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etária dificultavam a reprodução natural, o segundo é muito mais favorável, com a predominância esmagadora de escravos nascidos localmente, um equilíbrio de sexos, uma grande percentagem de adultos e crianças e uma pequena quantidade de velhos, precondição para o processo de crioulização.

Estudando aspectos da demografia escrava no Rio Grande do Sul, Mário Maestri se surpreendeu com o seu crescimento vegetativo antes mesmo do fim do tráfico negreiro em 1850. Bastante influenciado pelas teses de Jacob Gorender nessa matéria, o espanto do autor advinha justamente do fato de que a realidade histórica com a qual se deparava estava a negar o modelo teórico do qual partia. Segundo esse pressuposto, a atuação das leis que regiam o modo de produção escravista colonial impossibilitava o processo de reprodução natural da população escrava, algo apenas possível com o apelo ao tráfico africano. A saída encontrada pelo autor foi a de admitir o caráter excepcional do caso em estudo.239 Ora, a conclusão a que chegamos para Campina Grande no presente estudo e as que outros autores vêm chegando, para regiões com perfis tão variados no tempo e no espaço, podem ser um indicador claro de que o fenômeno do Rio Grande do Sul não foi tão incomum, conforme pensava o historiador

gaúcho. Assim, podemos concluir afirmando que o processo de crioulização e reprodução

endógena da população escrava de Campina Grande guarda semelhanças e diferenças em relação a outras experiências ocorridas no Brasil mais ou menos na mesma época.240

As muitas cores da escravaria em Campina Grande

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Ver MAESTRI, Mário. Deus é grande, o mato é maior! História, trabalho e resistência escrava no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: EDUPF, 2002, pp. 155/166. Para a caracterização de uma suposta lei que regeria a população cativa no escravismo americano, ver GORENDER, Jacob. Op. cit. pp. 316/369. A única exceção que o autor admite diz respeito ao período que sucede o fim do tráfico negreiro em 1850, quando os senhores se viram obrigados a apostar na reprodução natural para fazer frente ao iminente fim do sistema.

240

Ao que tudo indica, a hipótese da reprodução natural e o conseqüente processo de crioulização não eram exclusivos dos espaços agrestino e sertanejo da província. Em tese recém-defendida, a historiadora Solange Pereira Rocha, fazendo uso de documentação paroquial, chegou a conclusões semelhantes para três áreas de agricultura de exportação da Paraíba, a chamada zona da mata canavieira. Ver ROCHA, Solange Pereira da. Gente negra na Paraíba oitocentista: população, família e parentesco espiritual. Doutorado em História. Recife: UFPE, 2007, p. 125/140. Para exemplos de estudos monográficos em diferentes regiões do Brasil escravista ver, dentre outros, KNOX, Miridan Brito. Escravos do sertão: demografia, trabalho e relações sociais. Piauí. 1826- 1888. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995; MARCONDES, Renato Leite. “Posse de cativos no interior do Maranhão (1848)”. In. Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano. Nº 61, 2005, pp. 169/186; CARLI, Caetano De’. “Família escrava no sertão de Pernambuco (1850-1887)-O caso da Fazenda Pantaleão”. In. Revista do IAHGP. Nº 61, 2005, pp. 151/168; GUTIÉRREZ, Horácio. “Demografia escrava numa economia não-exportadora: Paraná, 1800-1830”. In. Estudos econômicos. Nº 17, maio/agosto 1987, pp. 297/314; CAMPOS, Adriana Pereira. “Escravidão e creolização: a capitania do Espírito Santo, 1790- 1815”. In. FRAGOSO, João Luís; FLORENTINO, Manolo; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de; CAMPOS, Adriana Pereira (Orgs). Nas rotas do Império. Vitória: EDUFES, 2006, pp. 571/608.

Em 1830, Maria Francisca da Conceição, moradora na Vila Nova da Rainha de Campina Grande, pretendia casar-se com Miguel Rodrigues de Souza, porém, seu pai, José Francisco Bezerra, fez forte objeção ao enlace. Contrariada com a negativa de seu genitor, Maria fugiu para a casa de uma pessoa “honesta”. Qual a razão levantada pelo pai para proibir o relacionamento da filha? Segundo ele, havia “desigualdade” entre ela e o seu pretendente. Qual era a natureza de tal “desigualdade”? No inquérito civil instaurado para averiguar o litígio, ficamos sabendo de detalhes reveladores dessa história.241

A primeira testemunha chamada a depor foi Luis Gouveia, branco, casado, morador no Luango do termo da vila; vivia de criar seus gados, 61 anos de idade. Sobre o fato, apresentou a seguinte informação:

Que sabe ele testemunha de ciência certa por ser vizinho do futuro esposo da justificante que o mesmo é homem pardo disfarçado, o que afirma pelo inteiro conhecimento que tem de seus pais que sempre os conheceu (...) que o referido Miguel (...) não é em sangue da qualidade da justificante, visto ser aquela branca e o seu futuro esposo de qualidade que já havia dito (...).242 A testemunha que depôs em seguida chamava-se José Pereira Guimarães, pardo, casado, morador na vila; vivia de seu oficio de sapateiro e contava com 42 anos de idade. Ao ser inquirido declarou que:

Sabe por conhecer, ver e presenciar que a justificante pela sua cor representa ser branca e que seu pai José Francisco Bezerra pela sua cor representa o mesmo; porém que a avó da dita justificante pela sua cor representa ser parda, que a mãe da justificante também representa ser branca. Disse (...) que o futuro marido é homem pardo e que bem representa pela cor, e que seu pai (...) também é homem pardo. 243

A terceira e última testemunha, Domingos Pereira Chaves, pardo, casado, morador na vila, onde vivia de seu oficio de (ilegível), 63 anos, afirmou, dentre outras coisas, que:

O pai e avó paterno pelas suas cores representam ser brancos, e que sempre foram tidos por estes. Disse mais ele que (...) o pretendido (...) é homem pardo claro e sabe mais ele que o pai (?) do pretendido é pardo, o que bem representa pela sua cor. Disse que sabe por ouvir dizer que a falecida mãe do futuro esposo (?) era parda.244

Após verificar os depoimentos e demais provas, o juiz de órfãos, o capitão-mor Antonio de Barros Lira, emitiu a seguinte sentença:

241

Para o que se segue ver Autuamento de uma certidão com o teor de uma carta precatória de diligência civil de Maria Francisca da Conceição, filha de José Francisco Bezerra, da Vila Nova da Rainha para a Vila Real de São-1830. Documento avulso. ADJFACCG.

242

Ver Autuamento...Op. cit

243

Ver Autuamento... Op. cit.

244

Ver Autuamento... Op. cit.

Atendendo a falta de prova pelas testemunhas oferecidas e inquiridas por mim não posso julgar legítima a igualdade que se pretende, e por isso julgo nenhuma a justificação pretendida e pague a justificante as custas. Vila Nova da Rainha, 6 de abril de 1830.245

Como fica claro, não só pela fala das testemunhas, mas também pelo próprio despacho da autoridade judicial encarregada de resolver o litígio, era o fato de Miguel ser pardo e Maria ser branca o fundamento da “desigualdade” entre ambos, fator esse alegado pelo pai, José Francisco Bezerra, para impedir a união matrimonial de sua filha. Como bem lembrou a primeira testemunha, embora Miguel fosse um rapaz “cristão verdadeiro e de mãos limpas”, o sangue que corria em suas veias não era da mesma qualidade do que corria pelas veias da “justificante”.

Sabe-se que o termo “pardo” guarda em si uma ambigüidade intrínseca. Como quase todos os termos referentes aos africanos e seus descendentes diretos e indiretos, ele foi transposto do plano da natureza para o das relações sociais, numa espécie de metaforização das tramas humanas. No século XIX, pardo era alguém “de cor entre branco e preto, como a do pardal”. Mas também poderia ser sinônimo de mulato, este definido como “o filho do cavalo, e burra, macho asneiro” e, por analogia, “filho, ou filha de preto com branca, ou às avessas, ou de mulato com branco até certo grau”.246 Assim, ao proibir o casamento de sua filha, o branco José Francisca Bezerra estava recusando a entrada de alguém na sua família, na condição de genro, que, no limite, teria em sua origem sangue de preto, uma “mácula” que naquelas circunstâncias deveria ser evitada. Afinal de contas, o ideal do homem branco oitocentista estava associado à imagem de “gente polida”.247

Infelizmente não sabemos ao certo o desfecho final desse caso de amor proibido por determinadas convenções sociais de época. O certo, porém, é que a partir dele podemos problematizar uma faceta crucial daquela sociedade. Como seria de esperar, numa sociedade que em grande medida racializou as relações humanas entre os seus grupos constitutivos, a cor não seria algo de menor importância na conformação das hierarquias sociais. Afinal, a escravidão no Novo Mundo se caracterizou, dentre outros traços, pela dominação de um grupo subalterno por outro, tendo como parâmetro a raça, no caso dos africanos e de seus descendentes, constituindo assim uma das mais poderosas formas de racismo da modernidade. Para quem carregava suas marcas no corpo e/ou na alma, ela podia ser um defeito ou uma

245

Ver Autuamento... Op. cit.

246

Ver SILVA, Antonio de Morais. Dicionário da língua portuguesa. 6ª ed. Lisboa, Typografia de Antonio Jose da Rocha, 1858, pp. 401 e 486. Mesmo que a definição do dicionário não seja uma verdade absoluta, elas podem servir como um ponto e partida para melhor entendermos a questão.

247

Ver SILVA, Antonio de Morais. Op. cit. pp. 349/350.

virtude, dependendo de quem era nomeado, quem nomeava e em qual circunstância, socialmente falando, se dava a nomeação. Nesse sentido, uma mesma pessoa, como que num “passe de mágica”, podia mudar ou variar de cor. A nossa história de amor não consumada ainda serve de parâmetro. Convém lembrar que embora não houvesse dúvida por parte das testemunhas em relação ao fato de que Miguel fosse um pardo, mesmo assim foram registradas variações terminológicas. Por exemplo, a primeira testemunha, classificada pelo escrivão como sendo “branca”, chamou Miguel de “pardo disfarçado”, enquanto que a terceira testemunha, ela própria parda, usou o termo “pardo claro” para se referir ao pretendente. A própria branquitude do pai de Maria também foi sutilmente posta em dúvida pela segunda testemunha, que asseverou ser a mãe dele parda. Ora, a acreditarmos nessa versão, no espaço de uma geração o nosso personagem sofreu uma metamorfose racial, pois se sua mãe de fato fosse parda (como eram os pais do “futuro” marido que não chegou a ser) então ele próprio e a filha estariam mais próximos de seu oponente do que poderiam imaginar. Desse modo, a sua suposta cor poderia ser ela própria “pouco clara”. Essa possível proximidade se torna mais plausível ainda quando lembramos que foi a filha que tomou a iniciativa de consumar o seu desejo afetivo, ao fugir de casa e depois solicitar a abertura da investigação judicial. Ou seja, estamos diante do exemplo de um complexo processo de construção de identidade sócio-racial, elaborado, sancionado e, às vezes, contestado nas práticas cotidianas, modificando-se de acordo com as situações vividas concretamente pelos sujeitos históricos envolvidos.248

Portanto, o sistema de classificação racial da sociedade escravista brasileira oitocentista não era de todo uniforme, sofrendo variações, às vezes de forma mais sutil ou às vezes de maneira mais drástica, porém com o sentido nítido de demarcar as posições sociais, especialmente aquelas que separavam homens livres de escravos e libertos. Tudo isso, inclusive, se refletia na documentação utilizada pelo historiador, pois muitas vezes um mesmo indivíduo poderia se classificado de maneira diferente, de acordo com a fonte e as circunstâncias em que se dava esse ato. O caso de Casimira a este respeito é emblemático no

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Ver SANTOS, Jocélio Teles dos. “De pardos disfarçados a brancos pouco claros: classificações raciais no Brasil dos séculos XVIII-XIX”. In. Afro-Ásia. nº 32, 2005, pp. 115/137; GUEDES, Roberto. “Sociedade escravista e mudança de cor. Porto Feliz, São Paulo, século XIX”. In. FRAGOSO, João Luís et ala (Orgs). Op. cit. pp. 447/488; CASTRO, Hebe Maria de Mattos. Das cores do silêncio: o significado da liberdade no sudeste escravista-Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. Em Campina Grande detectamos também algo que esta última autora constatou no Sudeste, ou seja, o desaparecimento da cor como elemento caracterizador das pessoas, especialmente em fontes judiciais, silenciamento esse advindo das transformações geradas pelo fim do tráfico negreiro e por outras mudanças correlatas na conjuntura da segunda metade dos oitocentos. Contudo, em outros documentos emitidos pela burocracia imperial local, como os assentos de batismo, casamento e óbito, a referência racial persiste até pelo menos o alvorecer da República.

que diz respeito aos usos e abusos da classificação racial vigente no Brasil oitocentista. Nascida em 15/08/1857 na vila de Assembléia das Alagoas, na descrição do inventário de seu primeiro senhor, o capitão Manoel Alberto Maia, ela foi classificada como sendo “mulatinha”, filha natural da escrava Arcanja, em 1862. No espólio final dos bens, ela coube a uma neta do finado, de nome Francelina. Depois de enviuvar de Galdino de Oliveira Maia, esta migrou para Campina Grande, onde voltou a casar em 23/09/1870, desta vez com Antonio Barbosa da Silva. Quando da classificação na matrícula especial, realizada 24/09/1872 na coletoria geral do município, a cor de Casimira mudou para “cabra”. Alguns anos depois, em 1877, ela entrou com uma ação de liberdade que correu na justiça local contra seus então supostos proprietários, alegando ter sido forra em pia batismal. Durante todo o transcorrer do processo, ela passou a ser reconhecida por todos como “parda”. Como explicar essas mudanças e quais seus significados? O fato de Casimira ter em sua trajetória de vida mudado de residência fez com que ela fosse nomeada de maneiras diferentes não só pelos responsáveis pela denominação de sua cor, como também pelas comunidades em que ela se inseriu em diferentes momentos de sua vida. Porém, há algo que pode ser agregado a essa explicação mais geral. É que socialmente havia uma espécie de gradação das cores, algumas mais e outras menos negativas, em se tratando de escravos e dos seus descendentes. Assim, no momento em que Casimira foi inventariada e classificada, ela foi denominada de “mulata” e “cabra”, termos que reforçavam a sua condição de escrava, de não livre. Já quando passou a litigar juridicamente a liberdade com seus supostos senhores, num momento histórico em que a escravidão se deslegitimava, ela se distanciou da condição de cativa e se aproximou de valores ligados à autonomia. Daí o seu reconhecimento como “parda”, um termo mais adequado para aquela ocasião.249

Neste tópico vamos nos deter na classificação da cor dos escravos, levando em consideração os dados de variadas fontes, buscando discutir suas implicações sociais e políticas.250

249

Ver Tribunal da Relação de Pernambuco. Apelação Civil do Juízo de Direito da Comarca de Campina Grande da Província da Paraíba. Apelante, o Juízo. Apelado, Casimira, por seu curador-1878. AIAHGP.

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O estudo das cores dos escravos tinha implicações, por exemplo, na política de alforrias. Trabalhando com cartas de liberdade em Campina Grande, no período de 1858 a 1888, observamos que eram os pardos e mulatos que potencialmente reuniam as melhores condições para se alforriarem junto a seus senhores. Dos 99 casos que mencionam a cor dos contemplados, 6 eram cabras, 28 pretos e 65 pardos ou mulatos. Um caso interessante sobre as implicações sociais e política da categoria cor se deu em 1875. Por não ter aceitado um pecúlio no valor de 400$000 pela alforria de sua escrava Severina, João da Silva Amorim Junior teve que enfrentar um processo de arbitramento de valor na justiça. Um dos argumentos utilizados por Severina a favor de sua liberdade foi justamente a sua condição de mulata. Ver Livros de Notas-1858/1888. ACPONCG; Ação de liberdade da escrava Severina contra seu senhor João da Silva Amorim Junior-1875. SEDHIR/UFCG.

Comecemos pelos dados censitários disponíveis. O censo de 1872 simplificou em muito o repertório de cores que circulavam no Brasil do século XIX. Em relação à população de condição livre de Campina Grande, 45% das pessoas foram classificadas como sendo brancas, 46% pardas, 7% pretas e 2% de caboclas. Quanto aos 1.105 escravos do município oficialmente recenseados, foram divididos em apenas duas categorias, a saber, pretos e pardos. Se em relação aos homens livres os índices são dispares entre si, no seio da escravaria a divisão bipolar foi mais ou menos equânime. Assim, 563, ou 51%, foram identificados por pretos, enquanto que os 542 restantes, 49%, foram incluídos na categoria dos pardos. Quanto à relação cor/sexo, observamos algumas modificações no quadro. Entre as escravas 52,6% eram pretas e 47,4% pardas. Por seu turno, no que respeita aos escravos há quase que uma inversão, pois destes 49,4% eram pretos e 50,6% pardos.

Os dados dos inventários, embora incompletos, nos oferecem um cenário bem mais interessante em termos de possibilidade de análise, em comparação ao que o censo nos apresenta em relação às possíveis leituras do significado da cor para a caracterização da escravaria de Campina Grande; a começar pelo número maior de cores com que os cativos foram classificados pelos burocratas e proprietários responsáveis pela nomeação dos mesmos:251

Quadro 19: DIVISÃO DA POPULAÇÃO ESCRAVA DE CAMPINA GRANDE SEGUNDO A COR – 1785/1888

Cor Quantidade Percentual

Preto 623 20,2 Mulato 365 12,0 Cabra 295 9,6 Negro 60 1,9 Pardo 65 2,1 Mestiço 4 0,1 Caboclo 4 0,1 Fulo 2 0,06 Sem registro 1.662 53,94 Total 3.080 100,0

FONTE: Inventários post-mortem – 1785/1888.

Um primeiro fator nos chama de imediato a atenção. Na listagem acima constam alguns poucos caboclos, talvez os últimos remanescentes escravizados dos tapuias locais. Essa nossa hipótese é reforçada quando sabemos que, nos séculos XVIII e XIX, o termo era sinônimo de alguém não apenas de “cor avermelhada, tirante a cobre”, mas também “Tapuya,

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Nesse sentido, os inventários estão mais próximos das listas de matrícula. Os responsáveis pela confecção destas últimas utilizaram 6 cores para caracterizar os 260 escravos da mostra, a saber: preta (40%), mulata (15%), parda (11,6%), fula (6,5%), crioula (3,1%) e cabra (23,8%). Ver Listas de matrícula de escravos do município de Campina Grande-1872. SEDHIR/UFCG.

gentio do Brasil”.252 Outro grupo dentre os escravos representado em reduzidíssimo número era composto pelos chamados mestiços, grupo que contava com apenas 4 representantes, um universo numérico, em termos de percentual, quase igual a zero. A rigor, estes são definidos como seres misturados, “Filho de animais, que não são da mesma espécie”; ou ainda “O filho de Europeu com Índia, de branco com mulata etc”.253 É possível que com o tempo o termo tenha caído em desuso e substituído por outros mais correntes, no sentido de dar conta das transformações operadas nas relações sociais e na mudança no perfil da população escrava local. Ainda entre os grupos de cor minoritários da mostra se encontram os “fulo”. Segundo a definição dicionarizada do século XIX, “Diz do preto, e do mulato, que não tem a sua cor bem fixa, mas tirante a amarelo, ou pálido”.254

Com exceção das três categorias anteriores, as demais estão mais bem representadas no âmbito da escravaria campinense. A novidade é que os pardos, em comparação com os dados do censo, estão sub-representados, com 65 indivíduos, ou seja, apenas 2,1%. Muito distante, portanto, dos quase 50% que o recenseador registrou em 1872. Em compensação, temos uma parcela significativa de mulatos – termo que como vimos também era sinônimo de pardo - com seus 365 representantes, ou, traduzindo em termos percentuais, 11,851%. Próximo a esse grupo estavam os cabras, com quase 10%, ou 295 indivíduos. Como a maioria das categorias raciais da época (com a óbvia exceção de brancos), a definição de cabra mistura aspectos humanos e animalescos na sua classificação, pois este último é ao mesmo tempo caracterizado como “o filho ou filha de pai mulato, e mãe preta, ou às avessas” e “animal quadrúpede dos menores..., fêmea do bode, ou cabrão”.255 Era um dos termos preferenciais utilizados pelas elites escravocratas brancas e por seus aliados para humilhar escravos e seus descendentes, na guerra real e simbólica travada no cotidiano brasileiro do século XIX. A título de exemplo, os irmãos Ignácio Gomes Correa e João da Mata Bispo foram algumas das vítimas deste tipo de insulto racista em Campina Grande. Embora de condição livre, não é descabido imaginar que fossem descendentes de escravos, pelas condições sociais precárias em que viviam e pela cor da pele. Ambos eram moradores no