capítulo ainda foi realizado a caracterização da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação para a compreensão do seu campo de atuação e de suas funções no âmbito educacional no Distrito Federal.

No terceiro capítulo estão alinhavados os pressupostos teóricos que possibilitaram a estruturação dos procedimentos metodológicos usados na construção deste trabalho. De acordo com os objetivos propostos houve coleta de dados primários e secundários.

No quarto capítulo estão disponíveis as informações obtidas durante pesquisa de campo realizada durante o período de novembro a dezembro de 2007. A pesquisa foi realizada na PROEDUC, com uma promotora; na escola de ensino médio do Distrito Federal, com professores, diretora e alunos e com dois ex-conselheiros do Conselho de Educação do Distrito Federal. O foco de reflexão centrou-se na visão que a promotoria tem de si mesmo como instituição; como ex-conselheiros do Conselho de Educação do Distrito Federal percebem o canal de comunicação que se estabelece entre o Conselho de Educação, como órgão normativo e a PROEDUC, como instituição fiscalizadora do cumprimento das normas e qual a percepção que os professores, a diretora e os alunos da escola investigada têm sobre a atuação da Promotoria na defesa do direito à educação.

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JUSTIFICATIVA

O interesse de investigar a percepção que professores e alunos do ensino médio têm sobre a atuação do Ministério Público surgiu a partir da necessidade profissional docente de se entender como esta instituição desempenha seu papel de agente defensor dos interesses sociais e em especial da educação. Deste decorreu a idéia de construção do objeto de pesquisa: identificar a percepção de professores e alunos do ensino médio sobre a atuação do Ministério Público. Pela Constituição Federal de 1988, o ensino fundamental é responsabilidade do Estado e a educação básica um direito de todos.

As condições de oferta de serviços educacionais prestados pelos empresários e pelo Estado e a aquisição dos serviços pelos jovens geram situações que muitas vezes deságuam em conflitos, em interpretações diversas, em práticas e atividades distintas. Também no desenvolvimento da prática pedagógica, tanto nas instituições educacionais públicas, quanto nas privadas, surgem situações nas relações de aprendizagem e vivências nos ambientes educacionais que requerem uma mediação institucional. Assim, orientar e fiscalizar essas relações será uma das atribuições do Ministério Público? Como? Se o Ministério Público realiza suas funções, como professores e alunos percebem essa atuação? Quais os instrumentos que possui para realizar suas funções? Somente a prática da pesquisa orientada pôde trazer luz à construção desse cotidiano desenvolvido com a participação da escola pesquisada, dos ex-conselheiros do Conselho de Educação do Distrito Federal e da Promotoria de Defesa da Educação.

Muitas questões encontravam-se sem respostas, mas, certamente, as explicações que nos faltavam foram conhecidas ao se acompanhar sistematicamente algumas das situações e o modo como o Ministério Público atua sobre elas. De certo, podemos pensar que este tem um compromisso firmado com a sociedade e o Estado, no sentido de garantir os direitos constitucionais dos indivíduos que participam da construção do país e, em especial, garantir os direitos individuais dos cidadãos à educação básica de qualidade oferecida pelo Estado ou pela iniciativa privada. Por meio da pesquisa foi possível trazer à luz a natureza das práticas desse órgão e a percepção da comunidade escolar sobre suas atuações.

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situações educacionais com que o Ministério Público se defronta? Que tipo de decisões toma? Contra quem pode advogar e para quem advoga? Quem procura os seus serviços? Como a escola vê a atuação do Ministério Público? Como este vê a escola? Como funciona a relação entre a escola e esta instituição?

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CAPÍTULO I

O PROBLEMA

Nas últimas décadas, o Brasil promoveu e sofreu grandes mudanças nos campos diversos das atividades humanas. Entretanto, em áreas vitais e históricas, ainda há a necessidade de se promover transformações significativas. Umas dessas áreas é a educação. Na década de 1990, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura - UNESCO, preocupada com as influências da globalização nos países com baixo índice de escolaridade e elevada concentração de renda, definiu algumas metas a serem alcançadas pelos respectivos Estados nas primeiras décadas do século XXI. Desse modo, era preciso tomar algumas providências no sentido de responder ao compromisso entre o governo brasileiro e a UNESCO, na perspectiva de que o Estado se empenharia na transformação qualitativa e quantitativa do sistema educacional do Brasil.

Este compromisso de certa forma já estava calcado nas mudanças previstas pela Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 1996 - LDB/96. Pela Carta Constitucional, o Estado brasileiro deveria se responsabilizar em ofertar educação básica gratuita à sua população. Para isso, dispensou atenção especial ao formular nove artigos referentes aos cuidados com a educação nacional.

Medeiros (2001) afirma que o texto constitucional de 1988, no seu artigo 208, evidencia a idéia de estruturar a educação brasileira a partir de princípios democráticos. Assim, ao tratar a educação como um direito de todos e um dever do Estado parece buscar a superação das desigualdades sociais e físicas dos cidadãos brasileiros no âmbito educacional. Entretanto, entende que o processo de democratização do ensino e a superação das desigualdades entre os educandos não se efetivarão apenas com os dispositivos constitucionais, pois, segundo a autora: “Resta saber, portanto, se há mecanismos adequados à sua proteção ou se se trata de mais uma previsão normativa fadada a continuar ilustrando os compêndios e manuais do Direito Constitucional.” (MEDEIROS, 2001, p. 8)

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recursos orçamentários e verbas públicas que são destinadas à educação e, sobretudo, garantir a prática efetiva dos direitos dos cidadãos referentes ao acesso e à permanência da criança e do adolescente nas redes públicas de ensino.

O Ministério Público tem como papel defender os direitos dos cidadãos, atendendo aos mais variados apelos da sociedade referentes ao exercício das atividades educacionais. No momento em que a sociedade brasileira avança em conquistas democráticas, ao proporcionar meios de inclusão a parcelas significativa da população antes excluídas do exercício de cidadania, é importante acompanhar como uma instituição que tem a função de proteger um direito fundamental como a educação desenvolve suas atividades e desempenha sua missão.

De acordo com Libâneo (2003), o debate qualidade/quantidade na educação brasileira passou por diferentes estágios históricos e, portanto, por diferentes realidades socioeconômicas. Este vem sendo abordado desde o processo de transição política do Império para República no século XIX até os dias atuais, em que a preocupação seria a de preparar o indivíduo com competências e habilidades para a sua participação na vida social, política e econômica do país e não apenas para atender aos critérios mercadológicos de competitividade de consumo, que sustentam o paradigma neoliberal de exclusão.

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Como mostra Carvalho (2005), a sociedade brasileira depois de ter percorrido um longo caminho até à conquista da cidadania, parece encontrar-se ainda diante de uma encruzilhada no que se refere à construção do cidadão brasileiro. Neste cenário social globalizado, o brasileiro parece não ter certeza se é mais importante ser consumidor ou ser cidadão participativo.

De acordo com Callage Neto (2002), o Brasil é um país em que 2/3 da sua população vivem na expectativa de um dia serem portadores de direitos fundamentais que ainda permanecem adiados. Portanto, com o objetivo de mudar a realidade social, favorecendo a inclusão política e social, a existência do Ministério Público é fundamental como uma instituição social munida legalmente dos instrumentos necessários para exercer seu papel de defensora e fazer valer os direitos do cidadão.

A realidade social brasileira é marcada pela desigualdade social. Isto gera conflitos entre os diferentes grupos sociais, produzindo, além disso, pobreza, doença e ignorância, assinalando o que Marx (1982) chamou de existência alienada. Por esta razão, vale enfatizar o que diz Nalini (2004), quando mostra que muitas vezes não é por falta de advogado que o excluído não chega ao Judiciário, mas, sim, por desconhecer seus próprios direitos, visto que uma significativa parcela dos brasileiros vivem vidas indignas quanto à saúde, à alimentação, à moradia e à educação:

[...] Para aqueles que se vêem diante da irrecusável necessidade de lutar por um prato de comida, por um pequeno espaço tranqüilo para dormir, recorrer à Justiça humana parece algo irrealizável, sofisticado e inteiramente ficcional. (NALINI, 2004, p. 14)

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considerar, de forma crítica, os principais problemas e perspectivas do Ministério Público moderno.” (MAZZILLI, 2005, p. 28)

Diante do que foi exposto, nos importa conhecer a percepção que alunos e professores do ensino médio têm sobre a atuação do Ministério Público - Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (PROEDUC), como órgão compromissado com a proteção do direito fundamental à educação. Conhecer as ações do Ministério Público é importante a partir do momento em que se considera relevante reconhecer a existência do cidadão e a possibilidade de fortalecimento do sentimento e do exercício da cidadania por meio do processo educativo formal.

1.1Objetivo Geral

Identificar o papel institucional do Ministério Público no funcionamento do ensino do Distrito Federal.

1.2 Objetivos Específicos

Identificar as situações mais recorrentes e que exigem a interferência do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – PROEDUC junto às escolas.

Identificar o tipo de relação existente entre o Ministério Público-PROEDUC e o Conselho de Educação do Distrito Federal.

Identificar as percepções de professores e alunos quanto à atuação do Ministério Público – PROEDUC na defesa do direito à educação dos alunos do Ensino Médio.

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CAPÍTULO II

REVISÃO DA LITERATURA

Neste capítulo é feita a exploração da literatura que orienta a construção do objeto de pesquisa. Assim, considera-se importante a leitura dos fundamentos da criação do Ministério Público, como forma de saber que objetivos foram a ele propostos.

Para conhecer o Ministério Público, procurou-se discutir as noções de direitos humanos e cidadania. A partir deles surge uma série de indagações que nos motivam a conhecer a natureza das nossas normas e leis. Desse modo, é positivo voltar os olhos para uma literatura que discute os direitos humanos e a cidadania, seus alcances e limites, como meio de entender, estruturar e organizar melhor os dados sobre o objeto de pesquisa.

Outros dois conceitos fundamentais ao estudo são a noção de democracia e sociedade civil, pois nossas instituições se pautam pelos princípios e valores dos ideais democráticos. Então, o que é uma democracia? Seria apenas a junção de comunidades e indivíduos com direitos e oportunidades iguais? Se é assim, como se regulam esses direitos e se asseguram oportunidades iguais?

Nesse sentido, como forma de racionalização do saber, é também importante conhecer o conceito de instituições sociais. Para tal esforço, foi feita a leitura do pensamento de diferentes autores, para desenvolver o entendimento de que as instituições são propósitos coletivos de construir um padrão de conduta para regular as relações sociais. Neste caso, o Ministério Público possui uma forma de pensar e agir que busca nortear as ações e práticas de uma comunidade mais ampla.

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Há uma convicção de que, para que o sentimento de cidadania se concretize, é necessário educar. Assim, a construção da cidadania não se faz sem construir primeiro os espaços por onde ela possa se realizar. Neste caso, a escola é um lócus que o indivíduo tem para se constituir cidadão. A revisão de literatura é necessária na medida em que ajuda na compreensão do objeto ao permitir articular dados teóricos com a realidade empírica, pois a idéia é interpor o quadro teórico com os dados coletados na pesquisa de campo e correlacioná-los.

2.1 Direitos Humanos: um conceito ampliado historicamente

Arendt (2000), ao analisar a existência humana, estabelece a diferença entre natureza humana e condição humana. De acordo com a autora, é improvável que o homem capaz de conhecer e definir a essência natural, que cria e inventa coisas no mundo que o rodeia seja também capaz de conhecer e definir a sua própria natureza, pois desde os pensadores gregos, como Platão, as tentativas de definir a natureza humana conduziam a definições que remetiam ao sobrenatural.

Para a autora, o ser humano, independente do que realiza de forma singular, tem sua vida condicionada a tudo o que é por ele produzido ou trazido para dentro de sua existência. Será por meio deste universo artificial criado por homens, que se dará a separação entre o que é meramente animal e o que é particularmente humano. Nesses termos, os direitos humanos são indissociáveis à natureza humana e a noção de cidadania fundamentada pela condição humana, portanto, direitos adquiridos socialmente.

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De acordo com o autor, o que parecia fundamentalmente absoluto no século XVIII, oriundo de necessidades e interesses específicos, hoje pode ser visto com pouca importância. Portanto, cabe dizer também que os direitos sociais que, nas declarações de séculos anteriores nem sequer existiam, hoje são essencialmente de fundamentos absolutos. Assim, os direitos humanos podem ser pensados sobre um relativismo que se origina de um pluralismo histórico. Como diz o autor:

[...] Não é difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer podemos imaginar, [...]. O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. Não se concebe como seja possível atribuir um fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. [...]. (BOBBIO, 1992, p. 18-19)

A partir da perspectiva de Bobbio, podemos partir para o reconhecimento histórico da noção de Direitos Humanos. O conceito de direitos humanos, de acordo com Dallari (2004), tem suas raízes na obra de teatro grego - em Antígona, de Sófocles. A protagonista, contrariando as ordens do rei, deu sepultamento ao corpo de seu irmão que havia sido condenado à putrefação ao ar livre. Ao ser chamada para se pronunciar em público e justificar tal ato de desobediência às normas impostas pelo soberano, Antígona afirmou:

[...] ter tomado a decisão com base num direito muito mais antigo do que o rei e a própria sociedade, um direito cujo nascimento se perde nas origens do tempo - o direito à dignidade. (DALLARI, 2004, 26)

As sociedades contemporâneas estão pautadas em construções coletivas que desenvolveram ao longo do seu processo civilizatório a intolerância para com atitudes que são capazes de gerar discriminação, diferentes tipos de dominação, fome, miséria, analfabetismo, exploração infantil, prostituição de menores, desemprego, violência, degradação ambiental, produto das relações de dominação que se estabelecem a partir de contextos históricos específicos.

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necessariamente irá desembocar nos direitos humanos, se refere a um conjunto de direitos e necessidades que precedem os quadros normativos jurídicos de qualquer Estado.

A partir da percepção do autor podemos pensar que as transformações políticas, sociais e econômicas sofridas pelas sociedades ocidentais no decorrer do desenvolvimento histórico foram marcadas profundamente pelo novo paradigma social que se estruturou a partir da queda do modelo feudal e da ascensão do modelo capitalista. A nova formação social cujo valores eram burgueses exaltava a pessoa e sua dignidade. Os novos agentes sociais se negavam a continuar aceitando que apenas um pequeno grupo tivesse o privilégio de acesso aos direitos como: liberdade, justiça, igualdade, direitos políticos e outros.

O homem, ao deixar de lado os parâmetros divinos de justiça, assume a idéia de justiça como fundamento da condição humana. Por meio da razão, o homem passa a defender os direitos e a descobrir o seu novo lugar na sociedade e na história e, assim, percebe-se como fundador do seu próprio destino. De acordo com Chauí (1997), o homem desenvolve a concepção de que no interior de uma alma existe uma consciência reflexiva que lhe possibilita conhecer o mundo e nele o seu lugar como sujeito conhecedor e transformador. Segundo Rocha (2007), esta nova concepção sobre o homem surgiu a partir do século XV, marcando o início do chamado período jusnaturalista, ou seja, realização da justiça fundamentada no direito natural.

De acordo com Mondaini (2003), a modernidade foi marcada por revoluções que possibilitaram mudanças estruturais profundas que permitiram consolidar mais tarde a era social dos direitos. A Revolução Inglesa, no século XVII, representou a estruturação de um novo modelo político, econômico e social fundamentado nos princípios liberais. As transformações emersas deste processo foram fundamentais para a existência do que se denomina hoje “direitos humanos” e construção das bases do que se define como “cidadania”.

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instituições fundadas nos ideais de liberdade conviviam lado a lado com a instituição da escravidão, do preconceito racial e de gênero, mostrando que “(...) A cidadania e a liberdade criadas com a Independência e a Constituição estavam extremamente limitadas.” (KARNAL, 2003, p. 143)

No século XVIII, desenvolveu-se a concepção de que o homem, independente de sua condição econômica, era portador de direitos civis. Odalia (2003) explicita que a construção deste conceito tem seus primórdios nos séculos anteriores. Entretanto, será a partir da tríplice Revolução: Industrial, Francesa e Americana que este deverá avançar rumo à sua efetividade. A Revolução Francesa, iniciada em 1789, representou a expressão do desejo de uma sociedade de conquistar para todos uma convivência social justa, solidária e igualitária, que possibilitasse um estado de liberdade para todos. A partir das transformações da Revolução Francesa, se estabeleceu uma nova concepção de cidadão. Pensava-se que este cidadão poderia ter seus direitos garantidos por meio dos quadros normativos que viriam compor as leis instituídas da nação.

No entanto, os acontecimentos do século XX iriam demonstrar que os ideários humanistas pregados pelas revoluções liberais eram realidade ainda distante. A partir das duas grandes Guerras Mundiais, o mundo desperta para a crueldade, injustiça, pobreza, desigualdade, dominação, violação da dignidade humana. Entendeu-se, assim, que o governo das leis não era tão eficiente e justo como se pensava nos séculos anteriores e a Declaração dos Direitos do Homem não garantia por si só o respeito aos direitos humanos. A garantia e a defesa dos direitos humanos teriam que ser objeto de consenso universal e para isto foi criada, em 1945, a Organização das Nações Unidas – ONU.

A Carta das Nações Unidas, assinada em 26 de junho de 1945, é um documento histórico que proclama o ideal de convívio coletivo proposto a todas as nações e a todas as culturas. Este documento estabelece a construção e a defesa de valores universais comuns na busca de um convívio humano fundamentado e fortalecido por princípios de igualdade, paz, liberdade, e segurança.

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culturas, sexualidade, religião e origem ou de qualquer outra natureza. Nas considerações feitas no preâmbulo da Declaração, faz-se a afirmação e reconhecimento dos direitos universais e positivos que devem estabelecer o limiar de tolerância no convívio social entre todas as sociedades humanas. Quando se fala em promoção, controle e garantia dos direitos humanos, hoje, ressalta-se o que diz Bobbio (1992):

A quem pretenda fazer um exame despreconceituoso do desenvolvimento dos direitos humanos, depois da segunda Guerra Mundial, aconselharia este salutar exercício: ler a Declaração Universal e depois olhar em torno de si. [...] E ele terá a impressão de que a história humana, embora velha de milênios, quando comparada às enormes tarefas que estão diante de nós, talvez tenha apenas começado. (BOBBIO, 1992, p. 45-46)

Segundo o mesmo autor, a questão dos direitos humanos não pode ser pensada apenas como um problema em nível filosófico, mas como uma proposta a ser discutida como uma questão jurídica e política. O problema, então, se coloca não como a busca pela natureza e fundamentos dos direitos, saber se estes são relativos ou absolutos e se realmente se caracterizam como direitos naturais ou históricos, mas, sim, o de se pensar mecanismos capazes de protegê-los a ponto de frear de modo seguro a sua permanente violação.

De acordo com Dallari (2004), a conquista da Declaração Universal dos Direitos Humanos representa a concretização daquilo que, durante o curso de desenvolvimento da humanidade, foi tema para discussões “filosóficas, proféticas, revolucionárias e científicas”. Esta representou uma evolução histórica que teve como missão pensar as relações sociais por meio de parâmetros mais justos e igualitários, onde a condição humana antecedesse todo e qualquer quadro normativo constitucional.

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[...] Não se pode pôr o problema dos direitos do homem abstraindo-o dos dois grandes problemas de nosso tempo, que são os problemas da guerra e da miséria, do absurdo contraste entre o excesso de potência que criou condições para uma

guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena grande massas

humanas à fome. Só nesse contexto é que podemos nos aproximar do problema dos direitos com senso de realidade [...]. (BOBBIO, 1992, p. 45)

Segundo Capanema (2006), os direitos humanos são uma “idéia-força” que está intrinsecamente relacionada com virtudes como igualdade, justiça, diversidade cultural, regional e individual, democracia e cidadania, como um conjunto de outras idéias-força que representam o sistema de valores no qual se constrói a ordem social. As mesmas alcançam uma dimensão que ultrapassa a esfera política e jurídica, pois se traduzem numa dimensão ética. De acordo com a autora: “[...] A importância de se aprofundar a discussão dessa idéia-força está no fato de que é ela que deve presidir as escolhas dos elaboradores das políticas e os modelos e estratégias da sua execução. [...]” (CAPANEMA, 2006, p. 99)

Foi se pautando pelo evoluir do pensamento e das práticas humanas desenvolvidas em cada nação que instituições de proteção aos direitos humanos começaram a se estruturar. Assim foi que, em diversos países, foram criadas instâncias sócio-político-jurídicas que acompanhassem e regulassem melhor as relações sociais. Surgiram os tribunais e outras instâncias legais como as estruturas dos Ministérios Públicos que serão discutidos em capítulo posterior. Somente é possível demonstrar a importância da criação do Ministério Público a partir das concepções que surgiram em séculos anteriores, alcançando efetividade de ação e prática em processo no século XX.

Para melhor situar o objeto desta pesquisa é necessário compreender o que se entende como regras básicas que permitem convivências e relações tolerantes entre os indivíduos, por isso é fundamental reconhecer como se construiu o conceito de cidadania.

2.2 Cidadania: um conceito em construção

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perspectiva, Carvalho (2005) pensa que cidadania é algo complexo que se refere aos diferentes níveis e dimensões de liberdade, participação política e social e igualdade de direitos, que tem servido como parâmetro para que se possa perceber qual é o nível qualitativo de cidadania vivida por cada Estado em determinado período histórico.

Ao tentar compreender o conceito de cidadania como construção histórica tem-se antes que voltar os olhos para a pré-história da Cidadania. De acordo com Pinsky, (2003) há mais de 25 séculos, os profetas sociais desenvolveram os princípios que deveriam fundamentar o que se pode chamar de pré-história da cidadania. Ao estruturar suas idéias, a partir da perspectiva filosófica de valorização do ser humano, pensavam em organizar um código de comportamento ético baseado na vontade de um Deus universal cujo desejo não se restringia apenas ao comprometimento dos seres humanos com rituais de idolatria, mas sim fundamentar por meio da ética o convívio social.

Na perspectiva histórica, Guarinello (2003) mostra que a configuração sócio-política do mundo grego se estruturava a partir de formas diferenciadas de governo. Organizado em cidades-estados distintas, percebiam cada realidade social, seus problemas e possíveis soluções de diferentes perspectivas. Portanto, suas concepções de cidadania variavam de acordo com cada conjunto de representações sociais específicas, que representava cada cidade-estado. Neste contexto, ser cidadão ainda era um privilegio de poucos, o que mudaria era a forma destes de obtenção da prerrogativa de cidadão.

A ponte entre o conceito de cidadania antiga e a contemporânea se construiu a partir de diferentes realidades sociais. Funari (2003) mostra que, no transcorrer da história, as prerrogativas de cidadão não permaneceram estáticas e imutáveis no tempo e nos espaços. Isso pode ser visto claramente por meio dos fluxos de transformações ocorridos a partir de movimentos sociais diversos. No inicio em Roma, o “status” de cidadão era atribuído aos proprietários rurais. Neste período, os irmãos Gracos implementaram movimentos agrários, com o objetivo de defender os direitos dos cidadãos camponeses. Com a chegada da República, ser cidadão significava ser bem-nascido (sangue e hereditariedade) e, depois, este conceito estava relacionado à ascensão militar.

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secreto no final da república e a partir disso as cédulas eleitorais e a estrutura do direito romano por meio do Código de Justiniano. “[...] Os romanos tinham um conceito de cidadania muito fluido, aberto, aproximando-se do conceito moderno de forma decisiva.” (FUNARI, 2003, p. 76)

Intrínseca ao direito de cidadania romana, estava a noção de liberdade, que se materializava na idéia da não-submissão à vontade do outro. Isso foi o princípio fundador do que foi a cidadania moderna, pois, para os romanos, estes só seriam efetivamente cidadãos quando tivessem o poder de governar a si mesmos. Assim, esses princípios de liberdade foram fundamentais para as Revoluções: Inglesa, Americana e Francesa. Entre os romanos o entendimento de que: “[...] Se, numa sociedade civil, somos todos ou livres ou subordinados, então um cidadão livre deve ser aquele que não está sob o domínio (in potestate) de nenhuma outra pessoa e é, portanto, capaz de agir segundo seu próprio juízo e direito. [...]”. (FUNARI, 2003, p.73-74).

É consenso entre diversos autores considerar que os pensadores da antiguidade contribuíram na construção do conceito de cidadania, no entanto, de modo bastante específico, pois consideram que foi a partir do desenvolvimento dos princípios, valores e ampliação das exigências modernas que o conceito de cidadania passou a ser pensado como representações coletivas próprias a cada realidade social. De acordo com Guarinello:

[...] a historia da cidadania antiga só pode ser compreendida como um longo processo histórico, cujo desenlace é o império romano. De pertencimento a uma pequena comunidade agrícola, a cidadania tornou-se, com o correr dos tempos, fonte de reivindicações e de conflitos, na medida em que diferentes concepções do que fossem as obrigações e os direitos dos cidadãos no seio da sociedade se entrechocaram.[...]. (GUARINELLO, 2003, p. 45)

Para Corrêa (2006), a noção de cidadania moderna está diretamente relacionada à questão dos direitos humanos, pois, no século XVIII, a burguesia como classe emergente buscava alicerçar o desenvolvimento do novo modelo econômico capitalista. Ao estruturar o sistema mercantilista, rejeita o modelo de servidão feudal e passa a reivindicar a cidadania a partir dos direitos civis, sobre os quais buscava conquistar a liberdade:

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na plena liberdade de mercado. Igualdade e liberdade formais desenham o novo

status da cidadania. (CORRÊA, 2006, p. 212)

Manzini-Covre (2006) procura definir cidadania tendo como ponto de reflexão a analise de realidades sociais que, a partir de mudanças históricas, vivem um movimento dialético, onde o individuo deve ser percebido como agente transformador e construtor de novas realidades sociais. A partir desta perspectiva, o autor declara:

[...] que a cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no universo. [...]. (MAZINI-COVRE, 2006, p. 11)

Nesse sentido, Manzini-Covre (2006) analisa as particularidades dos direitos civis, sociais e políticos e a inter-relação existente entre eles. Estes, por sua vez, representam a satisfação de necessidades básicas para sobrevivência humana, como: saúde, moradia, educação, alimentação, trabalho e outros. O acesso a esse conjunto de direitos por uma parcela cada vez maior da população de um país significa a busca pela conquista efetiva da cidadania social.

Na mesma linha de pensamento, Corrêa (2006) mostra que os três conjuntos de direitos se desenvolveram em três fases históricas distintas. No século XVIII, os direitos civis passam a representar a conquista da liberdade individual; no século XIX os direitos políticos significam a ampliação da participação política de camadas sociais ainda privadas desses direitos sob pressão dos movimentos populares por meio da organização sindical. No século XX, tem-se a inclusão dos direitos sociais como categorias de direitos fundamentais que comporiam a noção de cidadania. Isso representou um avanço no que se refere à luta contra a desigualdade social.

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De acordo com Soares (2004), isso quer dizer que os direitos humanos independem de uma legislação para serem invocados, independem de governo, cultura ou costumes. Já a cidadania não pode ser vista a partir da mesma perspectiva. Sua definição dependerá das formas diferenciadas de coletividade da qual se origina. Esta deverá se estruturar de acordo com as diferentes esferas: jurídica, política, econômica e social que caracterizam cada sociedade em particular.

No desenvolvimento histórico da humanidade, o desrespeito aos direitos humanos e a não-conquista da cidadania na maioria das vezes estão relacionados a grupos sociais que se localizavam às margens da sociedade, marcada pela desigualdade social, que pressupõe pobreza e ignorância. Por isso, um ponto importante a ser ressaltado, visto que a cidadania de um povo dependerá da ordem jurídico-política de um Estado, são as prioridades de um determinado governo e a influência de suas ações nas relações sociais que irão se estabelecer a partir dessas decisões, inclusive no que tange ao seu corpo jurídico.

Dallari (2004) chama a atenção para a importância de se preparar o individuo desde muito cedo para que aprenda a reconhecer, defender e promover o exercício da cidadania, pois será a partir do acesso real a este direito que se poderá dizer que ele é livre. O indivíduo conhecedor terá maiores possibilidades de gozar de seus direitos civis, políticos e sociais, exercício ainda privilegiado de apenas uma pequena quota de seres humanos. Portanto, não basta que os ordenamentos jurídicos garantam legalmente ao indivíduo o exercício de cidadania, mas é preciso que lhe garantam a possibilidade deste exercício.

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2.3 Democracia, Estado e Poder

A reflexão sobre os conceitos de direitos humanos e cidadania remete o pensamento sobre as estruturas de governos democráticos, pois estas, no transcorrer da história, também estiveram vinculadas à esperança dos cidadãos de poderem viver suas relações a partir de consensos coletivos, que se expressam na promoção da igualdade de direitos.

De acordo com Goyard-Fabre (2003), o regime democrático hoje tem um alcance planetário. Entretanto, isso não quer dizer que seja um conceito claramente definido. Desde a antiguidade grega que tais incertezas se construíram, em diferentes contextos históricos e de diferentes formas. Como mostra o autor: “Ninguém teria a pretensão de afirmar que ‘a invenção democrática’ é obra específica e gloriosa dos tempos modernos. A política e a filosofia despontaram juntas no berço da Grécia Antiga”. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 14)

Rosenfield (2006) mostra que etimologicamente a palavra democracia é de origem grega e significa “governo do povo”, modelo político no qual o poder soberano se expressa por meio da maioria. Estabelece-se, assim, no primeiro momento, uma idéia quantitativa do conceito de democracia, que se caracteriza desta forma a partir da idéia de democracia narrada por Heródoto na Antigüidade Grega, pois o mesmo, ao se referir à disputa entre os três príncipes persas, concebe três diferentes tipos de governo e os caracterizava considerando o número de pessoas que detinham a soberania do Estado. Assim, democracia, “governo de todos”; monarquia, “governo de um” e aristocracia, “governo de alguns”. Entretanto, tal situação não restringia a caracterização dos três modelos políticos exclusivamente ao critério quantidade, pois as questões políticas na Antiguidade Grega remetiam à reflexão filosófica que questionava qual seria a melhor forma de governo para o povo grego.

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Com esta distinção, Bobbio (2000) remete a uma nova reflexão na filosofia política: “(...) Bom governo é aquele em que os governantes são bons porque governam respeitando as leis ou aqueles em que existem boas leis porque os governantes são sábios?” (BOBBIO, 2000, p. 166). A distinção entre o governo dos homens e o governo das leis possibilitou que no decorrer do processo civilizatório o homem fosse portador de opção e, portanto, de escolha no que viria a considerar um bom governo. Os diferentes séculos históricos mostraram que, na maioria das vezes, o homem optou pelo governo das leis naturais ou divinas, normas de costumes ou positivas, em detrimento do governo dos homens sábios e possuidores de fortuna.

Não se trata neste trabalho de discutir o conceito de democracia, mas de fundamentar o entendimento do que seria democracia ontem e hoje. De diferentes perspectivas se pensou a democracia, sua estrutura, vantagens e desvantagens. Desde os primórdios das Cidades-Estado gregas, onde foram criados os fundamentos da democracia, cujo ícone foi Atenas, onde se construiu uma estrutura política a partir de bases constitucionais, e que se consolidou por meio das leis com uma estrutura jurídica própria, que alimentou o ideário de um modelo de governo depositário da esperança de um mundo igual, justo e livre.

Ao analisar o contexto político da Grécia Antiga, Rosenfield (2006) mostra que as formas de organizações políticas tinham como principal objetivo estabelecer a liberdade política. Entretanto, quando se referiam ao “governo da maioria”, subjetivamente já estava implícito que a “maioria” significava os cidadãos livres e bem nascidos, excluindo da participação e decisões políticas os demais, estrangeiros, mulheres, crianças e escravos.

De acordo com Goyard-Fabre (2003), foi a partir de Platão e Aristóteles que os modelos de governos foram definidos dentro de particularidades normativas. Estes, ao fazerem a classificação dos modelos de governo, se propuseram também a pensar os tipos constitucionais inerentes a cada um deles.

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monarquia, quando um homem governa visando ao bem-coletivo; a aristocracia, quando um pequeno grupo governa tendo como objetivo o bem-comum para o Estado e seus membros e a politéia, quando quem governa é a maioria dos cidadãos. Trata-se, portanto, de um possível desvio, o caso no qual um governo justo pode se tornar injusto, assim, diz que: a monarquia se transformaria em tirania, pois o governante visa apenas aos seus interesses, a aristocracia, em oligarquia, onde os benefícios só alcançariam os homens de posses e a politéia, ou governo constitucional, em democracia, no qual os benefícios seriam apenas para os homens desprovidos de riquezas. A partir desta categorização, considera que:

[...] o que distingue oligarquia de democracia é a riqueza ou a falta dela. O ponto essencial é que, quando a posse do poder político se deve à posse do poder econômico ou riqueza, seja o número dos que o detêm grande ou pequeno, temos a oligarquia; e, quando a classe dos não-proprietários detém o poder, temos a democracia [...]. (ARISTÓTELES, 2004, p. 225)

Para Aristóteles (2004), um sistema político que pressupõe a supremacia do poder nas mãos da maioria, ou seja, regime de governo democrático pode ser questionável, pois considera o governo da maioria perigoso, ideal seria um governo da maioria misturado com o governo dos melhores, ou seja, a aristocracia. Argumenta que o Estado tem como objetivo a justiça para todos, o que pressupõe igualdade para todos. Entretanto, sua perspectiva é de que a justiça pense a igualdade entre os iguais. Assim, uma constituição que visa estabelecer a igualdade entre iguais e desiguais pode ser considerada desviada.

Os tipos de governos pensados por Aristóteles serviram por muitos séculos como estruturas exemplares de diferentes organizações políticas e sociais que se construíram em diferentes contextos históricos. Sociedades, muitas vezes contraditórias, pensaram a democracia a partir da perspectiva aristotélica. Muitos autores posteriores discutiram outras formas de organização do poder, entre eles Maquiavel, mas foi Montesquieu, em o “Espírito das Leis”, que propôs novo modelo classificatório dos governos, que se diferenciava da perspectiva Aristotélica. Montesquieu repensou a classificação dos governos, tendo como critério de análise a natureza e o princípio estrutural de cada um deles.

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governo pode ser definida da seguinte maneira: república, estrutura de governo em que o poder soberano está centrado nas mãos de um pequeno grupo ou de todo o povo, que se sustenta na manutenção do regime político cujo princípio é a virtude (amor que os homens dedicam ao Estado do qual pertencem e representam); monarquia, modelo de governo em que o poder soberano está circunscrito a uma única pessoa que governará a partir de um quadro normativo fixo, seu poder está sustentado pelo princípio da honra; despotismo, aquele em que uma só pessoa tem o poder e estabelece as leis a partir de seus interesses próprios e assim, tem sua força legitimada pelo princípio do medo.

Para Montesquieu (2006), o modelo de governo republicano pode se estruturar a partir de duas naturezas distintas. Como uma aristocracia, em que parte do povo é detentor do poder soberano e como uma democracia, modelo de governo em que o povo em sua totalidade é portador da soberania. No governo democrático, o povo assume concomitantemente o papel de soberano e de súdito. Esta relação se dá a partir das leis que, por meio do sufrágio, possibilitam que o povo ocupe a condição de soberano e estabeleça sua vontade a partir do voto.

Montesquieu (2006) entende os três tipos de governo a partir de uma perspectiva hierárquica de valores. Deste ponto de vista, defende a idéia de que a manutenção do governo democrático depende do fortalecimento de estruturas legais. Afirma que o povo tem competência para escolher aqueles que representarão parte de seu poder soberano, mas pensa também que este mesmo povo não possui igual competência para conduzir um Estado. Por isso, o melhor modelo político seria a república aristocrática. O Estado governado por um regime político democrático requer um nível elevado de virtude, pois os mesmos que criam as leis e as fazem virar ação são os mesmos que se submeterão ao seu poder de coerção. Para o autor, as boas democracias governam a partir do pressuposto de que as leis são o caminho mais eficaz para que se estabeleça a igualdade e a frugalidade para todos.

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Teria desejado nascer num país no qual o soberano e o povo não pudessem alimentar senão um único e mesmo interesse, a fim de que todos os movimentos da máquina tendessem somente para a felicidade comum. Não podendo tal coisa suceder, a menos que o povo e o soberano não sejam senão uma mesma pessoa, conclui-se que eu desejaria ter nascido sob um governo democrático, sabiamente equilibrado. (ROUSSEAU, 1991, p. 218)

Rousseau (2000) afirma que há diferentes formas de governo, todavia, para serem consideradas legítimas devem fundamentar suas práticas a partir da soberania do povo. Ele os classifica como democracia, aristocracia, monarquia e governos mistos. Democracia seria o modelo de governo que confere ao povo o poder de decisão em questões de caráter governamental, ou seja, é conferido à grande maioria o poder de governar, e é adequado a Estados de pequenos portes.

Rousseau (2000) mostra que existe uma grande distância entre o governo ideal e o real, pois a legislação perfeita deve representar a vontade geral, visando ao bem comum e à ordem social. Com base nestes pressupostos, mostra que a melhor forma de governo seria aquela em que o poder legislativo, criador das leis, e o poder executivo, aquele que interpreta e executa as leis, defendessem vontades gerais. Esta seria a democracia pura e o governo ideal. Entretanto, mostra que seria improvável que executivo e legislativo, ao corromperem as leis em beneficio próprio, venham a se submeter à coerção das mesmas, corrigindo seus próprios abusos. Assim, Rousseau afirma que:

[...] Estando, então, o Estado alterado em sua substância, torna-se impossível qualquer reforma. Um povo que jamais abusasse do Governo, também não abusaria da independência; um povo, que sempre governasse bem, não teria necessidade de ser governado.

Tomando-se o termo a rigor da acepção, jamais existiu, jamais existirá uma democracia verdadeira. É contra a ordem natural governar o grande número e ser o menor número governado. [...]. (ROUSSEAU, 2000, p. 150)

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acredita que o homem deve buscar essa perfeição quando defende a idéia de que o cidadão por meio de uma Constituição, pode todos os dias de sua vida armar-se de forçar e constância da certeza de que é preferível: ‘[...] a liberdade perigosa à tranqüila servidão.’ (ROUSSEAU, 2000, p. 151)

Do pensamento grego aos dias atuais é possível perceber a preocupação de diversas tendências de pensamento sobre a melhor forma de organização do poder. Alguns autores como Aristóteles defendem a manutenção do poder a partir de um grupo, outros consideram o governo de um mais eficaz, como os monarquistas e a corrente mais humanista postula o comando como sendo legítimo exercício da maioria. De certo que numa democracia o que está em jogo é o princípio da igualdade de oportunidade para todos; desse modo, não importa se ela na efetividade não existe, ou não tem condições de existir como pensa Rousseau, o que importa é o sentimento que faz de seus princípios regras rigorosamente dispostas e que devem ser seguidas, seja por um governante, representado por um grupo ou indivíduo, o que importa é que um ou outro tenha como norte a vontade legítima da maioria de um povo.

Goyard-Fabre (2003) considera que não se pode pensar a democracia a partir de uma perspectiva unitária e simplória, pois se expressa em realidades humanas complexas e diversas. Como também não se pode negar que, em decorrência dos grandes dilemas humanos, os modelos políticos que representam as diferentes e complexas coletividades, a partir das derrotas e fraquezas humanas, estão propensos a uma fragilidade política. Afirma que atualmente poucos são os paises que não assumem oficialmente serem um Estado democrático, mostrando, assim, a conexão que se estabeleceu entre as sociedades antigas e as contemporâneas ao longo da história política mundial, consolidando o triunfo do modelo político democrático. Contudo, ressalta que o regime político democrático, pensado e teorizado pelos diferentes filósofos em diferentes contextos históricos, no decorrer do século XIX, passa a se materializar a partir de uma linguagem sociopolítica, que toma uma nova conotação e, portanto, adquire um novo status. Como mostra o autor:

[...] a democracia não mais designa apenas um esquema institucional pertencente ao quadro jurídico da política, mas também o fato social que caracteriza a potência ativa do povo no espaço público. [...]. (GOYARD-FABRE, 2003, p. 197)

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desse ideal político, muitas gerações lutaram e ofereceram suas vidas em nome de um regime de governo que acreditavam poder ser justo. Nesta perspectiva: “[...] Nas democracias de todos os tempos, seja qual for a forma que adotem, exprimem-se certamente os intuitos mais nobres que os homens depositam em sua aspiração à liberdade. [...]” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 348). A democracia representa um conjunto formado de opostos que se traduzem num horizonte humano de luz e escuridão; esperança e precariedade essencial; sonhos e pesadelos; razão e emoção; conquistas e derrotas; desejo de igualdade e liberdade e o peso do individualismo.

Touraine (1996) também se refere à permanente missão humana de construção e reconstrução da democracia, frente às suas fragilidades, complexidades e opostos. Mostra que na medida em que o homem pensou ter feito a união perfeita entre racionalização, desenvolvimento econômico e poder popular, acreditou haver se libertado das amarras que o mantinham cativo ao estado de ignorância, dependência, tradição e verdades divinas. Entretanto, logo percebeu que o que lhe possibilitaria a conquista da condição humana de livre e igual parecia oportunizar seu retorno ao estado de submissão. Assim, pergunta: como pensar o ideário revolucionário de igualdade e liberdade, proposto pela Revolução Francesa, quando nas sociedades modernas e contemporâneas este muitas vezes servia para fortalecer a opressão sobre a grande massa?

Rosenfield (2006) arrisca uma resposta, ao pensar que, no Estado moderno, os princípios democráticos se traduzem na busca da conquista da liberdade individual e, por conseguinte, pela concessão do bem-estar material. Como mostra o autor: “[...] Logo, aqueles que sabem como adquirir em abundância o que é materialmente bom e que sabem como funciona o poder tornaram-se nossos governantes. [...]”. (ROSENFIELD, 2006, p. 42). Com isso, houve o surgimento de uma passividade política no Estado Moderno, decorrente do crescente fenômeno do individualismo, produto da busca pela satisfação material.

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provocar a busca gananciosa pelo lucro e assim tornar o homem refém da lei de mercado instituída pela lógica econômica capitalista. Portanto, conforme Rosenfield:

[...] A democracia, enquanto forma de exercício da liberdade política, não se confunde com a satisfação das necessidades materiais da população, que pode também tomar formas políticas autoritárias e mesmo totalitárias. (ROSENFIELD, 2006, p. 21-22)

Touraine (1996), ao pensar a democracia, se depara com os paradoxos humanos e percebe o totalitarismo como um movimento inverso que se estabeleceu no século XX no continente europeu, que representa parte do planeta onde os ideais democráticos nasceram, se desenvolveram e se fortaleceram. Isso pode ser entendido como uma necessidade de retomada do apelo que foi feito desde a Antiguidade Grega pela humanidade, pois o projeto humano que nasceu com os gregos parecia iniciar a luta contra a negação da soberania do povo e a violação dos direitos do homem e do cidadão.

[...] nos limitamos a uma concepção modesta da democracia, definida como um conjunto de garantias para evitar a tomada ou manutenção no poder de determinados dirigentes contra a vontade da maioria. Nossas decepções foram tão profundas e prolongadas que, ainda durante muito tempo, essa limitação do poder será aceita, por muitos de nós, como o aspecto prioritário na definição da democracia. [...]. (TOURAINE, 1996, p. 10)

Trata-se, segundo o autor, de se pensar um conceito de democracia que não reduza a função deste modelo de governo a um simples bloqueador do poder autoritário, mas que por meio de ações concretas garanta a soberania de cada Estado frente às exigências do mercado internacional, à renúncia da perda cultural em nome do progresso, à negação do multiculturalismo que mascara a subserviência e que se impunha contra a redução do poder social ao conjunto de técnicas. Assim, diz: “[...] A democracia não é somente um espaço de negociação entre interesses opostos, um mercado político, mas, antes de tudo, o espaço público aberto no qual se combinam memória com projeto, racionalidade instrumental com herança cultural.” (TOURAINE, 1996, p.231)

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pressuposto de que a concretização do ideário democrático de liberdade e igualdade se sustenta na aceitação de que todo individuo e toda coletividade é simultaneamente universal e particular.

As relações reais de poder provenientes de circunstancias históricas diversas mostraram que o governo das leis é preferível ao governo dos homens, e que o mesmo no decorrer da história demarcou o território conquistado por meio da democracia. Como pensa Bobbio : “[...] E exatamente porque não tenho dúvidas, posso concluir tranqüilamente que a democracia é o governo das leis por excelência.” (2000, p. 185)

Certamente o governo democrático necessita criar instituições que respondam às demandas e aos anseios da população. Assim ficou claro pelos processos das revoluções liberais. A criação do Ministério Público é uma das respostas e, de certo modo, pedra angular na existência democrática, uma vez que seu papel é de vigilante e fiscalizador das garantias dos direitos constitucionais, mas, para que tenha atuação eficaz, é fundamental a organização da sociedade civil. Na realidade, a sociedade civil é o fim que dá sentido à existência do Ministério Público, uma vez que reivindica, questiona e luta pelos seus interesses. O Ministério Público tem como uma de suas funções atender a esses reclames. Para compreender a relação entre Ministério Público e sociedade é preciso saber como se define a sociedade civil.

2.4 Sociedade civil e poder: a democracia como espaço de participação

Desde a antiguidade há uma preocupação em reconhecer os limites institucionais entre sociedade e Estado. Aristóteles, limitado ao seu contexto, é um dos filósofos que, ao pensar as relações políticas, procurou mostrar a diferença, ao estabelecer a discussão entre família/Estado (societas domesticas/ societas civilis, correspondente a pólis), entende sociedade civil como a representação do próprio Estado, portanto, diferenciado o mesmo da esfera familiar. (BOBBIO, 2007)

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mesma não nasceu desta dicotomia, mas, sim, como um termo que serviria ao mesmo tempo para designar ambos, apesar de apresentarem diferenças internas de natureza.

Maquiavel (1998), no livro “O Príncipe”, procura mostrar como deve um governante se comportar para que o novo Estado venha a expressar a vontade e a consciência da grande maioria. Um príncipe que fundamenta seu governo em princípios soberanos que rejeitam atitudes violentas por meio de um poder ilimitado de coerção, poderá ser reconhecido como o soberano de um ‘principado civil’, que representa a vontade do povo. Partindo deste ponto, o governante do principado poderá escolher com quem irá aliar-se, se com os poderosos ou se com povo. O que escolher a segunda opção terá sua soberania legitimada pelo apoio popular, que tem como reivindicação primeira a negação do poder como forma de opressão.

Apesar de reconhecer a importância da legitimidade popular de um regime de governo e de perceber a sociedade como a esfera para quem deverão se direcionar as decisões e o poder, Maquiavel parece não deixar claro a formulação de uma definição de sociedade civil, todavia percebe-se que pela expressão “povo” constantemente faz a distinção entre sociedade e Estado, ou seja, diferencia as esferas de poder.

Ao discutir “O segundo tratado sobre o governo civil”, Locke (1983) esclarece que a sociedade civil resulta do processo de saída do homem da condição individual para uma situação de convivência social, e por livre vontade decide fazer parte da estrutura de uma comunidade, portanto, sai da sua condição natural para a condição civil. Parte da perspectiva de que no momento em que as regras de convívio social passam a representar, por meio de um consenso coletivo, a vontade geral, o homem retoma a ética natural humana que no estado de natureza individual não o considerava como uma das partes que compunha o todo político.

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