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Dos males da escravidão: condições de trabalho e doenças escravas em Campina Grande

CAMPINA GRANDE SÉCULO XIX.

Reumatismo Hidropisia Apoplexia Alienação mental Epilepsia Hérnia Constipação Doença do pé Asma Doenças do útero Cegueira Moléstias crônicas Lesões físicas Tísica Espasmos Câmaras de sangue Febre de mau-caráter

FONTE: Inventários post-mortem - 1785/1888; Livro de assentos de óbitos - 1873/1889.

Como podemos observar no quadro, os escravos campinenses eram acometidos das mais diversas doenças, entre as quais aquelas resultantes de causas infecto-parasitárias, da gravidez e primeira infância, nutricionais, dos sistemas nervoso e mental, respiratório, digestivo, circulatório etc. Destas, algumas foram trazidas da África no interior dos tumbeiros, outras vieram com os colonizadores europeus, e outras se desenvolveram no contexto da diáspora e foram disseminadas pelo interior das sociedades escravistas formadas ao longo do tempo no Novo Mundo. Boa parte delas atingia indistintamente a indivíduos e grupos sociais, enquanto que outras acometiam preferencialmente certos setores da sociedade, a exemplo dos escravos.334

As doenças pulmonares e respiratórias causavam grandes estragos entre a escravaria local. Dentre elas se destaca a tísica, uma das tantas denominações para a tuberculose no século XIX. Dentre as suas vítimas, temos o caso de Severina, escrava, parda, solteira, falecida em 05/11/1873 aos 55 anos de idade. De “tísica pulmonar” também morreu Vicência, em 30/05/1874, solteira, com 33 anos de idade, escrava parda de Maria Justina de Albuquerque Montenegro. Alguns meses depois, em 17/08/1874, Tereza, 32 anos, parda, escrava de Francisco de Paula Rego Vasconcelos, também sucumbiu vítima do mesmo mal. Já

334

Ver UJVARI, Stefan Cunha. A história e suas epidemias. Rio de Janeiro/São Paulo: SENAC, 2003, pp. 81/119.

no ano seguinte foi a vez da preta Avelina, escrava de Vicente Ferreira de Barros, morta em 03/04/1875. Igual destino teve Marta em 08/04/1886. Esta era preta, solteira, 50 anos de idade, e foi enterrada numa vala comum do cemitério do distrito de Fagundes, termo de Campina Grande, onde jaziam muitos outros corpos de ex-companheiros seus de cativeiro.335

A tísica, portanto, não era uma doença exclusiva de centros urbanos populosos da Europa ou mesmo do Brasil escravista do século XIX, cujas vítimas preferenciais seriam poetas românticos enfurnados em soturnas tavernas, como ainda hoje é reproduzido em um imaginário sobre época. Por outro lado, como podemos observar pelas histórias acima mencionadas, ela atingia preferencialmente as escravas. Como nos lembra Mary Karasch, a tuberculose era bastante disseminada entre diferentes grupos sociais e étnicos, especialmente em cidades portuárias como o Rio de Janeiro, com grandes fluxos de pessoas. O fato de terem mais contatos com os homens livres e senhores nas casas grandes, associado às condições sócio-econômicas adversas, explica a maior vulnerabilidade das mulheres escravas em comparação com seus companheiros homens, algo que também se dava em Campina Grande.336

A asma era outra grave doença que costumava atingir os cativos. Além das condições físicas e climáticas de uma região serrana, com mudanças abruptas de temperatura e clima, muito contribuía para isso a exposição aos algodoais, obrigando os trabalhadores a aspirarem os resíduos da planta, atingindo desse modo o sistema respiratório. Este era o outro lado da moeda da escravidão, pois se para os proprietários o final de uma boa safra poderia gerar lucro, riqueza e alegria, para os cativos este era um fardo que quase sempre significava dor, sofrimento e morte. O exemplo de Josefa talvez não fosse isolado. Propriedade de João Pereira de Góes, morador na “Serra das Cabaças”, ela fazia parte de um plantel constituído de 7 escravos. Além de “manca”, sofria de asma.337

Outra enfermidade que atormentava os escravos de Campina Grande era a “doença do ar”. Desta enfermidade padecia a escrava Tereza, natural de Angola, com 30 anos de idade, enquanto a mulata Luzia, de 26 anos, estava “doente do ar do vento”. Já Francisco, 90 anos, um dos mais longevos escravos encontrados na pesquisa, além de “quebrado” também sofria do “mal do ar”.338 O que na verdade era a “doença do ar”? Ao que tudo indica tratava-se da

335

Ver Livro de assentos de óbitos-1873/1889. AICCG.

336

Ver KARASCH, Mary C. Op. cit. p. 209/213. Estudando Goiás, região predominantemente rural e de baixa densidade demográfica, a exemplo de Campina Grande, uma pesquisadora também constatou grande incidência de tísica ou tuberculose entre a escravaria. Ver MAGALHÃES, Sônia Maria de. Op. cit. pp. 119/159.

337

Ver Inventário de João Pereira Góes-1861. ADJFACCG.

338

Ver Inventários de Maria da Conceição-1838; Antonio Sebastião de Araújo-1844 e Francisco Pereira Pinto- 1862. ADJFACCG.

apoplexia, que consistia numa “congestão de sangue no cérebro, seguida ou não de um derramamento deste liquido na substância do cérebro, e cujos sintomas principais é a perda súbita, e mais ou menos completa, do sentimento e do movimento”, conforme definiu um famoso médico polonês que esteve no Brasil em meados do século XIX.339 Em outras palavras, tratava-se de uma espécie de congestão cerebral. Além de “doença do ar” ou “mal do ar”, a apoplexia também era popularmente conhecida por “estupor”. No caso do crioulo João, falecido em 11/07/1875, escravo de Galdino José de Farias, consta que a causa mortis foi “estupor.”340

A hidropisia era outra doença que costumava ceifar vidas cativas. Ela consistia no acúmulo anormal de líquido seroso em determinadas partes do corpo humano, especialmente nos membros inferiores. Esta doença estava ligada especialmente ao regime alimentar e ao trabalho, dentre outras razões. No rol de vítimas da hidropisia encontramos Porfírio, 14 anos, falecido aos 21/08/1873, escravo que foi do coronel Honorato da Costa Agra. Ao que parece, a doença não tinha preferência por idade, nacionalidade ou sexo, pois em 19/08/1875 uma africana natural de Angola, chamada Joaquina, que então contava com 50 anos de idade, morreu vítima da mesma moléstia.

As disenterias violentas (denominadas na linguagem da época de “câmaras de sangue”, devido aos estragos que causavam em suas vítimas) eram também motivo para o “passamento” de muitas pessoas desta vida para outra, principalmente escravos, como bem chamou a atenção um presidente da província.341 Neste rol se encontrava Rosária, parda, 14 anos, escrava do órfão Joaquim, falecida em 28/06/1875.342

As doenças de pele geralmente estavam associadas aos efeitos da insolação, do tipo de alimentação e da ação de determinados agentes infecciosos. No caso dos escravos, deve-se a tais causas acrescentar os efeitos deletérios dos maus-tratos, responsáveis pelo agravamento de um quadro por si só já preocupante. Nesse item se destacava a erisipela, que costumava se manifestar em erupções cutâneas no corpo. Quando não curada devidamente, a doença poderia evoluir e se transformar em lepra. Além de outros “achaques”, o cabra Firmino, 40

339

Apud. MAGALHÃES, Sônia Maria. Op. cit. p. 247. Trata-se de Luiz Napoleão Chernoviz, com o seu “Dicionário de medicina popular”, publicado na cidade de Paris em 1862, obra que fez bastante sucesso no Brasil de então.

340

Ver Livro de assentos de óbitos-1873/1889. AICCG.

341

Ver Exposição feita pelo Dr. Antonio coelho de Sá e Albuquerque ao passar a administração ao 2º vice- presidente o Dr. Clementino da Silva Freire em 29/04/1853. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

342

Ver Livro de assentos de óbitos-1873/1889. AICCG.

anos, padecia deste mal específico. Também de erisipela sofria o preto angolano Manoel, com 53 anos de existência.343

Como se sabe, andar descalço era um dos traços que destingia o escravo dos homens livres, o que terminava contribuindo para que eles se tornassem vítimas de enfermidades extras, sendo a mais comum delas causadas pelo “bicho do pé”. Segundo o historiador Stanley Stein, este “uma vez alojado na parte carnosa e calejada do pé, come os dedos e a planta do pé, provocando úlceras e incapacitando os escravos para o trabalho-exatamente o que muitos negros permitiam acontecer”.344 Em Campina Grande encontramos vários cativos acometidos desse mal, a exemplo de Angélica, angolana, que contava com “23 anos de idade pouco mais ou menos” em 1838, ano em que foi aberto o inventário de sua senhora. Um conterrâneo de Angélica, de nome Agostinho, com 40 anos de idade, foi descrito no inventário de sua antiga senhora como sendo portador de “cravo nos pés”. Ainda podemos citar o caso de um negro chamado Benedito, que estava com “os pés adoentados de ferida”.345

Andar com os pés descalços também expunha os escravos a outros perigos, sendo o mais evidente deles as picadas de cobra. Dentre estas se destacavam as venenosas cascavéis, espécie nativa do continente americano.346 Elas poderiam estar em vários lugares, a espreitar as suas vítimas com seu chocalho sinistro e seu bote fatal. Além das matas, elas também costumavam se esconder entre as fileiras dos algodoais, especialmente as de menor porte. Referindo-se à propriedade onde plantava algodão, localizada no agreste pernambucano, o naturalista Manuel Arruda da Câmara afirma que:

Há tão grande abundância destes animais neste lugar onde cultivo e nos seus arrabaldes, que nas ocasiões da monda têm os escravos morto trinta e quarenta por dia; que as tenho mandado contar de propósito; à proporção que vão roçando as moitas, as vão matando com as foices com que trabalham.347

343

Ver Inventários de Maria Cândida do Amor Divino-1859 e João Gonçalves de Figueiredo-1871. ADJFACCG.

344

Ver STEIN, Stanley. Vassouras: um município brasileiro do café. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 224.

345

Ver Inventários de Catharina Gonçalves Nunes-1838; Maria do Espírito Santo-1860 e Francisca Guedes de Moura-1860. ADJFACCG.

346

Segundo o testemunho de um engenheiro militar, além de contar com diversas espécies de animais e aves em seu interior, as matas locais eram habitadas por “um grande número de cobras cascavéis”. Ver Relatório apresentado à assembléia Legislativa provincial da Paraíba do Norte pelo Exmº Presidente, o coronel Frederico Carneiro Campos, em 03/05/1847. Anexo 17. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

347

Para evitar que os escravos fossem “mordidos de animais tão mortíferos e venenosos como são as cascavéis e outras espécies de cobras”, o autor recomendava a monda, ou seja, a retirada das ervas daninhas que nasciam entre os algodoais, pois era justamente aí que elas costumavam se esconder. Ver CÂMARA, Manuel Arruda da. Obras reunidas (1752-1811). Org. José Antônio Gonsalves de Mello. Recife: Fundação Municipal de Cultura, 1982, p.161. Se no Norte grassavam as cascavéis, no Sul as corais pareciam reinar de forma absoluta. Quando caminhava em direção à fazenda São José, uma francesa em viagem pelo interior do Brasil em meados do século XIX relata em seu diário que foi surpreendida por uma delas no meio da estrada que cortava o matagal. Ao 195

Se alguns senhores podiam se dar ao luxo de se divertir com o perigo alheio, para os escravos todo cuidado era pouco. Se com o tempo eles iam aprendendo a lidar com esse tipo de problema, qualquer descuido, contudo, poderia ser fatal. Nesse aspecto, talvez os africanos, especialmente os recém chegados, fossem mais vulneráveis, já que não conheciam bem os segredos e males da terra de branco, em comparação com os crioulos. É o que pode ter acontecido a Rosa, da “nação Angola”. Desta vez, de pouco adiantaram a invocação a São Benedito, a Ossaim ou mesmo a aplicação de algum emplasto administrado por um curandeiro negro, pois em dias do ano de 1831 ela veio a morrer em função de uma “mordida de cobra cascavel.”348

Como seria de prever, a documentação faz referências às muitas seqüelas resultantes do esforço repetido e extenuante jornada de trabalho. No inventário de Vicência Maria de Jesus, constam 4 escravos, dentre eles um de nome Joaquim, “do gentio de angola”, com 45 anos, descrito como estando “rendido de uma virilha”.349 Pior situação vivia o também africano Luiz, 40 anos, pois se encontrava “muito doente, quebrado de uma virilha”.350 Com 70 anos de idade, a situação do escravo João, mulato, não era muito diferente, já que estava “doente de uma perna por ter uma veia quebrada”.351 Não se pense, porém, que esta era um tipo de mal que atingia apenas escravos anciões ou de meia idade. De mal semelhante padecia a também mulata Joana, de 16 anos, companheira de cativeiro da “asmática” Josefa.352 Alguns casos poderiam se transformar num mal crônico e ceifar a vida de alguns deles. Foi o que se deu com Gregório, preto, 38 anos, casado com Vicência de tal, escravo de Joaquim Barbosa da Silva, enterrado no cemitério de Fagundes em 25/03/1887 em função de uma “hérnia”, termo científico para o mesmo achaque causado pelo trabalho pesado.353

O reumatismo era bastante comum no meio da escravaria campinense, não deixando também de causar estragos e sofrimentos. A história a seguir é a este respeito exemplar. Filha indagar ao seu anfitrião, este teria respondido: “É a cobra coral (...), uma das que têm a mordida mais perigosa”. Ver SAMSON, Adéle Toussaint. Uma parisiense no Brasil. São Paulo: Capivara, 2003, p. 129.

348

Ver Inventário de Manoel Luiz da Paz-1818. ADJFACCG. Um dos santos mais populares entre a população negra no Brasil escravista era São Benedito, em cuja homenagem muitas igrejas foram erguidas e irmandades religiosas constituídas. Dentre os poderes que lhe eram atribuídos, constava o da proteção contra “mordedura de cobras”, um perigo concreto que espreitava o cotidiano da população escrava. Quanto a Ossain, era a divindade africana ligada à saúde e à doença, cujo culto era praticado nas matas. Ver FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. In. NASCIMENTO, DILENE Raimundo et al (Orgs). p. 263; CHAIB, Lídia e Rodrigues, Elizabeth. Ogum: o rei de muitas faces. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

349

Ver Inventário de Vicência Maria de Jesus-1824. ADJFACCG. Essa debilidade física não impediu que Joaquim, acompanhado de um seu parceiro de nome Francisco, também natural de Angola, fugisse para a vila do Rio do Peixe, localizada no alto sertão da província.

350

Ver Inventário de João José Fernandes Benevides-1842. ADJFACCG.

351

Ver Inventário de Geraldo Gomes de Siqueira-1838. ADJFACCG.

352

Ver Inventário de João Pereira de Góes-1861. ADJFACCG.

353

Ver Livro de assentos de óbitos-1873/1889. AICCG.

de uma africana de nome Catharina, a preta Manuela nasceu por volta de 1833, no distrito de Pocinhos, e contava com 54 anos em 1887, “isto por ter perfeita consciência e lembrança da seca de 1845, que foi grande”. Quando jovem ela “empregou-se em trabalho de agricultura, mas hoje pelo seu estado de doença (...) emprega-se em serviço doméstico”. Porém, mesmo assim seus senhores continuaram a exigir da escrava a mesma quantidade de trabalho e a dispensar os mesmos maus-tratos de tempos passados. Segundo Manuela, tal situação devia- se ao fato de que:

Por não poder fazer todos os serviços ordenados por seus senhores, os quais não atendiam o seu estado de moléstia, pois que muitos dias amanhecia ela respondente com os joelhos tão inchados que não podia andar, devido isto ao reumatismo que sofre de muitos anos. Em vista do que ela respondente não pôde mais suportar o tratamento de seus senhores e as ameaças que faziam, pois que com a moléstia que sofre corre risco na sua existência.354

Vimos no capítulo anterior que, por razões históricas e demográficas, a reprodução da escravaria de Campina Grande se deu fundamentalmente de forma natural e endógena ao longo do século XIX. Isto não significa dizer que o perigo estivesse de todo afastado do horizonte de mães e recém nascidos, com seu cortejo fúnebre de dor, sofrimento e morte. Se é verdade que muitas escravas deram à luz a bebês que “vingaram”, outras, contudo, não tiveram a mesma sorte, obrigadas que eram a embalar os seus “anjinhos”. Domingas, escrava crioula, teve “muitas crias”, porém apenas Gaudêncio e Emília sobreviveram, enquanto os dois filhos de Luiza, também crioula, morreram. 355

Com efeito, o primeiro obstáculo a ser vencido por mãe e filho (caso tudo corresse mais ou menos normal na gestação) era o próprio parto, cujas vidas dependiam “do talento e da improvisação das parteiras e dos poucos parteiros”, como nos lembra o historiador Luiz Felipe de Alencastro.356 Josefa, parda, 40 anos, casada com o também escravo José, foi uma das mulheres escravas que não resistiu às complicações e veio a falecer “de parto”, em 09/04/1877, no antigo município de Campina Grande.357

Vencer o trauma do parto, embora importante, não garantia por si só a sobrevivência de genitoras e rebentos, pois muitos males poderiam ainda acometê-las nos próximos dias,

354

Ver Auto de perguntas e depósito da escrava Manuela, de Marcos Gonçalves de Oliveira, em 22/07/1887. Documento avulso. ADJFACCG.

355

Ver Inventários de José Lourenço Vaz Ribeiro Junior-1862 e Justino Gomes de Araújo-1865. ADJFACCG.

356

Ver ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “Vida privada e ordem privada no Império”. In. ALENCASTRO, Luiz Felipe (Org). História da vida privada no Brasil. Vol. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 71. Dentre as muitas santidades protetoras das parturientes constavam Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Ó, Nossa Senhora do Bom Parto e Santa Margarida. Tantas entidades protetoras para uma só causa pode ser mais um aspecto revelador da experiência impactante e traumática do parto para muitas mulheres do século XIX, com destaque para as de condição escrava.

357

Ver Livro de assentos de óbitos-1873/1889. AICCG.

meses e anos. No caso das mulheres, muitas marcas ficavam gravadas em seus corpos e mentes, sendo as mais comuns delas as doenças do útero. Nesta situação se encontrava Rosa, 30 anos, que depois de parir algumas “crias” ficou “doente do útero”. Por outro lado, as crianças ficavam vulneráveis a enfermidades diversas, tais como sarampo, problemas de dentição, febres intermitentes, tétano, espasmos etc. Este devia ser o caso de Belarmina, uma escravinha de 9 messes que se encontrava “doente”. Já Eufrásio, 11 anos, estava com o umbigo “quebrado”. Além das doenças típicas da “primeira infância”, as “crias” escravas poderiam ser acometidas por males de “gente grande”. Com apenas 4 anos de idade, a crioulinha Francisca, filha dos cativos José e Rosalina, estava acometida de “reumatismo”.358 Como se tudo isso não bastasse, as crianças escravas ainda eram alvos preferenciais dos mais diversos tipos de acidentes domésticos. Com 6 anos de idade Maria já ajudava sua mãe, a também escrava Silvana, nas lides domésticas, quando foi vítima de uma morte bastante dolorosa em 28/07/1877, ocasionada por “queimaduras”, episódio que provavelmente se deu numa das ocasiões em que ambas preparavam as refeições na cozinha do senhor e patrão de nome Sérgio Antonio de Almeida.359

Se muitas destas doenças eram males endêmicos no cotidiano daquela sociedade, em determinados contextos históricos algumas delas se transformavam em verdadeiras epidemias, criando-se assim uma situação de pandemia e terror. A Paraíba foi palco, a exemplo de outras províncias do Império em diferentes conjunturas do século XIX, de sucessivos surtos epidêmicos, sendo o mais célebre deles o do cólera-morbus, ocorrido nos anos de 1855/1856 e repetido em menor escala em 1861/1862.360

A primeira epidemia do cólera-morbus se manifestou primeiramente no Pará, em maio de 1855, deslocando-se em seguida para o Amazonas e o Maranhão, e finalmente chegou à Bahia, por onde se espalhou pelas demais províncias do Norte do Império. Na Paraíba ela se instalou em dezembro daquele mesmo ano, através de localidades limítrofes com Pernambuco, deixando em seu caminho um rastro de medo, desolação, destruição e muitos mortos. De uma população de aproximadamente 210.000 habitantes, morreram em torno de 25.390 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, ou seja, 12% do total. Embora menos intensa, se comparada com a primeira epidemia, nem por isso a segunda aparição da doença

358

Ver Inventários de Alexandrina Cândida do Amor Divino-1859; Francisco Correia de Mendonça Furtado- 1856 e Clemência Maria-1842; Carta precatória vinda da cidade da Paraíba do Norte para Campina Grande, a requerimento da viúva D. Quitéria Maria da Conceição-1853. Documento avulso. ADJFACCG.

359

Ver Livro de assentos de óbitos-1873/1889. AICCG.

360

Além do cólera, outros males epidêmicos que grassaram na província da Paraíba do século XIX foram os advindos da febre amarela e da varíola. Ver VIEIRA, Risomar da Silva. Estado grave: condições de vida e saúde