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A visão do aluno sobre a atuação da PROEDUC: a distância entre o real e o ideal

ANÁLISE DOS DADOS: MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE A ATUAÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA EDUCAÇÃO NO DISTRITO

4.5 A visão do aluno sobre a atuação da PROEDUC: a distância entre o real e o ideal

O fundamento da escola é formar para a cidadania. Proporcionar condições para que os alunos (as), professores (as), direção e servidores (as) construam um mundo que não apenas transmita saber formal, mas oriente conteúdos voltados para a formação pessoal e social. De acordo com Freire (1979), refletir sobre educação implica refletir sobre o comportamento do próprio homem, ser inacabado que busca em comunhão com outros indivíduos realizar uma constante superação de uma “relativa ignorância”. Portanto, o homem como um ser de relações precisa ser consciente que está “no mundo e com o mundo”, e a partir desta perspectiva deve ser capaz de refletir sobre a sua própria realidade para compreendê-la e transformá-la. Assim, espera-se que a escola seja um ambiente propício ao desenvolvimento destas competências, para isso é importante ouvir as vozes que se expressam a partir da própria escola.

Como já foram vistas as percepções que outros segmentos da escola têm sobre a atuação da PROEDUC, um dos objetivos deste trabalho é também o de identificar a percepção que os alunos do ensino médio têm sobre a atuação do Ministério Público, especificamente da Promotoria de Defesa da Educação do Distrito Federal. Portanto, na seqüência deste esforço serão analisados os dados coletados por meio dos questionários que foram aplicados aos alunos de um Centro Educacional de Ensino Médio da Rede Pública do Distrito Federal. Na escola em que foi realizado o estudo de caso, no ano letivo de 2007, havia seis turmas de terceiro ano do ensino médio regular, somando um total de 223 alunos (as) matriculados. Noventa desses alunos foram sujeitos da pesquisa. Quanto ao sexo dos sujeitos, correspondem aos seguintes percentuais: 61,11% do sexo feminino e 38,89% do sexo masculino, e quanto à faixa etária, estão distribuídos da seguinte forma 88,89% de quinze a dezoito anos e 11,11% de dezenove a vinte e dois anos.

Do total de alunos pesquisados, 94,44% declararam conhecer a existência do Ministério Público, entretanto, só 48,89% disseram saber sobre qual é a função que desempenha este órgão. Isso revela que, apesar de um grande percentual saber da sua existência, menos da metade tem conhecimento do papel social que deve desempenhar a instituição. Segundo Saviani (1989), o modelo de sociedade democrática tem como proposta primeira construir uma realidade social em que os indivíduos passem de “súditos a cidadãos”. Para que este tipo de realidade social se estabeleça é necessário que estes indivíduos vençam, entre outras barreiras, a da ignorância.

Portanto, a educação pode ser pensada como um instrumento decisivo na transformação da sociedade, onde cada indivíduo assuma o seu papel de cidadão, desde que a educação, como um direito de todos, seja portadora de uma igualdade real e não apenas formal. Os dados revelam que os alunos na sua maioria desconhecem as funções do Ministério Público, órgão responsável pela defesa dos direitos dos cidadãos, isso implica dizer que estes são portadores de uma “ignorância relativa”, como se refere Freire (1979), que compromete tanto a sua formação pessoal, como a social, pois, mantido ignorante, o individuo pode assumir o papel de excluído dentro do processo de mudança social.

De acordo com os resultados coletados, 30% dos alunos respondentes declararam saber da existência de uma Promotoria especializada na defesa da educação, como parte integrante do todo que compõe o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Entretanto, apenas 14,44% afirmaram saber qual é a função atribuída a esta Promotoria. Assim, tem-se um universo de alunos onde 70% declaram não saber da existência da Promotoria de Defesa da Educação e 85,56% afirmam desconhecer quais são as atribuições deste órgão. Isso sugere que as instituições no Brasil que zelam pelos direitos ao exercício da cidadania são desconhecidas pelos brasileiros e distanciada dos cidadãos. Esses alunos não sabem, certamente, que ao Ministério Público está reservada a função de defesa do cidadão.

Um número pequeno declara conhecer a Promotoria e um número menos expressivo ainda afirma saber o que ela faz. Os dados permitem indagar: será que estes jovens estão sendo preparados para entender a realidade social e, a partir disso, exercer uma ação efetiva na defesa dos seus direitos? Segundo Albala-Bertrand (1999), alguns pontos precisam aparecer como questões centrais para que a educação formal tenha influência na formação do caráter cívico e político dos jovens, para que esta tenha importância prática no fortalecimento

da estabilidade e eficiência política de um Estado democrático. Um desses pontos seriam abordagens educacionais que possibilitassem que os jovens desenvolvessem competências para o exercício da cidadania nos diferentes contextos das relações sociais.

Quando indagados por que meio de comunicação ficaram sabendo sobre a função que deve desempenhar o Ministério Público, 51,11% preferiram não opinar. Entre os que opinaram o meio de comunicação que aparece com maior percentual é a televisão, com 33,33%; em seguida vem o jornal, com 18,89%; o professor, com 11,11% e com o mesmo percentual de 5,56% aparecem o rádio, a revista e outros. Quanto ao meio de comunicação que possibilitou que 14,44% ficassem sabendo da existência da PROEDUC, a televisão está em primeiro lugar, com 7,78%, o jornal, com 5,56%, o professor e a cartilha explicativa, com 2,22%, o rádio e palestras na escola com 1,11% e 85,56% preferiram não opinar.

Estes números demonstram que uma instituição tão importante como instrumento e meio de defesa da cidadania é desconhecida pela juventude escolar. A falha pode estar na pouca preocupação que os órgãos dispensam à divulgação de suas atribuições e na prática educativa das próprias escolas que não procuram mostrar quais os canais de recursos que a população tem à sua disposição como meio de proteção aos seus direitos e exercício da cidadania. À escola cabe ensinar para a vida, conforme dizia Paulo Freire (1996), pois educar é politizar e isto não deve ser visto pelas instituições como sendo chamado subversivo, mas sim, como mensagem que leva os jovens a conhecer e participar ativamente e conscientemente da construção da realidade social. Desse modo, é fundamental que os alunos (as) tenham ao seu dispor informações acerca dos organismos cuja função é promover condições para o exercício pleno da cidadania.

Com relação aos problemas vivenciados pelos alunos (as) na escola, percebe-se que são muitas as dificuldades que a escola tem enfrentado no seu cotidiano e que muitas vezes os problemas são recorrentes, pois os alunos respondentes na sua maioria tinham mais de um problema para ser apontado e os dados referem-se a pontos de vista comum. Os percentuais mostram que a educação parece não ter conseguido avançar o suficiente para solucionar problemas básicos, como falta de condições adequadas à realização das aulas em ambiente apropriado e deficiência do quadro de professores.

Conforme os sujeitos da pesquisa, 97,78% declaram ter vivenciado na escola a falta de professor; 42,22%, falta de condições adequadas para as aulas de educação física; 45,56%, falta de condições adequadas para a realização de aulas que precisam de condições específicas para o aprendizado, e 25,5% reclamam da falta de laboratórios. Entre outros, aparece com 30% a falta de uniforme; 27,78%, a falta de vaga na escola; 13,33%, a falta de passe escolar; 8,89%, a não efetuação de matricula por falta de documentação e 7,78%, retenção de documentação escolar.

Estes índices demonstram como se mostra ideal a fala da Promotoria, pois na realidade o que se percebe é a ausência de ações necessárias que concretizem a função da PROEDUC, porque a deficiência no quadro de professores, a ausência de vagas disponíveis para matrícula e as más condições de funcionamento das escolas sugerem que o Ministério Público precisa pensar meios e formas de melhor realizar o seu papel fiscalizador no que se refere à responsabilidade do Estado em proporcionar condições necessárias para que a educação se efetive. Fiscalizar e exigir que professores e direção se ajustem às recomendações propostas pelo órgão no que se refere aos conflitos nas relações que constituem o ambiente escolar é atuar com eficiência em apenas um dos aspectos, ou seja, tratando de problemas internos da escola, conforme foi visto nos discursos anteriores, mas atuar no sentido de cobrar do Estado que cumpra as suas responsabilidades sociais é complicado e aqui está o desafio da instituição.

No mundo interno da escola, com a existência de diversos tipos de conflitos com professores, com a direção, servidores, discriminações e falta de segurança os percentuais apontam que a demanda do aluno (a) não é para buscar intermediação externa, a resolução é na maioria das vezes exigida da gestão. Os problemas são diversos, entretanto, a pesquisa mostra que os alunos em sua maioria têm procurado resolver as dificuldades encontradas dentro da própria escola, pois ao serem perguntados a quem procuram para fazer reclamação sobre os problemas vivenciados por eles na escola, 73,33% declaram procurar a direção da escola; 27,78% procuram o professor; 22,22%, a coordenação; 5,56% não opinaram; 4,44% recorrem a outras pessoas como parentes e amigos e com resultados iguais aparecem a Secretária de Educação e o Ministério Público: 1,11%. Dos 37,78% dos discentes que declararam que suas reclamações resultaram em algum tipo de solução para o problema vivenciado, 28,89% disseram que a solução foi parcial e 8,89% afirmam que o problema foi totalmente solucionado.

Quando solicitado aos alunos que dessem sugestões para a atuação do Ministério Público com o objetivo de melhoria do funcionamento da vida escolar, do total de noventa alunos, 47,78% afirmam não ter nada para sugerir ao órgão. Os resultados mostram que existe um número significativo de jovens que desconhecem o seu papel de sujeito social e tem desinteresse em desempenhá-lo. É o que Demo (2001) chama de “cidadania pequena”, onde o indivíduo alienado olha a realidade como se este fosse incapaz de intervir nela, ou seja, parece se sentir incapaz de exercer a cidadania propondo mudanças. O controle democrático só se concretiza quando os indivíduos desenvolvem consciência crítica que rompe com a pobreza política e possibilita o exercício da cidadania por meio da participação.

Apesar deste desconhecimento e do desinteresse, a maioria tem algo a propor para melhoria da escola. Assim 24,44% propõem que o Ministério Público atue para a melhoria das condições de funcionamento das escolas; 14,44% sugerem a divulgação das práticas e ações da Promotoria nas instituições de ensino e maior freqüência do órgão na escola; 7,78% percebem a necessidade de o Ministério Público conhecer a realidade escolar para saber do que a escola precisa; 4,44% acham importante que seja feita pelo Ministério Público a fiscalização das ações da Secretaria de Educação e outros órgãos relacionados com a qualidade do ensino e 2,22% pedem maior eficácia na resolução dos problemas.

Uma sociedade, para alcançar o desenvolvimento e fazer com que sua população exerça a cidadania com responsabilidade, compromisso e direitos, deve fazer com que sua juventude, por meio da educação, tenha competência para desempenhar o seu papel de sujeito transformador e produtor de história. Freire (1979) propunha que os educadores percebessem sua tarefa e responsabilidade para com a mediação na construção e reconstrução da realidade social por meio da educação. Desse modo, também é função das instituições que protegem os direitos dos cidadãos se fazerem conhecer de algum modo, neste caso a Promotoria de Justiça de Defesa do Direito à Educação.

Desse modo, cabe ressaltar o importante papel da Promotoria de Defesa da Educação como instituição responsável por proteger e promover o exercício do direito à cidadania educacional. Como mostra Carvalho (2005), a cidadania é uma construção histórico-social que resulta de um conjunto de necessidades humanas, de diferentes níveis e dimensões de liberdade, igualdade e participação política e social na construção e reconstrução de uma determinada sociedade. Portanto, serve como parâmetro para que se compreenda qual é o

nível qualitativo de cidadania vivido por um povo em determinada realidade histórica de um Estado.

Dallari (2004) mostra que as possibilidades de construção e exercício da cidadania estão diretamente relacionadas ao acesso do individuo a uma educação que responda aos novos desafios sociais. Os indivíduos devem desde cedo desenvolver competências que os permitam reconhecer, defender e promover o exercício real da cidadania. Assim, é importante o papel que deve desempenhar a Promotoria para que a educação se efetive no sentido de garantir por meio do processo educativo níveis melhores de participação dos jovens na construção e reconstrução da realidade social e política do país. De acordo com Arendt (2000), o que é particularmente humano está diretamente relacionado àquilo que o próprio homem inventou, criou e transformou para a construção da vida em sociedade, e é isso que o caracteriza como ser social e a cidadania como um direito adquirido socialmente.

O Ministério Público representa, a partir da Constituição Federal de 1988, a mais alta expressão da defesa dos direitos humanos e da cidadania. O mesmo compõe a estrutura de governo democrático que tem como princípio norteador a participação política da sociedade, visando à promoção do bem comum. Portanto, cabe destacar a preocupação que teve Montesquieu (2006) quando estabeleceu uma relação direta entre a manutenção de um modelo de governo e o processo educacional que servirá como instrumento promotor da formação do cidadão, responsável por manter por meio da consciência coletiva os princípios específicos de cada governo. Assim, entende-se que o acesso à educação é pressuposto primeiro para que os indivíduos na condição de povo esclarecido participem do processo democrático e, por meio do seu exercício como cidadão, façam a manutenção da democracia.

Entretanto, cabe chamar a atenção para os resultados da pesquisa, que mostram uma possível significativa abstenção dos alunos no momento de sugerir medidas para proporcionar a melhoria do cotidiano da vida escolar, ou seja, 47,78% preferiram abrir mão do direito de opinar na reivindicação de novas conquistas. De acordo com Rosenfielde (2006), a passividade política dos indivíduos está em descompasso com os princípios que orientam os paradigmas democráticos.

Essa passividade política pode se traduzir na busca por uma liberdade individual e não coletiva. Portanto, as ações sociais podem deixar de ser reivindicações que visam ao bem

social para se transformarem em ações que visam a satisfazer apenas a necessidades materiais. Isso lembra o que Goyard-Fabre (2003) chama de instabilidade democrática decorrente das ambivalências humanas e o que Touraine (1996) entende como a decomposição do espaço destinado ao debate público, que tem como conseqüência a degradação dos princípios democráticos e a legitimação do governo a partir de fundamentos autoritários. Assim, a manutenção da democracia é algo que a prática pedagógica deve considerar e, se de fato tem como princípio formar para vida e cidadania, é fundamental que se discuta e ensine isto diariamente. Ao Ministério Público e à PROEDUC, em especial, deve se sugerir dispor de pessoal para esclarecer, divulgar e fazer conhecer suas funções para que o indivíduo se perceba como cidadão protegido quanto aos seus direitos.

Ao considerar que a manutenção das sociedades democráticas se sustenta na idéia de indivíduos esclarecidos e participativos, é importante que se entenda a sociedade civil como pensa Semeraro (2001): um espaço de participação popular, onde o individuo, ao assumir o seu papel de protagonista ativo, é a verdadeira expressão da coletividade na luta pelas conquistas democráticas, visando a ampliar cada vez mais os níveis de participação política, liberdade e igualdade social, princípios humanistas pregados pelos iluministas que fizeram do Ministério Público um símbolo de defesa contra poderes arbitrários, portanto, uma realidade desejada em várias democracias modernas.

Assim, a Promotoria de Defesa da Educação tem um papel decisivo para que, por meio da educação, os jovens sejam sujeitos participativos, livres e iguais, que reivindicam a transformação social e seus direitos nas diferentes esferas da vida em coletividade. Segundo Freire (1983) a educação deve ser instrumento de emancipação e libertação, um meio que permite o desenvolvimento de pensamentos que se expressam muitas vezes pelos canais constituídos e assumidos pela sociedade civil.