• Nenhum resultado encontrado

Relações de poder, tensões sociais e conflitos em Campina Grande no século

Ao longo do século XIX a ex-colônia portuguesa se desprendeu de um Império outrora de dimensões internacionais e viu nascer, crescer e desmoronar um novo Império nos trópicos. Há muito tempo a historiografia vem buscando compreender a lógica que presidiu todo esse processo, com diferentes enfoques e abordagens. Porém, um fator que caracteriza boa parte desses estudos é o fato de que priorizarem o papel dos atores que atuavam em torno da corte e seus arredores. Claro está que isso não se deu por acaso, pois, como sabemos, foram as elites políticas e econômicas do Rio de Janeiro e demais províncias do centro-sul que se tornaram as forças hegemônicas que moldaram as estruturas sociais, políticas e econômicas do novo regime, subordinando aos seus interesses outras forças provinciais e locais. Não é intenção nossa aqui retomar em detalhe esse debate, mas sim chamar a atenção para um aspecto da questão, que pode ser mais bem entendido se explorarmos as complexas relações

125

Ver Inventários de João Manoel Lourenço Vaz e sua mulher Helena Teresa de Jesus-1828; José Ferreira Pita-1832 e Manoel Marcelo de Andrade-1833. ADJFACCG.

entre o centro e a periferia, tendo como fio condutor as tensões em torno da ordem política e social que se pretendia construir, destacando os conflitos intra-elites e entre estas últimas e os setores subalternos.126

A preocupação com a ordem foi um dos aspectos centrais da formação do Estado- nação no Brasil ao longo do século XIX, a ponto da temática se transformar numa verdadeira obsessão presente nas falas e atitudes das autoridades envolvidas com a questão. Era comum, por exemplo, os relatórios dos ministros da justiça sempre começarem com o seguinte bordão:

Tenho o prazer de anunciar-vos, que a ordem pública continua inalterada em todo o Império. A Nação manifesta a mais plena confiança na atual ordem de coisas, e não há um só ponto, em que a consciência pública, o respeito ao dever, a adesão, e o amor dos povos às Instituições Monárquico- Representativas, não tenham zombado dos esforços empregados para levantar perturbações. O Governo Imperial ufana-se de haver conseguido este grande resultado pela mais severa observância dos princípios de justiça, e moderação em todos os seus atos. É esta a grande barreira por ele oposta aos perturbadores, e às perturbações.127 Em dimensão local, os relatórios de presidentes de província reproduzem as mesmas preocupações:

Felizmente posso assegurar-vos, que a província goza de pleno sossego, o que e presente nenhum receio oferece de abalos, e comoções políticas graças sejam dadas à benéfica Providência, graças ao bom Povo Paraibano, que não desconhece que a nossa primeira necessidade é o repouso, e que só no remanso da Paz podem vingar as instituições livres, que tanto prezamos.128 Esses objetivos, porém, nem sempre eram alcançados. Mesmo com a montagem do aparelho de Estado e seu paulatino enraizamento em âmbito local, as coisas não caminharam conforme as expectativas das autoridades e das elites em formação, pois “o povo” muitas vezes se recusava a aderir “às instituições livres”, que, afinal, vistas de outro ângulo, não eram tão livres assim, gerando disputas e informando conflitos.129 Em diferentes conjunturas do

126

A literatura que trata da formação do Estado-nação no Brasil é ampla, com diferentes enfoques e abordagens. Ver CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Teatro de sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 1997; MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema. São Paulo: HUCITEC, 1987; URICOECHEA, Fernando. O Minotauro imperial. Rio de Janeiro: DIFEL, 1978; JANCSÓ, István (Org). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: HUCITEC, 2003.

127

Ver Relatório apresentado a Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão legislativa pelo Ministro e Secretário de Negócios da Justiça Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara em 1852. <www.crl.edu/content/brazil.htm> Acessado em março de 2006.

128

Ver Discurso com que o presidente da Província da Paraíba do Norte Quaresma Torreão fez a abertura da sessão ordinária da Assembléia provincial em 15 de janeiro de 1837. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

129

Determinadas autoridades mais calejadas no exercício do poder eram críticos o suficiente para reconhecer as dificuldades para implantar a ordem em sua plenitude. Este parece ter sido o caso de Antonio Coelho de Sá Albuquerque, que administrou a província por mais de uma vez e como tal adquiriu experiência suficiente para ter uma visão mais ampla do que muito de seus pares. Depois de afirmar sem rodeios que em seu governo 86

século XIX, a província da Paraíba foi palco de diversos eventos que ora convergiam ora destoavam dos rumos dos acontecimentos nacionais. Os seus diferentes grupos oram apoiavam, ora negociavam, ora contestavam as decisões emanadas do Rio de Janeiro. No processo de descolonização, certos setores aderiram ao projeto recolonizador das cortes de Lisboa, outros abraçaram o projeto de um Império luso-brasileiro, alguns poucos defenderam projetos alternativos que redimensionasse a relação entre Estado e sociedade. Durante o tumultuado período das regências esse quadro se repetiu, com diferentes projetos em disputa. Todavia, foi na segunda metade do século XIX (coincidindo, portanto, com a consolidação do projeto de nação vencedora, o dos saquaremas) que explodiram dois importantes movimentos sociais na região, colocando em cena não só setores das elites, mas também segmentos das camadas populares, evidenciando as contradições de uma suposta tranqüilidade pública, com a eclosão de revoltas como o Ronco da Abelha (1851/1852) e o Quebra-Quilos (1874/1875).130

Encarregados pelo poder central de disseminar pelos mais longínquos rincões do Império as instituições basilares do regime, os presidentes de províncias não deixaram de expressar as ambigüidades do processo de formação do Estado nacional. Mesmo revestido de um caráter oficial, com tons muitas vezes ufanistas, os relatórios que elaboraram periodicamente expressavam muitas das contradições então vivenciadas. Além dos movimentos coletivos que ameaçavam ruir os alicerces da ordem pública, havia outros problemas enraizados na rotina cotidiana que mereciam cada vez mais a atenção, como, por exemplo, a criminalidade violenta. Nesse sentido, os quadros estatísticos estampados nos relatórios (apesar da precariedade e confiabilidade dos dados neles contidos, falhas essas reconhecidas pelas próprias autoridades encarregadas de elaborá-los) contrariam um suposto estado de tranqüilidade social que essas mesmas autoridades insistiam em ressaltar e propagar.

montou uma verdadeira operação de guerra contra a criminalidade, concluiu, com um misto de realismo e resignação, que “numa sociedade por mais bem policiada que seja, por mais adiantada que esteja a sua civilização, a ausência completa dos crimes não passa de um sonho”, para em seguida desfolhar um rosário de números e situações pouco alvissareiros para quem considerava ser a segurança da pessoa e da propriedade do “cidadão” a primeira necessidade e razão de ser da sociedade e do Estado. Ver Relatório apresentado à Assembléia legislativa provincial da Paraíba do Norte pelo Exmº presidente Antonio Coelho de Sá Albuquerque em 03 de maio de 1852. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

130

Para uma visão de conjunto da inserção da Paraíba nas estruturas de poder ao longo do processo de construção do Estado imperial, ver SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. “Poder e política na Paraíba: colônia e Império”. In. Idem et al. Estrutura de poder na Paraíba. Vol 4. João Pessoa: EDUFPB, 1999, pp. 19/51.

Alguns presidentes faziam questão de mostrar serviço nessa matéria. Era o caso do “ilustrado” Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, que ao entregar o cargo a seu sucessor fez questão de destacar:

Fiel ao meu pensamento de guerra implacável ao crime, não hei cessado de promover a captura e a punição dos criminosos por todos os meios ao meu alcance. As cadeias estão cheias de criminosos pela maior parte de delitos cometidos em épocas anteriores. Folgo asseverar a V. Excelência que os crimes vão sendo cometidos em menor escala, e que hoje não vagueiam, insultando impunemente as leis, e as autoridades públicas, esses homens de célebre nomeada, que eram outrora o terror desta província.131

Em que pese o tom triunfalista que perpassa o discurso acima, o fato é que a criminalidade era um fenômeno endêmico, enraizado no cotidiano da sociedade, cuja repressão era obstaculizada por uma série de fatores. Os próprios relatórios apontam para alguns deles, a exemplo da impunidade, das perseguições e vinganças pessoais, do despreparo das autoridades judiciais, da insuficiência e dos desmandos da força policial, das distâncias entre as comarcas, da imensidão do território, do acoitamento de criminosos por parte de potentados locais, de hábitos “inveterados” disseminados entre a população, tais como o uso de armas, o alcoolismo, a ociosidade etc.

Se a criminalidade estava presente na província como um todo, ela era especialmente sentida nos municípios pertencentes às comarcas do sertão, devido ao “estado de pouca civilização em que se acha o povo (...) e a pouca penetração aí das luzes e da razão, que sucumbem as paixões e satisfação de vontades”, segundo o diagnóstico do presidente em exercício no ano de 1853, Flávio Clementino da Silva Freire.132

Eram vários os tipos de crime e criminosos que tiravam o sono das autoridades encarregadas de manter a paz e tranqüilidade no dia-a-dia. Objeto de queixas freqüentes de chefes de policia, juizes, promotores, delegados, oficiais e soldados, as quadrilhas de bandoleiros transformavam-se em verdadeiro flagelo aos olhos dos “homens da lei”.133 Apesar das freqüentes diligências oficiais, quase sempre os infratores conseguiam escapar da repressão; o fato de conhecerem o terreno onde atuavam era um dado fundamental na hora de

131

Ver Exposição feita pelo presidente Antônio coelho de Sá Albuquerque no ato de passar a administração ao 2º vice-presidente Dr. Flávio Clementino da Silva Freire em 29 de abril de 1853. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

132

Ver Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial pelo Exm° vice-presidente Flávio Clemente da Silva Freire em 05 de agosto de 1853. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

133

A ação de grupos de bandoleiras remontava à época da colonização e não se restringia a uma ou outra localidade, sendo uma realidade de quase todo o território da América portuguesa e posteriormente do Brasil independente, quando deram origem aos grupos de cangaceiros. Alguns deles se tornaram verdadeiras lendas, como foi o caso das comandadas por “Mão de luva” e “Sete orelhas”, com atuações destacadas nas Minas Gerais. Ver, a esse respeito, ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: EDUFMG, 2005.

despistar a perseguição da polícia. Não devemos esquecer que esses grupos contavam com o homiziamento de “cidadãos grados”, entre proprietários e autoridades, seja por medo, seja por conveniência. Com atuação preferencial nos municípios do interior, acabavam tirando partido das questões de fronteira e, sempre que possível, fugiam para as províncias limítrofes, no sentido de dificultar a perseguição. Em correspondência reservada, datada de 23/07/1872, o presidente da Paraíba remeteu o seguinte oficio ao seu colega de Pernambuco:

Tendo de seguir brevemente o Dr. chefe de polícia interino para o interior desta província, a fim de ativar a perseguição e captura dos criminosos que isoladamente ou em bando percorrem diferentes lugares, cometendo desordens e novos crimes, e espalhando o terror e o susto entre a população pacifica e ordeira, vou rogar a V. Excelência que se digne de providenciar para que as autoridades policiais dos termos limítrofes dessa província prestem combinadamente o seu valioso concurso àquele Magistrado para a captura dos mesmos criminosos, habilitando-os V. Excelência a ser possível, com força suficiente para reprimir a audácia deles e devidamente rechaçá- los.134

Esses esforços nem sempre surtiam efeito desejado, pois os grupos continuaram atuando durante todo o século, em maior ou menor escala. As mais ousadas quadrilhas da Paraíba atuavam no alto sertão, próximo à fronteira com o Ceará. O nome de alguns de seus lideres ficaram famosos na crônica policial da época: Luis Rio Preto, Adolfo Meia-Noite, Honório Rodrigues dos Santos, Jesuíno Brilhante, Vicente Ferreira Higino (vulgo Vicentão), Liberato Cavalcante Carvalho Nóbrega e tantos outros. Atuando isoladamente ou em alianças, punham “em desassossego a honra, a vida e propriedade dos cidadãos laboriosos”, segundo um dos chefes de polícia da época.135

Não era só no alto sertão que eles agiam, entretanto. No começo da década de 1830, a então Vila Nova da Rainha foi palco da atuação de algumas dessas quadrilhas. Num momento em que a província e o país eram tomados por uma série de comoções sociais e políticas que culminaram com a abdicação de Imperador D. Pedro I, observou-se que:

vagava nos arredores desta vila (...) uma ou várias quadrilhas de salteadores, que cometiam as maiores barbaridades por onde passavam, e já com tanto escândalo que (?) o maior terror nos pacíficos povos, e como seja a tibieza o maior dos males, em semelhante estado de violência

134

Ver Diversas Autoridades (DA-15). 1872. Cx. 264. Arquivo Público Pernambucano (doravante APP).

135

Ver Relatório com que o Exm° vice-presidente Sr. Antônio Alfredo da Gama e Mello passou a administração desta Província ao Exm° Sr. Manoel Ventura de Barros Leite Sampaio em 21 de maio de 1882. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006. Algumas dessas quadrilhas contaram em suas fileiras com a participação de escravos fugidos. No grupo de Jesuíno Brilhante e Honório Rodrigues dos Santos, famosos cangaceiros com atuação no alto sertão da Paraíba e províncias limítrofes, foi identificada a presença dos cativos Luiz, Francisco, Marcelino, Olimpio, Felipe, Vicente e Bernardino. Ver Petição dos moradores da vila de Pombal dirigida ao presidente da província da Paraíba do Norte em 08 de dezembro de 1880. Cx. 063. AHPB.

reuniram-se os bons cidadãos deram-se as mãos, e protestaram fazer guerra viva, e incansável perseguição a esse bando de canibais pelo que eram todos o (?) em pesquisarem os chefes desses bandidos a fim de principiar a destruição para eles.136

Além dos meios convencionais de combate e repressão à criminalidade, o recrutamento militar era um dos mecanismos alternativos utilizados para livrar “a boa sociedade” dos “indesejados”. Alguns presidentes disputavam a primazia nesse campo, numa macabra contabilidade. Pedro Fernandes Chaves, que esteve à frente da província no ano de 1842, se vangloriava de ter diminuído a violência criminal em seu governo por ter feito um “rigoroso” recrutamento, tendo enviado 514 recrutas para a armada e o exército. Com isso, segundo ele, a Paraíba se livrou de “um grande número de vadios, afugentou outros e conteve em melhores hábitos os que ficaram”. Apesar de todo esse zelo, não impediu que inimigos seus quase lhe tirassem a vida em uma tocaia preparada com esse fim.137 Em outro contexto, após afirmar ter agido com a “maior moderação”, Silvino Elvidio Carneiro da Cunha não teve o menor escrúpulo em dizer que havia recrutado 250 indivíduos, caracterizados por ele como vagabundos e potenciais criminosos “visto como a falta de trabalho e ocupação honesta é que

a população ignara procura atentar contra aqueles tão apreciáveis direitos da sociedade”.138 Para levar a bom termo essa tarefa (nem sempre fácil de ser realizada, diga-se de

passagem, pelas inúmeras reações que provocava na população) os presidentes contavam com a ajuda de um verdadeiro exército de auxiliares nas mais diversas localidades da província. Manoel Januário Bezerra Montenegro, juiz municipal de Campina Grande, se destacava pelo zelo com que procurava cumprir as ordens recebidas. No ano de 1866, ele fez questão de consagrar parte de seu tempo de magistrado ao serviço de recrutamento, remetendo de uma só vez pelo menos vinte indivíduos, dentre os quais:

Laurindo Pinheiro da Silva, solteiro, vadio, tem pai ainda moço e este mais quatro filhos: já ofendeu duas moças, respondendo a júri no Ingá por um desses fatos; José Ferreira da Prata, velhaco e também mal casado que desprezou a mulher em miserável estado de moléstias venéreas; finge-se de cego, porém à noite enxerga perfeitamente as cartas do baralho, a que vive aferrado; José Pereira da Silva, largou a mulher há 14 anos e vive amasiado com uma escrava de Antero Francisco de Paula Cavalcante (...). Dizem que (...) já furtou um cavalo de João Correia do Surrão e também um bode,

136

Ver Apelação crime do juízo do júri da Vila Nova da Rainha da Comarca da Paraíba do Norte. Apelantes, José Domingues Montenegro e Domingos José de Sá Alcoforado. Apelados, Francisco José Dias e outros-1832. Arquivo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (doravante AIAHGP).

137

Ver Relatório apresentado à Assembléia Legislativa da Provincial pelo Exm° presidente, Dr. Pedro Rodrigues em 15 de novembro de 1842. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

138

Ver Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial, pelo Exm° presidente, Sr. Silvino Elvídio Carneiro da Cunha em 07 de agosto de 1874. <www.crl.edu/content/brazil/pari.htm> Acessado em março de 2006.

carregando-o nas costas, e, pondo-se a correr, não pôde ser alcançado por dois vaqueiros à cavalo, nem soltou o bode.139 Apesar de afirmar que agiu com isenção e que não “houve uma gota de sangue derramada”, essa operação de guerra comandada pelo juiz causou verdadeiro pânico entre a população local. Tanto é assim que, além da resistência dos que foram aprisionados, os que puderam fugiram para os matos e serras próximos, ficando ali internado por dias seguidos, afinal de contas estavam sendo arregimentados para uma causa distante e estranha, os campos do Paraguai, tendo por isso de deixar para trás suas lavouras, ofícios e, o mais importantes,

parentes e amigos. Enquanto para os pobres (especialmente aqueles que não tinham nenhum patrono a

apelar) o recrutamento militar representava um instrumento de punição e controle social, para os ricos poderia se transformar numa moeda de troca, servindo tanto para proteger aliados, como para perseguir inimigos pessoais e políticos, particularmente em determinadas conjunturas. Na noite de 22 para 23 de agosto de 1865, a cadeia da Vila de Ingá, pertencente à comarca de Campina Grande, foi arrombada por “um bando de homens armados” e daí retirados os presos, dentre os quais se encontravam dois filhos recrutados do capitão Francisco de Arruda Câmara. Com a abertura do processo criminal, dirigido pelo chefe de polícia da província, várias testemunhas imputaram ao dito capitão a autoria do delito, como, por exemplo, Manoel Alves Barbosa, agricultor, casado, vinte e dois anos, natural da freguesia, que no momento do crime se encontrava preso. Já Francisco Romão de Oliveira, trinta e sete anos, viúvo, natural da vila de São João, agricultor, foi mais longe: em seu depoimento afirmou que se encontrava de guarda na cadeia, quando por volta das quatro horas da madrugada do dia 23/08/1865 foi acordado por um grande barulho, tendo se deparado em seguida com um grupo de pessoas capitaneado pelo referido capitão. Depois de soltar seus filhos, o capitão teria ameaçado o subdelegado local, o major Manoel da Costa, com as seguintes palavras: “saia para fora cabrão que te quero despedaçar a cabeça”. Mesmo tendo apresentado resistência, o capitão Francisco de Arruda Câmara acabou sendo preso pela tropa algum tempo depois dos acontecimentos. Em seu depoimento negou ter participado do arrombamento da cadeia, atribuindo a autoria do mesmo a Marcolino de José da Silva, aos irmãos Soares e a outros que “ignora os nomes”. Concluiu sua fala dizendo que estava sendo vítima de perseguição, devido ao fato de “ser ele homem de política diversa da atual dominante e por haver espalhado o subdelegado que havia dar fim a todos os vermelhos do

139

Ver Ofício do juiz municipal de Campina Grande ao presidente da província da Paraíba do Norte em 10 de