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CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE DO ESTADO-JUIZ

3.5 Dano e sua Forma de Reparação

3.5.2 As partes na Ação de Responsabilidade Civil

3.5.2.1 Legitimidade Ativa

Segundo BUZAID (1978, p. 29), quanto à legitimidade da parte, esta engloba todos os que sofreram conseqüências patrimoniais e morais do ato ilícito do Estado-Juiz. O sujeito ativo é a parte lesada que, no processo, sofre o dano causado pelo ato, inclusive, terceiros que por ventura foram prejudicados com o ato danoso.

E continua, citando Mattirolo “entende-se pois, por parte lesada não só o litigante que faz parte do processo, mas qualquer pessoa que como terceiro, tenha sofrido prejuízos. Verificamos, nas lições de alguns autores, que em uma sentença em que haja expressões injuriosas ou danosos a um terceiro quando forem deliberadamente escritas para prejudica-lo. Cabe ao injuriado ação civil, na qual deve provar o dolo do autor do fato e o dano sofrido”.

Desta forma, conclui-se que tem legitimidade ativa para propor ação de reparação de danos todos aqueles que sofrerem conseqüências originárias do ato praticado pelo Juiz, não ficando restrita apenas às partes contendoras, mas excedendo-se também, aos advogados, promotores, testemunhas, terceiros prejudicados...

3.5.2.2 Legitimidade Passiva

Segundo ALVES (2001, p. 203-204), “[...] legitimidade passiva é a pertinência subjetiva da ação, a regularidade do poder de determinada pessoa ser demandada sobre determinado objeto. Só pode contestar a ação quem tenha legitimidade. Se não a tem, não pode defender seus direitos, pois para isso é imprescindível ser parte legítima.”

Fundam-se as ações de reparação de danos em atos ilícitos praticados ou não pelos magistrados. Se não fundadas em condutas contrárias ao direito por parte do magistrado, esta ação será direcionada contra a pessoa jurídica de direito público responsável, não existindo polêmicas a este respeito.

Segundo FIGUEIRA JÚNIOR (1995, p. 51-53):

[...] há que se relembrar aqui, que os atos judiciais capazes de levar à responsabilidade do Estado estão circunscritos em três fases processuais bem definidas: a instrutória ou cognitiva, a decisória e a executória. Na primeira, situa-se a omissão, a recusa, o retardamento na prática de atos, inclusive cm vistas à prolação da sentença; na segunda, o erro judiciário propriamente dito ou erro técnico de decisão; e finalmente, durante a fase execucional, poderá ocorrer qualquer uma destas situações. Pertinente esclarecer ainda, que o dolo e a fraude podem aparecer em todas as fases e atos mencionados [...]. Essas distinções são importantes para a adequada identificação do ato judicial (omissivo ou comissivo), que por sua vez, permitirá uma melhor análise tipológica do vício causador do dano e, via de conseqüência, sobre a admissibilidade jurídica ou não de legitimidade passiva concorrente (o que não se confunde com solidariedade entre o órgão julgador e o Estado - Fazenda Pública). É exatamente na dependência do resultado dessa investigação, que se poderá vislumbrar a possibilidade (ou não) de ajuizamento de demanda reparatória autônoma contra o juiz, causador do dano, ou a existência de legitimidade concorrente.

O Estado como legitimado passivo e o agente público (juiz)

Para figurar o pólo passivo, três correntes pronunciam acerca da legitimidade: a) a primeira preconiza que a vítima deve propor a ação contra o Estado, e somente contra ele (que posteriormente, nos casos de comprovação de ação do agente público com culpa ou dolo, deverá agir regressivamente); b) a segunda com entendimento que o administrado lesado poderia agir contra o agente e contra o Estado, formando-se um litisconsórcio; c) e a última, que vem ganhando grande ressonância na doutrina pátria, que a vítima acione diretamente o magistrado que tenha agido contra o direito, seja na forma dolosa ou culposa.

Sobre este tema, FIGUEIRA JÚNIOR (1995, p. 77-78), sintetiza:

[...] a responsabilidade solidária autônoma (direta ou indiretamente) da Fazenda Pública e do Estado-Juiz surgem nas hipóteses do: a) ato ilícito (omissivo ou comissivo) por dolo ou fraude; b) culpa grave (recusa, omissão ou retardamento de providência que deva tomar de ofício ou requerimento da parte). Já a responsabilidade direta e exclusiva da Fazenda Pública nos casos de disfunção da máquina administrativa da Justiça, erro judiciário ou erro “stricto sensu” (erro técnico no oferecimento da tutela estatal” [...] e continua “nesse sentido, as duas primeiras hipóteses admitem tanto a

responsabilidade concorrente passiva do Estado como a do julgador, nada obstando que o prejudicado dirija a ação contra ambos, ou direta e tão somente contra o magistrado, não havendo espaço para a responsabilidade civil subsidiária ou indireta, em face da gravidade das circunstâncias ensejadoras da pretensão, ou seja, responsabilidade civil pessoal do juiz. De modo diverso, no terceiro e quarto caso (disfunção da administração e erro técnico) estaremos frente a uma situação de responsabilidade civil do Estado pelo risco social, não sendo imputável ao magistrado, e nem mesmo regressivamente, qualquer tipo de ônus, [respondendo assim o Estado objetivamente].

Isto posto, percebemos que quando o pedido indenizatório recair sobre fundamento de erro judiciário por culpa, dolo ou fraude, poderão ser acionados o Estado, o Estado e o magistrado82, ou diretamente o magistrado faltoso.83

Importante ressaltar, no entanto, que poucos são os que mantiveram esta posição com o advento da Constituição de 1988, pois esta foi bastante clara no artigo 37, §6°, que as ações de reparação de danos originárias de atos praticados por agentes públicos terão que ser propostas em face do Estado, e que este por sua vez, regresserá contra o seu protegido.

Segundo Afonso SILVA (2001, p. 575) o Estado chamou para si todas as ações, competindo ao mesmo, quando acolhido o pedido do lesado, verificar se o seu agente agiu com dolo ou culpa, caso em que exercerá o direito de regresso, até porque, o agente público está investido do princípio da impessoalidade, que o impede seja responsabilizado diretamente pelo administrado.

Acertadamente o legislador constituinte, a nosso ver, estabeleceu tais regras para a ação de reparação de danos originários de ilícitos judiciários. Dois são os motivos, predominantes, para tal posicionamento: primeiramente na simples situação de que se o lesionado, se o permissivo fosse no sentido de demandar diretamente o Juiz, não teria a certeza de que os prejuízos por ele apreciados seriam ressarcidos – pois nem todos os juízes

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Em sendo o direito de ação autônomo e não existindo a necessidade de corresponder a um direito material violado, poderiam os administrados exercitar este direito para limitar a atuação dos agentes públicos, que, uma vez acionados, mesmo que suas condutas fossem dentro dos ditames legais, ver-se-iam obrigados a contratar um profissional, às suas expensas para se defenderem.

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Autores que defendem esta posição: Oreste Nestor de Souza Laspro, Responsabilidade Civil do Juiz, p 233; Giovanni Etrore Nanni, Responsabilidade Civil do Juiz, 197; José Augusto Delgado, Responsabilidade do Estado – Responsabilidade Civil do Estado ou Responsabilidade da Administração – A demora na Entrega da Prestação Jurisdicional p 6; Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, v 5, p 300; Ada Pelegrini Grinover. A responsabilidade do Juiz Brasileiro, p 10; Rui Stoco, Responsabilidade Civil e a sua interpretação Jurisprudencial p 352-353; Alfredo Buzaid, Da responsabilidade Civil do Juiz p 29; José Guilherme de Souza. A responsabilidade Civil do Estado pelo Exercício da Atividade Judiciária, p 41; Joel Dias Figueira Júnior. Responsabilidade Civil do Estado-Juiz p 77-78; Walter Ceneviva, Responsabilidade Civil do Juiz por Danos Causados às partes, p 36; Celso Agrícola Barbi, Comentário ao Código de Processo Civil, v 1 Tomo 2, p 545; Hélio Tornaghi. Comentário do Código de Processo Civil, v 1 p 412; Maria Mendes Alcântara, Responsabilidade do Estado por atos legislativos e jurisprudenciais p 72; Celso Antonio Bandeira de Melo. Curso de Direito Administrativo, p 633; José Calos de Araújo Almeida Filho, Responsabilidade Civil do Juiz p 60.

teriam capacidade financeira para arcar com a indenização, o que levaria o ofendido a “ganhar mais não levar”. O segundo estriba-se na simples questão de não expor o Juiz à fúria das partes menos escrupulosas, que, após serem sucumbidas pretendessem lançar seu ódio e vingança, expondo o Juiz à vexação pública.

Por tudo isto, melhor entendimento é feito pela doutrina que entende que a ação de reparação de danos originários de atos judiciais deve ser proposta só contra o Estado, e que a este cabe, por força de lei, regressar contra o falto, nos casos de dolo, fraude e culpa.84

Sintetiza o assunto DERGINT (1994, p. 214):

[...] apura-se a responsabilidade pessoal em um segundo momento, quando da ação regressiva contra ele movida pelo Estado. Tal entendimento conforma-se ao artigo 37, § 6° da Constituição Federal (contra o qual o artigo 133 do Código de Processo Civil não pode prevalecer), encontrando ponderável justificativa na independência judicial, imprescindível ao bom desempenho da função judiciária. Sem dúvida, esta seria afetada se os juízes tivessem sempre sujeitos à possibilidade de ações indenizatórias da parte de jurisdicionados, que, por vezes, as proporiam por mera irresignação ou inimizade.

Superada a discussão sobre quem deve figurar no pólo passivo da ação de reparação de danos, notadamente a pessoa jurídica de direito público, surge o questionamento sobre a possibilidade de o Estado, defendendo-se na ação reparatória, também buscar guarida na denunciação à lide contra seu servidor faltoso, quando a demanda basear-se na discussão de uma conduta ilícita deste.

Segundo ALVES (2001, p. 424) a denunciação a lide é o ato pelo qual a parte, autor e réu, chama terceiro a juízo. Ocorre isto porque esse terceiro é garante do direito alegado pela parte. O chamamento é exatamente para resguardar a parte na hipótese de ser vencida na demanda.

A denunciação a lide, assim, tem natureza de uma ação ajuizada no curso de outra ação de cunho condenatório, visando a disciplinar a relação entre denunciante e denunciado,

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Autores que defendem a posição: Hely Lopes Meireles, Direito Administrativo Brasileiro, p 614; Álvaro Lazzarini: Estudo de Direito Administrativo, p 437; Artur Marques da Silva Filho. Juízes irresponsáveis? Uma indagação sempre presente, p 79; Ruy Rosado de Aguiar Júnior. A Responsabilidade Civil do Estado pelo Exercício da Função Jurisdicional no Brasil, p 43; Luiz Antonio Soares Hentz, Direito Administrativo e Judiciário, p 67-76; José Cretella Júnior. Responsabilidade Civil do Estado por atos Jurisdicionais, p 18; Juary C. Silva, Responsabilidade Civil do Estado por Atos Jurisdicionais p 39-40; Edmir Netto de Araújo, Responsabilidade Civil do Estado por Ato Jurisdicional p 61; Luiz Rodrigues Wanbier, A Responsabilidade Civil do Estado Decorrentes de Ato Jurisdicional, p 40; Carlos Mário da Silva Velloso. Temas de Direito Público, p 498; Rômulo José Ferreira Nunes. Responsabilidade do Estado por atos Jurisdicionais, p 137; Odoné Serrado Júnior: Responsabilidade Civil do Estado por Atos Judiciais, p 68-69.

caso aquele seja vencido na ação. São, portanto, duas lides que serão processadas simultaneamente e julgadas na mesma sentença.

Porém, se admitida esta possibilidade do Estado socorrer-se da denunciação para que, no mesmo processo, já ficasse disciplinado o direito de regresso, obrigatoriamente, em todas as hipóteses, haveria a discussão acerca de possível culpa ou dolo por parte do servidor; elementos estes que não são requisitos de configuração da responsabilidade estatal. Segundo Zacaner (apud MELLO, C.A.B, 2001, p. 840), aceitar a denunciação a lide nesse tipo de ação implicaria em “[...] mesclar-se o tema de uma responsabilidade objetiva – a do Estado – com elementos peculiares à responsabilidade subjetiva – a do funcionário [...].” Argumenta ainda que não pode lei menor (Código de Processo Civil, em seu artigo 70, III) empecer a grandeza do instituto. Nem se pode deixar instaurar, no bojo da lide, outra lide – a do Estado e do Funcionário – causando graves percalços ao lesado, a pretexto de discutível economia processual.

De tais apontamentos, percebe-se a impropriedade da aplicação do instituto da denunciação às ações de reparação de dano contra o Estado, ou seja, ainda que a ação seja baseada em ato ilícito do Juiz, aquele não poderá denunciá-lo à lide. No entanto, nada impede que o juiz, cuja conduta está sendo discutida na ação principal, ingresse na ação na qualidade de assistente, pois este terá interesse jurídico de que a sentença seja favorável ao Estado, o que implicaria, desde logo, eventual ação de regresso.

Também não tem ressonância doutrinária, a obrigatoriedade do instituto da denunciação à lide do servidor, por força de estar ele obrigado a indenizar o Estado em ação regressiva, de modo que, por tratar-se de responsabilidade objetiva, descabe a denunciação à lide do funcionário ou servidor, porque implicaria introdução de fundamento novo – dolo ou culpa – estranho à causa petendi da ação principal.