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ANÁLISE DOS DADOS: MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE A ATUAÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA EDUCAÇÃO NO DISTRITO

4.1 Promotoria de Educação: um olhar institucional

Na visão da Promotora, a escola representa um universo complexo e amplo de relações sociais. São diversas as situações de conflito em que a Promotoria atua como mediadora de questões que envolvem alunos, professores, famílias, escolas e a Secretaria de Educação do Distrito Federal. Entre tantas vivências está a violência na escola, que em sentido amplo é traduzida na depredação do patrimônio público; atos infracionais cometidos por adolescentes; más condições da estrutura física das escolas; falta de professores; falta de políticas públicas voltadas para a educação; aplicação inadequada de verba e as relações conflituosas que se estabelecem no seio da escola entre aluno(a)/aluno(a), aluno(a)/professor(a), aluno(a)/direção, família/escola no cotidiano escolar.

Na visão da Promotora, os conflitos vividos no âmbito educacional têm um fundo social. Para solucioná-los é necessário estruturar a articulação entre as diferentes esferas que compõem o universo da educação. Assim, é preciso que a escola desempenhe a sua função no desenvolvimento da criança e do adolescente, que a família assuma o seu papel de formador de valores, o poder público desempenhe a sua função de promover as condições para que a

educação aconteça e, finalmente, que a sociedade se perceba com responsabilidade no processo de formação da cidadania. Este trabalho conjunto está previsto no Artigo nº 205 da Constituição Federal de 1988, que prescreve a educação como um dever do Estado e da família em colaboração com a sociedade. No entanto, a Promotoria declara que:

[...] essa responsabilidade em todos os níveis [...] está um pouco perdida [...] acho que precisa de articulação, chamar família, chamar escola, chamar poder público e tentar discutir com eles cada caso. [...] (Promotora entrevistada)

Na perspectiva da Promotora, há muita dificuldade em responder a todas as demandas das escolas públicas do Distrito Federal, trabalhando escola por escola, na medida em que somam 620 estabelecimentos de ensino público e se tem disponível apenas o trabalho de duas Promotoras. Como não consegue atender o todo, a Promotoria desenvolve um trabalho que pontua visitas às Gerências de Ensino de cada Região Administrativas do Distrito Federal, promovendo reuniões com os grupos de diretores lotados nas respectivas Gerências, realizando visitas às escolas que apresentam maiores problemas e procurando desenvolver um trabalho paralelo com os Conselhos de Segurança Escolar do Ministério Público para combater a violência na escola.

Quanto às condições de trabalho, a Promotora entende que, para se realizar um trabalho preventivo e de atuação efetiva em todas as escolas do Distrito Federal, seria necessário contar com mais promotores e servidores. De qualquer modo, apesar de não ter a estrutura que gostaria e em algumas situações trabalhar de forma precária como no caso das inspeções das escolas e de mediação de conflitos, conta com o trabalho de servidores e assessores engajados no que fazem.

De acordo com a promotora há de certa forma uma proposta de reestruturação da Promotoria, no sentido de realizar várias atividades com o propósito de otimizar o seu trabalho com a estrutura de que dispõe como: organizar cursos de noções de direito, sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e de direito à educação para os servidores que não têm formação na área; mapear a rotina administrativa para que funcione melhor e selecionar as questões nas quais a mesma tem o dever de atuar.

Declara a promotora que, apesar de ser cobrada, a PROEDUC não tem a atribuição de atuar em todos os assuntos que dizem respeito à educação. Mesmo tendo como finalidade

tutelar o direito à educação, em sua acepção mais ampla, ela deve atuar quando implica a violação do direito à educação do aluno da educação básica (educação infantil e ensino fundamental e médio). O seu foco de atuação é a garantia do direito do aluno à educação. Segundo a Promotoria, hoje, o professor é ciente que a mesma não tem a atribuição de defender os seus direitos enquanto docente.

A Promotora acredita que há uma relação direta, mas não necessária, entre as condições de trabalho que são ofertadas ao professor e a qualidade da educação, pois nem sempre as más condições de trabalho se refletirão numa educação ruim. Pensa que a maioria dos professores realiza um bom trabalho, mesmo dispondo de condições ruins para isso em escolas precárias e violentas. Para a Promotoria isso acontece graças aos professores e diretores que estão ali com vontade de fazer a educação acontecer. Contudo, afirma que: “[...] Mas sem dúvida a condição de trabalho, eu acho que de qualquer trabalhador influencia no resultado do nosso trabalho, não há como negar.” (Promotora entrevistada)

De acordo com a Promotora as Representações (reclamações formalizadas) dirigidas à PROEDUC passam por um processo de averiguação para saber se os termos declarados têm consistência. Quando se trata de conflitos, no primeiro momento o procedimento é ouvir o outro lado envolvido na situação para saber o que está acontecendo, desde quando e por quê? Isso em algumas vezes pode ser feito por telefone, entretanto, pontua que nem toda Representação se transforma em ação regulamentar.

Segundo a promotora, a Promotoria de Defesa da Educação tem a preocupação de mostrar aos professores e diretores que nem sempre o Ministério Público vai estar contra o professor, ou contra a escola, ou contra o diretor ou contra o aluno, pois seu objetivo é buscar a melhoria do convívio muito mais do que culpados, principalmente quando se trata de uma situação de conflito. Acredita a Promotoria ter conseguido assim deixar claro o seu papel nas escolas. Para a PROEDUC, seu principal parceiro tem sido a comunidade escolar, a sociedade civil de modo geral, pois são eles que levam à Promotoria as Representações, e o Conselho Tutelar que faz o encaminhamento dos casos ao Ministério Público – PROEDUC quando necessário.

Os instrumentos usados para resolução dos problemas que chegam à PROEDUC, são: as Recomendações e as Mediações. Segundo a Promotora, as primeiras têm apresentado

resultados positivos junto à comunidade escolar, já no caso das outras a Promotoria confessa que o órgão não dispõe de uma estrutura para realizar o trabalho de mediação, que ainda permanece como um desejo. Entretanto, acredita que este trabalho deveria ser feito, não pela Promotoria, apesar de a mesma fazer, mas pela própria Secretária de Educação, esta deveria dispor de pessoas preparadas para realizar a mediação de conflitos.

A Promotora pontua que as Recomendações direcionadas à Secretaria de Educação para a melhoria da estrutura física das escolas e o diálogo com a comunidade escolar com o propósito de conscientizá-la de que deve ser feito um trabalho dentro da escola mostrando que o ato discriminatório é crime, são ações efetivas da instituição com objetivo de minimizar a desigualdade social por meio da educação.

Pontua a promotora que a Promotoria trabalha tanto com casos individuais quanto coletivos. Muitos dos casos individuais podem se transformar em casos coletivos por meio das Recomendações. Estas quase sempre nascem de uma questão individual e se transformam numa orientação coletiva como proposta preventiva que busca evitar problemas futuros. Um exemplo é o caso da Recomendação que determina que um aluno não pode ser transferido compulsoriamente de uma escola para outra, pois isto significa uma forma de transferência de problema. Outro exemplo é a determinação de inclusão, ou seja, toda escola tem que proporcionar meios de inclusão para toda criança ou adolescente que apresente um determinado comportamento que requeira um atendimento diferenciado. Com relação a isto, a Promotoria argumenta que:

[...]. O direito à educação [...] é um direito de todos, então ele é um direito inclusive daquele aluno que não quer estudar, daquele aluno que o pai não quer que estude, daquele aluno que tem dificuldades de estudar, daquele aluno que está defasado, daquele aluno enfim que tem problemas psicológicos, que tem transtorno, então a escola tem que saber lidar com todos esses. (Promotora entrevistada)

A promotora entende que para a concretização desse direito é necessário que se desenvolva um trabalho integrado entre a Secretaria de Educação, a escola, a Secretaria de Saúde, o Conselho Tutelar e a família, pois a escola sozinha não tem condições de proporcionar bom atendimento ao aluno (a). Na falta dessa rede articulada, a escola deve recorrer à Promotoria de defesa da educação para conseguir melhor atendimento para o aluno. Disso decorre a certeza da confiança que a escola deposita na ação da Promotoria, pois

declara que muitas vezes a própria escola a procura como mediadora, para discutir o problema e buscar soluções articulando os serviços necessários.

Quanto à relação Promotoria/Governo, a entrevistada entende que não se deve estabelecer uma relação agressiva com os poderes públicos. Acredita que é necessário haver um canal de comunicação em que ambos comunguem da idéia de que se deve trabalhar junto em prol de políticas públicas que venham promover a melhoria na educação. Contudo, deve ficar claro que a Promotoria não fará nenhum acordo e concessões que restrinjam direitos.

A Promotoria vê uma relação de proximidade com o Conselho de Educação do Distrito Federal ao participar das reuniões que acontecem no Conselho de Educação quando as discussões saem da esfera cartorial ou para expressar a posição da Promotoria caso sua posição represente a minoria do Conselho. Também se aproxima do Conselho ao encaminhar, para a apreciação deste órgão, alguns problemas concretos que chegam à Promotoria, submetendo ao Conselho questões que podem levar à criação de Resoluções e Pareceres que possam vir a servir como normas para a educação.

Quanto à relação PROEDUC/Conselhos Escolares, reconhece, como sua atribuição, o trabalho de verificação do funcionamento dos Conselhos Escolares. Entretanto, confessa que até agora nada foi feito por parte da Promotoria para garantir o funcionamento dos Conselhos. A instituição ainda está estudando como serão feitos a partir da gestão escolar de 2008, o acompanhamento e a fiscalização do funcionamento dos Conselhos Escolares, para que passem a exercer, entre outras, as suas funções pedagógicas e disciplinares, como previsto em Lei.

Para a Promotoria, o Conselho Escolar é uma reunião de pessoas que representam os diferentes segmentos da escola cuja finalidade é discutir educação em uma realidade específica. Portanto, pensa que o mesmo deve assumir o papel de representante da comunidade escolar, pois cabe a ele diagnosticar o problema em uma determinada realidade e saber o que deseja a comunidade, o que é necessário fazer e saber quando, onde e como deve solicitar no ambiente escolar ou fora dele, a presença do Ministério Público.

Sobretudo, entende que o papel de fiscalização e acompanhamento do trabalho desses Conselhos não deve ser feito apenas pelo Ministério Público mas também pela própria

Secretaria de Educação do Distrito Federal. Reconhece a falta de tempo dos pais para participarem desses Conselhos, porém pontua a importância desta fiscalização social como forma eficaz de prevenção, pois acredita que existem descrédito e desconhecimento da comunidade escolar em relação ao Conselho Escolar e, para tanto, conta com a criatividade dos gestores das escolas para conseguirem fazer com que a comunidade participe e faça com que o Conselho desempenhe suas reais funções.

Quanto ao trabalho desempenhado pelo Conselho Tutelar, a Promotoria pensa que apesar de o Conselho trabalhar em condições precárias no Distrito Federal, seja por falta de pessoal, falta de verba, grande abrangência da área de trabalho, ou preconceito da comunidade escolar contra o Conselho Tutelar, a Promotoria acredita no papel e no trabalho dele. Quando a Promotoria recebe um caso de criança ou adolescente em situação de risco ou outros problemas próximo da esfera de atuação do Conselho Tutelar, a PROEDUC encaminha a situação para apreciação do mesmo e, quando necessário, discute soluções. Sobretudo, existe um contato freqüente entre ambos quando o assunto é educação. Segundo a promotora, sempre que está presente na escola, procura desmistificar a visão negativa que professores e gestores das escolas têm sobre o papel e o trabalho desempenhado pelo Conselho Tutelar.

Há, por parte da Promotoria, um esforço e o interesse de manter um diálogo aberto e constante com os diferentes segmentos da sociedade. Por isso, quando é convidada a participar das audiências públicas, seminários, conferências e outros eventos para discutir educação, sempre que possível procura estar presente para expressar e esclarecer a posição da Promotoria. Há na PROEDUC a proposta de realizar um fórum de educação para se discutir os problemas da área, no entanto, isto ainda não pôde ser concretizado.

A Promotoria acredita que é importante discutir os problemas educacionais com todos os segmentos da sociedade, sobretudo, procurar saber quais são os anseios da população em relação à educação no Distrito Federal. Por isso, alimenta o desejo de promover audiências públicas com o intuito de discutir com as diferentes representações da sociedade, temas relevantes na área educacional. Como não conseguiu concretizar eventos dessa natureza, participa de reuniões com o Conselho Tutelar e a Promotoria da infância quando o tema em discussão é a educação. Também participa, quando convocada, de audiências públicas que são realizadas por outros organismos.

A Promotoria considera importante que as escolas e os alunos conheçam e reconheçam o Ministério Público como uma instituição que trabalha não apenas como um órgão repressivo, mas também com o intuito preventivo. Como a PROEDUC não pode estar presente em todas as escolas para fazer os devidos esclarecimentos sobre quando, como e onde deve-se procurar os serviços da Promotoria, solicitou a confecção de folhetos para serem distribuídos nas escolas que informem quais são as atribuições da Promotoria, como ela procede, onde procurar os seus serviços e como procurar.

A promotora explica que há uma preocupação por parte da PROEDUC de mostrar às crianças e aos adolescentes nas escolas que a cada direito corresponde a um dever. Que o direito à educação corresponde ao dever de respeitar os professores e os colegas, de freqüentar as aulas, de ter o conteúdo que foi ministrado entre outras coisas, pois acredita que é importante trabalhar a relação direta que se estabelece entre direitos e deveres por meio dos conteúdos programáticos nas escolas. A declaração da promotora remete ao que pensa Goyard-Fabre (2003) quando mostra que a liberdade democrática se traduz por meio dos acordos que se estabelecem entre a multiplicidade e a unidade, pois existe uma relação intrínseca entre o que se tem como direito e o que se tem como dever.

Segunda a promotora, a divulgação do trabalho realizado pela PROEDUC, o telefone da instituição, seu endereço e suas atribuições estão disponíveis na página do Ministério Público na Internet. Quanto à relação mídia/Promotoria de Educação esta relação só acontece nos casos em que a Promotoria acredita ter certa repercussão social, visto que nem sempre as ações efetuadas pela Promotoria podem ser divulgadas, por envolverem crianças ou adolescentes. Nesta página também é feita a propaganda dos eventos que são realizados pela instituição, para que os diferentes atores sociais possam saber do que tratará o evento, onde ele irá acontecer, quando será realizado e como participar.

Acredita a Promotora que não é difícil localizar a PROEDUC para solicitação de seus serviços. Isso acontece porque as pessoas de modo geral podem obter informações por meio do link próprio da Promotoria na Internet, na Ouvidoria do Ministério Público ou na Promotoria da infância. Entende, também, que mediante as demandas que chegam à Promotoria na forma de Representações feitas por pais de alunos, alunos, professores, diretores e pela própria Secretária de Educação, a comunidade de modo geral sabe da

existência da PROEDUC, da sua localização dentro do Ministério Público, conhece o seu trabalho e confia na sua atuação.

De certo modo, a visão da Promotoria está limitada a uma percepção de quem vive muito mais o cotidiano de gabinete do que a complexa dinâmica vivida na escola. Na realidade o que se observou com a coleta de dados foi que apenas uma pequena parcela da comunidade escolar sabe da existência da PROEDUC e conhece a suas atribuições, conforme se pode constatar pelos depoimentos e entrevistas de outras categorias funcionais, como diretores (as), professores (as) e alunos (as). Muitas vezes desconhecem até a função sócio- jurídica do Ministério Público.

Entende-se que a partir dos ideais democráticos propostos pela Constituição Federal de 1988, o novo papel atribuído ao Ministério Público e em especial à PROEDUC representa a possibilidade de fortalecimento da cidadania a partir da defesa dos direitos sociais, como também instrumento institucional responsável por mediar a ligação que deve se estabelecer entre as demandas oriundas dos diferentes grupos sociais que compõem a sociedade civil e o Estado. Assim, pode-se retomar o pensamento de Bobbio (2007) quando percebe uma relação entre o nível qualitativo e quantitativo de governabilidade de uma sociedade a partir da capacidade que o Estado tem para responder às demandas oriundas da sociedade civil por meio de suas instituições.

Na realidade o que se pode observar é que o discurso da PROEDUC, apesar de estar assentado no desejo de advogar a favor do cidadão no que diz respeito ao direito à educação, não consegue responder a tantas demandas sociais que se apresentam no âmbito educacional. Por apresentar uma infra-estrutura inadequada, muitas vezes não corresponde aos anseios da comunidade escolar.

Apesar de se pontuar a importância do papel desempenhado pelo Ministério Público para responder às demandas da sociedade no âmbito educacional, trabalhando no sentido de se fazer cumprir o que determinam as Leis que orientam a educação no Distrito Federal, o que pode ser conferido pelas Recomendações propostas pela Promotoria de 2000 a 2008, também numa visão crítica, se percebe que a PROEDUC tem dificuldade para cumprir as funções que lhe foram atribuídas a partir da sua criação como: a fiscalização para o funcionamento efetivo

do Conselho Escolar, uma relação mais estreita com o Conselho de Educação e melhor visibilidade da atuação da instituição para a comunidade escolar.

Pode-se, portanto, entender que a PROEDUC, ao ter a missão de assegurar ao aluno da educação básica o cumprimento dos direitos educacionais propostos pela Constituição Federal de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº 8.069/90, artigos 53 a 59 reforça o pensamento de Rousseau quando o mesmo afirma que o cumprimento do que prevê o “Contrato Social” possibilita ao homem propor e promover novos caminhos que levem à superação da desigualdade social. É isto que tenta realizar a Promotoria de Defesa da Educação, pois é a instituição responsável pela universalização da cidadania educacional, cuja efetividade é essencial para a manutenção da estrutura social.

4.2 Conselho de Educação e Ministério Público: uma relação necessária, uma aliança a