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As origens das vigílias de oração carismáticas

APÊNDICE I O crucifixo que jorrou sangue

CAPÍTULO 3 – AS VIGÍLIAS DE ORAÇÃO NOS MONTES DOS GUERREIROS DE

3.4 As origens das vigílias de oração carismáticas

As Vigílias de Oração são práticas religiosas ou rituais em que as pessoas se privam do sono noturno para realizarem orações. No catolicismo a prática da vigília é um rito realizado dentro da Igreja principalmente nos períodos em que se celebram os sofrimentos, a morte, ressurreição e o nascimento de Cristo. Através dos carismáticos, percebeu-se maior participação dos católicos nas festas litúrgicas (CARRANZA, 1998) especialmente nas vigílias no interior do templo.

Entre os carismáticos de Sapucaia, o que se pode destacar foi que as vigílias tiveram ao mesmo tempo uma re-interpretação e também um deslocamento para fora das espacialidades da Igreja. Por conta das características presentes na modalidade carismática dos guerreiros e nos pontos de tensão já discorridos anteriormente, as vigílias de oração passaram a ser locais de fuga de controle e de ressignificação da fé católica.

As vigílias nos montes constituir-se-iam uma espécie de prática legítima ressignificada ou reinterpretada da religiosidade católica carismática por estar fundamentada em vários personagens bíblicos, inclusive, Jesus. Ademais, no intuito de evitar desentendimentos e rupturas por conta do controle exercido pelas normas de conduta, os montes se consolidariam como locais ideais para tais práticas.

Nesse sentido, é pertinente apontar Turner (2005), que compreende como ritual “um sistema de significados” ou “o comportamento formal prescrito para ocasiões não devotadas à rotina tecnológica, tendo como referência a crença em seres ou poderes místicos” (2005, p. 79, 49). Em outras palavras é a interrupção da vida rotineira, a teatralização e a dramatização daquilo que é contínuo na sociedade, segundo uma vontade e uma simbologia que não está inscrita em um “manual cultural” (TURNER, 2005). As regras e normas a serem seguidas pelos sujeitos - os guerreiros de oração – dão lugar a uma criatividade não regulada que é renovada ou alimenada pelo experiência de um sagrado selvagem e, por isso, potencialmente transformadora. É um rompimento com as formas tradicionais de representação do mundo, levantando contradições e divergências porque costumam fugir da coerência e do sentido comumente atribuído aos ritos e/ou fatos de uma estrutura social-religiosa tradicional. O trabalho de campo concluiu que Padre Benedito foi o primeiro a dar início à prática das orações nos montes no meio carismático sapucaiense. Desde o primeiro retiro em que iniciara os Guerreiros de Oração, a prática dos montes fora divulgada

(1994). Supõe-se que a prática das vigílias nos montes tenha tido um favorecimento maior justamente por ter tido como protagonista inicial um sacerdote carismático.

Como Daniel e Tiago eram freqüentadores da igreja deste Padre, era comum que fossem com ele aos montes para orar. Além disso, principalmente após a experiência da recepção da “unção do guerreiro” ocorrida no Bairro da Lapa, eles passaram a ser freqüentadores assíduos dos montes, por favorecer, segundo eles, uma maior liberdade para orações sem intimidações ou cerceamentos.

Segundo eles, foi inevitável a ida das pessoas para os montes porque ao contarem os acontecimentos presenciados, as pessoas ficaram desejosas passando também a freqüentá-los. Os montes tornaram-se uma espécie de local freqüentado pelos guerreiros de oração na cidade de Sapucaia, espalhando-se rapidamente através de testemunhos dos supostos sinais divinos presenciados como: a sarça ardente, clarões vindos do céu, visões de anjos, êxtases, transfigurações84, o famoso caso do aparecimento de alimento85, visualização de carruagens de fogo, sinais em instrumentos musicais, emudecimentos ou a perda da fala e casos de pessoas terem sido carregadas por acreditarem terem sido arrebatadas.

Nesse período, 1994, a RCC vivenciava um momento delicado, pois era publicado o Documento 53 da CNBB contendo algumas recomendações ao movimento carismático. Nesse documento faziam-se algumas alusões aos exageros e a todas as formas de religiosidades que pudessem destoar com a doutrina católica. Foi a partir daí que os guerreiros de oração começaram a se sentir cerceados em suas formas de experienciar o sagrado dentro dos grupos de oração e intercessão. Porque eram mais exaltados, passaram a ser controlados e disciplinados em suas orações. Foi aí que a prática das vigílias se expandiu ainda mais.

Enquanto nos grupos de intercessão realizados dentro das igrejas não se podia orar com liberdade, em alta voz, com saltos, gritos, pulos e as diversas manifestações pentecostais, nos montes isto era possível. Para os guerreiros de oração, agora estavam de fato vivenciando as manifestações do pentecostes e, nesse sentido, a “palavra de Deus” era a maior defesa para suas práticas.

Os montes são símbolos de altíssima importância para esse grupo de pessoas. Isto é perfeitamente justificado pelo fato de também ter grande importância na cultura judaico-cristã, fundante do fenômeno religioso em questão.

84 Ver relato da jovem Joana Aparecida sobre caso que chamou de transfiguração. 85 Conferir relato de José Augusto sobre episódio dos pães no monte.

Eram os locais preferidos dos personagens bíblicos (Jesus, Moisés, Elias etc.), de muitos fenômenos sobrenaturais e acontecimentos miraculosos e prodigiosos, por isso, numa espécie de rememoração, tornou-se para os participantes das vigílias de oração seus referenciais maiores. O fato de conservar este significado, segundo os participantes, é que, reafirma-se o sentido de pertença a um povo tido biblicamente como eleito, escolhido, povo santo, e, que, também, os fazem se sentir afirmados mais que pessoas comuns, mas como pessoas de Deus.

A bibliografia encontrada e utilizada na pesquisa trata os montes como: Locais ou acidentes geográficos que constituem a morada definitiva ou temporária de espíritos ou deuses. Podem ser montes, picos de montanhas, rochas, bosques, árvores, rios, lagos podem ser considerados sagrados e, às vezes, até o caminho por onde passou um rei divino (Tibete). São visitados em ocasiões especiais, quando então se celebram cerimônias e rituais com oferendas, orações, sacrifícios etc. (MARCONI; PRESOTTO, 2007, p. 159-160).

Uma vez que Jesus orou no Monte Tabor e manifestações extraordinárias aconteceram; outra vez que Moisés no Monte Horeb também o fizera e presenciara a sarça ardente; houve também o episódio em que Elias no Monte Carmelo desafiara e derrotara 450 profetas de Baal fazendo descer fogo do céu e outra situação em que o santo católico Francisco de Assis, também freqüentava um bosque para fazer suas orações e as árvores brilhavam (relatou Daniel), os guerreiros de oração se assemelhavam. O monte, portanto, juntamente às vigílias de oração e à prática das orações de guerra é uma forma de se assemelharem ao que, no entender deles, é de maior referência ao ethos carismático.

Para os nativos, o monte carrega o sentido do espaço sagrado e propício para experiências religiosas espontâneas e sem controle, onde o eu está livre para expressar-se. É onde se dá a busca das coisas do alto, que é o outro lado, o lado das coisas desejadas e imaginadas. Para os nativos, é um dos símbolos que carrega em si o significado de como eles gostariam que as coisas fossem. É o símbolo do monte que demonstra o estar mais próximo dos deuses para com eles falarem, deles escutarem e aprenderem. É o estar inserido na natureza, fora do centro urbano, do barulho, dos conflitos, para conhecer a natureza da pessoa dos deuses que, segundo eles, não têm conflitos, nem cerceamentos.

Apesar de serem carismáticos e católicos, a convivência com os guerreiros de oração durante o período do trabalho de campo, fez supor que, por mais que não digam explicitamente, sentem-se mais carismáticos e católicos que os outros. Nas comparações e argumentações utilizadas que denotam um caráter de maior santidade, piedade e proximidade a Deus, os guerreiros de oração são citados (na maioria das vezes por eles mesmos) como um referencial ideal de como se deveria ser um bom carismático católico. Jejuam regularmente, são exímios freqüentadores das missas (não poucos fazem a prática da missa diária), participam do ritual da confissão, da leitura bíblica e da reza do terço regularmente. Mas, de todas as características, a que se sobressai é de que são pessoas orantes, e, por esta razão, dizem eles, ocorrera o ardor carismático do período, na década de 90 e o avanço na evangelização carismática na mesma época.

Não poucas pessoas relatam que durante o auge dos guerreiros de oração a cidade de Sapucaia experimentara um grande avivamento evidenciado em números: 56 grupos de oração, enquanto hoje são 2386 e mais 2 não cadastrados; uma média de 8 mil carismáticos, enquanto hoje somam não mais que 2 mil (dados informados por José Augusto); havia retiros com grande número de pessoas, enquanto hoje quase não os têm; criação de rádios, jornais e um canal de TV da Canção Nova dos quais só a TV subsiste; surgimento de grupos musicais, lançamento de livros, realização de dezenas de eventos, aos quais hoje não mais se presenciam. Nesse sentido, foi constado com a pesquisa que os guerreiros de oração estão presentes ao menos como um período a ser lembrado, tanto pelos que concordavam com o movimento quanto pelos que lhe eram contrários.

Os guerreiros de oração, entretanto, não eram, não foram e não são unanimidade. Durante a década de 90 impressionavam, provocavam divisões, e, por não serem moderados em suas posturas, assustavam. Mas, também, atraíam, despertavam interesses e principalmente constituíam uma corrente espiritual mais forte que conotava maior veracidade e compromisso com a religiosidade.

As reações causadas naqueles que ficavam sabendo dos supostos sinais variavam. Desde ojeriza à busca pela inserção ou experienciação na corrente espiritual. Conta-se que quem não fosse guerreiro, mas conseguisse particiar de uma vigília, tornava-se guerreiro mesmo sem ter participando de um retiro.

Muitas são as histórias das vigílias de oração. Quando do período do trabalho de campo, constatou-se o contentamento nas pessoas por relembrarem o período da década de 90 e do avivamento em Sapucaia que, segundo eles, não se está mais vivendo. Numa entrevista feita com Bob, ao ser perguntado sobre o período do ardor carismático respondeu:

Sim, nós chamávamos esse tempo de Tempos de Avivamento, dos Guerreiros de Oração. [...] ...um tempo de grande derramamento do Espírito Santo, o pentecostes genuíno do século X se concretizou nas nossas vidas nesta época. [...] É tão relembrado que eu, como missionário nos dias atuais, vivo minha vida espiritual baseada neste período. Só consigo me sustentar nos tempo de hoje dentro desta missão por eu ter um dia vivido este avivamento, hoje a memória desperta a todo instante a vida dos “Guerreiros de Oração” como referência para quem quer resistir aos dias que virão87.

Conta-se que a efervescência se foi, mas as vigílias ainda ocorrem principalmente com integrantes do Grupo Cristo Redentor e do Grupo Água Viva. José Augusto confirma esta constatação afirmando que “em alguns grupos houve a tentativa de conservar a essência como o Batismo, o fervor e a oração do monte, como é o caso do Cristo Redentor” 88.

O grupo Cristo Redentor traz a prática das vigílias nos montes desde a década de 90. Atualmente a prática se tornou parte integrante das atividades dos “servos” do grupo de intercessão. O dia de suas atividades ocorre às terças-feiras, das 20 às 22 horas, sendo que uma vez por mês reúnem-se no monte para fazerem a vigília.

Ainda com relação ao Grupo Cristo Redentor, ocorre também que José Augusto e alguns outros integrantes, semanalmente, após a reunião no Grupo de Intercessão às terças-feiras, dirigirem-se ao monte para lá realizarem uma vigília por duas horas de oração. Essa prática ocorre devido a uma revelação dada por José Augusto no ano de 2010 em que o “Senhor” estaria pedindo àqueles que sentissem no coração vigílias de oração após os Grupos de Intercessão, com a promessa de que Ele os revestiria de poder.