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Para atingir as metas traçadas acima, estruturamos a tese em quatro capítulos, cujos primeiros contornos passamos a apresentar e a detalhar em seguida, no que diz respeito às questões centrais desenvolvidas em cada um deles.

Primeiro capítulo: o objetivo do primeiro capítulo é apresentar os cenários e alguns dos personagens com nos quais os escravos viveram e conviveram. Ele se justifica tanto pelas lacunas constatadas na historiografia existente como também pelo desenvolvimento inicial de algumas questões metodológicas e históricas que irão atravessar o trabalho de ponta a ponta. Assim, embora o nosso trabalhar priorize aspectos de cultura e da resistência escrava no antigo município de Campina Grande, durante o século XIX, partimos do pressuposto de que é impossível entender essas questões desvinculadas da dinâmica histórica em que elas estavam inseridas. Daí a necessidade de compreender o processo de formação histórica daquela sociedade, para se perceber como, simultaneamente, até que ponto os seus elementos caracterizadores condicionam e foram condicionados pelo agenciar dos personagens principais da nossa trama.

Situada no chamado agreste da Borborema, funcionando como ponto de convergência entre o litoral e o sertão, Campina Grande não deixou de sofrer os influxos históricos de uma região de fronteira, uma verdadeira encruzilhada de relações, homens e idéias59. Nesse ambiente se formou, ao longo do século XIX, uma sociedade com traços que eram ao mesmo tempo peculiares, mas que também acompanharam o contraditório processo de formação do Estado imperial, em termos de instituições e de grupos sociais. É para essa realidade em

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Esse traço caracterizador de Campina Grande pode ser exemplificado com o fato de que era comum os moradores locais terem propriedades em localidades vizinhas ou até mesmo em municípios de outras províncias. Como também o contrário era verdadeiro, ou seja, proprietários de outras áreas terem bens por aqui, realidade essa que costuma aparecer com freqüência na documentação pesquisada, conforme veremos em diferentes momentos do trabalho.

mutação que chamaremos a atenção no capitulo, discutindo os seguintes itens: esboço de formação histórica de Campina Grande no contexto de ocupação e expansão do interior, processo esse que remonta ao final do século XVII e ao começo do seguinte; caracterização dos espaços econômicos formados no município, especialmente a grande propriedade algodoeira e pecuarista, a pequena e a média propriedade agrícola comercial e de subsistência; caracterização dos principais grupos livres da sociedade local, a exemplo dos grandes proprietários, burocratas, homens pobres livres e suas tensões; correlacionar, através das diferentes conjunturas políticas do século XIX, as articulações dos grupos locais no contexto maior de formação do Estado imperial no Brasil oitocentista.

Segundo capítulo: se no capitulo anterior, em função de sua natureza panorâmica, predomina um enfoque mais horizontal da realidade, a partir daqui a abordagem começa a se verticalizar, com o aprofundamento do objeto de estudo. Assim, o objetivo principal deste capítulo é recuperar o mundo da escravidão em Campina Grande do século XIX, através da caracterização de suas variáveis econômica, demográfica e social.

Dadas essas premissas gerais, pretendemos desenvolver mais detidamente os seguintes pontos: origens étnicas dos escravos de Campina Grande, destacando seus vínculos com a história do tráfico africano para o porto do Recife; padrões de distribuição e de posse dos escravos entre os proprietários locais; o processo de crioulização e a reprodução natural da escravaria local; ocupação e distribuição da população escrava entre as diversas atividades econômicas, tais como a grande lavoura, a pecuária, a cultura de subsistência, as atividades domésticas e artesanais; o valor e peso da propriedade escrava no conjunto da economia local; o papel da cor e de suas implicações para a escravaria e demais grupos sociais. Enfim, o objetivo do capítulo é perceber como essas condições materiais influíram no estabelecimento de padrões de sociabilidades entre senhores e escravos locais ao longo do século XIX.

Terceiro capítulo: aqui retomamos algumas questões do capítulo anterior para discutir o processo de formação de uma comunidade escrava em Campina Grande, ao longo do século XIX, com especial ênfase no mundo do trabalho e do parentesco consangüíneo e espiritual. Para isso, pretendemos discutir aspectos ligados ao cotidiano do trabalho e às condições materiais de existência da escravaria nas diversas atividades sócio-econômica e tipos de plantéis; o processo de formação e as peculiaridades da família e do parentesco escravo e suas condições de reprodução no tempo; a trajetória de grupos familiares e seu papel no processo de formação de uma comunidade de interesses.

Quarto capítulo: esse capítulo tem como meta central acompanhar e discutir mais detidamente, a partir de uma série de condicionantes e variáveis históricas, a gestação de uma

cultura de resistência escrava, em suas mutações e permanências, ao longo do século XIX no antigo município de Campina Grande. Para atingir esse objetivo, discutimos três tópicos, a saber: a criminalidade escrava e seus significados políticos e sociais; o movimento de fugas, sua dinâmica ao longo do tempo e as disputas em torno de diferentes noções sobre a liberdade e o cativeiro nos tribunais de Campina Grande, discutindo as conjunturas que condicionavam uma maior ou menor incidência de iniciativas de lutas escravas na arena da justiça; principais personagens envolvidos nesses embates; importância dessas lutas para a elaboração de uma consciência escrava em torno de determinados direitos e sua importância para o próprio desmoronamento da instituição escravista em Campina Grande.

Nas considerações finais retomamos as questões centrais de tese, confrontando os seus resultados com os observados nas diferentes regiões do Brasil, ressaltando as convergências e similitudes existentes entre eles e assim melhor explicitando a pertinência das hipóteses por nós desenvolvidas.

CAPÍTULO I

CAMPINA GRANDE, UM MUNICÍPIO NA PERIFERIA DO IMPÉRIO