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Na continuidade deste estudo é preciso que se faça um breve resgate histórico do Ministério Público nos diferentes contextos das sociedades antigas e na história brasileira. Para tanto, recorreu-se aos esforços de alguns autores que procuraram analisar de várias perspectivas as transformações pelas quais passaram o Ministério Público em cada contexto. No segundo momento, serão analisadas as Cartas Constitucionais brasileiras, como instrumento de orientação para a compreensão dos dispositivos legais que inspiraram e determinaram a organização, a estruturação e a função do Ministério Público e sua relação com a educação projetadas no Brasil desde sua colonização até hoje.

Ribeiro (2003) mostra que os estudiosos que buscam localizar as origens do Ministério Público na estrutura jurídica romana tiveram, como base de análise, o cargo de “Procuradores Cesaris”, que foi criado no período de governo do imperador Otávio Augusto (27 a.C./ 14 d.C). Este cargo atribuía a seu ocupante a função de representante dos interesses privados do Imperador, como: a gestão do patrimônio imperial e a arrecadação de tributos. No decorrer do império de Augusto, essas atribuições, que eram de natureza administrativa, sofreram algumas transformações, pois aos procuradores foi atribuído o dever de confiscar os bens daqueles que haviam sido condenados. A partir disso, o que era uma função de natureza meramente administrativa passou a ser também penal.

O mesmo autor destaca a mudança ocorrida nas atribuições dos Procuradores durante o governo do imperador Cláudio (41/54 d.C), onde foi instituída a função de “Advogado do Fisco”. O mesmo tinha como papel defender os interesses do tesouro imperial, julgando questões que envolvessem o imperador e os cidadãos. Destaca a dificuldade encontrada para que se estabeleça uma correlação entre o Ministério Público e o “Procurador de César” e o “Advogado do Fisco”, pois pensa que:

[...] nem um nem outro tiveram as funções de investigar e perseguir criminosos, permitindo concluir sobre o descrédito dessa analogia que tem sido sempre examinada com algum interesse, mesmo para os que acabam por repudiá-la. [...] (RIBEIRO, 2003, p.14)

No que se refere à origem etimológica do nome do Ministério Público, Ribeiro (2003) nega que este tenha raiz romana. Pois, a expressão romana “publico ministerium” simbolizava a contraposição de “ministério sagrado”. O primeiro representava o conjunto de atividades exercidas pelos ministros públicos e o segundo, as atividades desempenhadas pelos ministros da Igreja. Portanto, quanto à perspectiva de que a origem do Ministério Público é de natureza romana e que seu nome advém das mesmas raízes isso não se confirma, pois não há, neste contexto histórico, nenhuma alusão às funções públicas deste órgão. Ao contrário, ele tem o caráter de organismo particular do imperador, conforme comenta:

Sobre a origem do Ministério Público, essas diferentes hipóteses são mencionadas apenas para rememorar seu curso histórico. Todas estão praticamente rejeitadas pela doutrina. (p.15). “O nome Ministério Público também não tem origem em Roma, enquanto título de uma instituição estatal com funções definidas. (RIBEIRO, 2003, p. 19)

Macedo Júnior (1995), ao se referir à realidade estrutural do Ministério Público no século XVIII, mostra que a função de defensor dos interesses públicos nos processos judiciais, que lhe foi atribuído neste século, representava o resultado do processo de fusão de duas funções desempenhadas no século XVI por dois tipos de funcionários reais, aos quais era atribuído o papel de advogados dos interesses privados da monarquia. De acordo com Marques (1987), estes funcionários do monarca, apesar de se igualarem aos juizes no que se referia à defesa dos interesses reais, se diferenciavam destes por terem o poder de controlar as atividades judiciais desempenhadas pelos mesmos, em especial quando estas eram referentes aos interesses do Rei. Como mostra Macedo Junior:

[...] O Ministério Público resultou da fusão entre dois tipos de funcionários reais já encontráveis no Ancièn Regime: os Advogados do Rei (advocats du Roi), com atribuições cíveis de defesa dos interesses patrimoniais privados do monarca, e os Procuradores do Rei (procurateurs du Roi), com atribuições de sustentar a acusação dos criminosos e de cobrar os tributos reais nos tribunais. (MACEDO JUNIOR, 1995, p. 40)

Lopes (2000) discute que, apesar de alguns autores se reportarem à realidade social do Egito Antigo para se referirem às raízes do Ministério Público, a maioria dos estudiosos da área procura ter como marco histórico da origem do mesmo o advento do Estado Constitucional francês, mais precisamente a Constituição Revolucionária de 1791, que previa a existência de uma instituição nomeada de ‘Ministère Public’. Tratava-se de uma instituição composta por procuradores que tinham como função representar os interesses públicos nos processos judiciais. Ressalta que neste contexto de mudanças a novidade nascia na concepção rousseauniana que definia como interesse público a ‘volontè général’. Isso significava que a vontade geral não deveria ser confundida com vontade do governante ou com a de qualquer grupo em específico.

Lopes (2000) explica que foi na tradição francesa que nasceram as definições de Ministério Público (Le Ministère Public); o de Magistratura ereta (Magistrature Debout), que significava a permanência dos magistrados em pé no recinto das audiência judiciais; Magistratura sentada (Magistrature assise), referente aos juizes que se mantinham sentados no transcorrer das audiências e Parquet que designava a parte baixa das salas de audiências, conhecido como assoalho, lugar este onde permaneciam no decorrer das audiências os procuradores, os advogados e as partes do processo, enquanto que os juízes ocupavam os estrados, referente à parte superior dos recintos destinada às audiências.

Contudo, o mesmo autor se refere à mudança que viria a sofrer esta estrutura a partir da designação que possibilitou que os agentes do Rei passassem a compor o quadro de procuradores do interesse público. Assim, estes organizados em uma estrutura nomeada de Ministério Público passaram a ocupar nos estrados os lugares sentados junto aos Juízes. A partir dessas mudanças, Lopes (2000) afirma que:

[...] A conversão dos agentes do Rei em agentes da lei os manteve no controle externo da atividade judicial, posto que os juízes deixaram de ser delegados da vontade real, mas também foram designados como delegados da ‘vontade geral/legal’. Já os procuradores investidos da função acusatória tornaram-se eletivos. (LOPES, 2000, p. 34)

Cabe ressaltar que, mesmo hoje na realidade brasileira, existe uma diferença de disposição dos juizes e membros do Ministério Público na realização das audiências, pois, segundo Ribeiro (2003), apesar de a Lei Orgânica do Ministério Público da União determinar que os representantes desta instituição devam ocupar o lugar sentado à direita do representante do Poder Judiciário que preside a solenidade de realização de atos processuais, o autor esclarece que:

[...] Na prática, essa lei foi pouco cumprida, sendo exceções as audiências em que os juizes e membros do Ministério Público estão sentados no mesmo plano e a variedade dessa forma protocolar não deixa de traduzir, em termos, o tratamento diferenciado entre as posições do Ministério Público e do juiz, cuja causa pode derivar, inclusive, de questões conceituais quanto ao significado e papel histórico daquele. (RIBEIRO, 2003, p. 21-22)

A despeito da exposição feita acima, cabe destacar o que expõe Ribeiro (2003) quando mostra que a palavra latina ministerium era derivada de minister que significava alguém com a função de servir a outro (serviços inferiores). Portanto, ministerium representava o conjunto dessas funções e que magister significava comandar, mandar, assim, magisterium se referia ao conjunto de atividades desempenhadas por quem comandava.

Partindo deste ponto, Ribeiro (2003) mostra a existência de uma relação entre as expressões minister e magister como representação simbólica no parquet francês, a primeira representava os procuradores e a segunda os juizes. Buscando estabelecer uma igualdade entre ambos, foi determinado na França que tanto os juizes como os membros do Ministério Público fossem denominados de magistrados. Portanto, é comum que na Europa estes sejam tratados pela mesma titulação. Mas, neste tocante, no Brasil esta proposta não teve sucesso. Como dispõe:

No Brasil, houve proposta para atribuir aos membros do Ministério Público o título de

magistrados, tanto na Constituinte de 1987/1988, como na tentativa de reforma

constitucional, em 1994. Como essas propostas parlamentares tinham o objetivo de solenizar o tratamento pessoal e não de estender ao Ministério Público um conceito funcional de magistratura, o que já existe por equiparação do próprio Constituinte, nenhuma delas teve sucesso. [...]. (RIBEIRO, 2003, p. 21)