• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 O GÊNERO TUTELA DE URGÊNCIA

1.6 Perfil Dogmático da Tutela de Urgência

1.6.1 Noção Evolutiva

Segundo MARINONI (1992, p. 36-38), as medidas de urgência já eram conhecidas à época do direito romano.

Destarte, como bem analisa CARPI (1995, p. 4) “[...] a perspectiva não é nova, o que é novo em nossa época é a consciência nos ordenamentos modernos de que a tutela jurisdicional dos direitos e dos interesses legítimos não é efetiva se não obtenível rapidamente.”

Merece destaque à figura existente no direito romano denominada cautio domni

infecti, que permitia ao requerente obter uma garantia de ressarcimento nos casos de perigo de

dano, sendo que se o requerido não prestasse caução, o pretor poderia imitir o requerente na pose de seus bens. Também havia a figura do seqüestro, que consistia no depósito de uma coisa em poder de uma terceira pessoa, a fim de que fosse conservada, por se temer que, ao ficar em poder de uma das partes, pudesse chegar a perder-se ou deteriorar-se.

No direito italiano, o Códice de Procedure Civile, de 1942, em seu artigo 700 regula os chamados provvementi d´urgenza. Tal artigo fora apontado por MOREIRA (2004, p. 93)

[...] fora dos casos regulados nas ações precedentes, quem tenha motivo fundado de temer que, durante o tempo necessário para fazer valer pela via ordinária seu direito, este fique ameaçado de prejuízo iminente e irreparável, pode requerer ao juiz as providências urgentes que, de acordo com as circunstâncias pareçam mais idôneas para assegurar provisoriamente os efeitos da decisão sobre mérito.

A doutrina afirma o caráter instrumental e cautelar das medidas decretadas com base neste artigo. Ao longo dos anos, porém, houve expansão da utilização desse dispositivo, com extrapolação dos limites fixados pelo código datado da década de quarenta, pela

crescente necessidade de, em certas situações, se satisfazer o direito provisoriamente, sob pena de dano irreparável. Na Itália, tal fenômeno fora admitido, sem maiores problemas, desde cedo, aceitando-se que pudessem coexistir no mesmo ato a função cautelar, não satisfativa, e a função antecipatória, satisfativa e de caráter provisório.

Seria assim, a decisão antecipada e provisória do mérito uma das espécies do gênero cautelar. Nota-se que o citado artigo 700 previa possibilidade de concessão de providência que assegurasse provisoriamente os efeitos sobre o mérito, fundado no periculum

in mora.

No direito francês, pode-se destacar o instituto das ordonnances de refere, que teve origem na praxe forense e fora, agasalhado pela legislação.

O antigo Código Napoleônico já havia tratado de tal instituto no capítulo consagrado à execução, embora de maneira modesta. Porém, o desenvolvimento prático ultrapassou, e muito, os marcos desta legislação.

Assim, o novo Code de Procédure Civile, de 1975, dedicou-lhe vários dispositivos, embora sem grande preocupação em sistematização.

Uma ordonance de refere, de acordo com o artigo 484 do Código vigente, é uma decisão provisória, proferida a requerimento de uma parte, presente ou convocada a outra, nos casos em que a lei confere a um juiz, que não é o da causa principal, o poder de ordenar imediatamente as medidas necessárias.

O campo de aplicação da figura, no entanto, continuou a dilatar-se. De acordo com a tradição, as características do refere constituem no pressuposto da urgência, no caráter provisório e na ausência de efeito vinculativo para o juiz incumbido da causa principal. Porém, a medida que se expande o uso desse instrumento, tais características vêm se atenuando. A urgência, por exemplo, em alguns casos, já é presumida pela lei, ou até mesmo dispensada.

Cabe destacar, também, a figura do referé provision, que é uma espécie de medida antecipatória. Está previsto na segunda alínea do artigo 809, para os casos em que a obrigação afirmada pelo requerente não parecer seriamente contestável ao magistrado, podendo este conceder um provision que pode apresentar conteúdo igual ao da sentença que julgasse a causa procedente.

No direito francês moderno se encontram, segundo THEODORO JÚNIOR (2005, p. 643), três modalidades de medidas provisórias: a modalidade clássica de tutela cautelar, que resguarda a situação litigiosa sem entrar no mérito da causa (mesures d´attente); modalidade moderna de tutela antecipada, que produzem resultados provisórios de satisfação imediata do direito do litigante (mesures provisoires qui anticipent sur lê jugement); e

modalidade de tutela antecipada que permite ao juiz, ainda que pendente de recurso a decisão final, que autorize sua provisória execução sempre que considerar necessário (mesures

provisoires qui antecipent sur l´exécution).

O direito alemão demonstra-se na mesma linha, ditando o § 935 da ZPO: “Pode o juiz adotar medidas provisórias de segurança, relativas à coisas litigiosas, quando for de temer que modificações do estado atual possam frustrar ou tornar notavelmente difícil a satisfação do direito da parte.”

O § 940 por sua vez, estabelece ainda que:

Permite-se a adoção de medidas cautelares para regular um estado provisional, respeitante a uma relação jurídica controvertida, se tal regulamento se considerar necessário para evitar prejuízos de monta ou atos de força que a ameacem, ou por outros motivos, especialmente quando se tratar de relações jurídicas permanentes.

A diferença da medida prevista neste último está em tender a constituir uma situação de fato provisória, enquanto a primeira tem por fim impedir a destruição ou alteração do objeto de litígio.

Destas, ainda que superficiais, alusões aos institutos que tratam das medidas de urgência no direito comparado, percebe-se que, de início, lutava-se apenas pela preservação dos bens envolvidos no processo lento e demorado, afastando-os de eventual situação perigosa à sua conservação, para submetê-los, a uma sentença útil para os litigantes. Com essa preocupação, construiu-se basicamente a teoria das medidas cautelares.

Porém, ficava fora desse campo de tutela preventiva um outro grave problema, que era o da demora na prestação jurisdicional satisfativa, o qual, em si mesmo, poderia configurar uma denegação de justiça, ou uma verdadeira sonegação da tutela jurisdicional, e que é assegurada entre as garantias fundamentais do Estado Social Democrático de Direito.

Sentindo-se tal necessidade, passou-se a defender algo mais efetivo que a medida cautelar. Cada vez mais se reclamava a generalização do poder cautelar, de modo a dotar o órgão judicial de um poder geral não apenas cautelar no sentido estrito, mas que abrangesse também, e sempre que necessário, a antecipação da satisfação do direito material da parte; isso, sempre que o direito se mostrasse evidente e sob risco de frustração final, na hipótese de ter de aguardar o esgotamento de todos os trâmites do processo ordinário.

Em todo o Direito Europeu, o que se percebe, foi que houve uma evolução, não sem alguma resistência, no sentido de conceber a tutela provisória tanto para conservar como

para efetivamente regular a situação jurídica material das partes, basicamente dentro do mesmo tipo de procedimento.

No Brasil, porém, o quadro evoluiu de forma um pouco diferenciada.

Nas Ordenações já se tratava de tutela cautelar, embora somente através de medidas específicas, seguindo-se do mesmo modo, até as ordenações Filipinas.

No Regulamento 737, de 1850, podemos encontrá-la no Título “Processos preparatórios, preventivos e incidentes.”

No Código de Processo Civil de 1939 disciplinou-se o assunto no Título I que tratava das medidas preventivas, dentro do livro destinado aos processos acessórios. Neste, surge pela primeira vez no direito brasileiro a figura do Poder Geral de Cautela.

O atual Código de Processo Civil destinou o seu Livro III, às denominadas Medidas Cautelares. Há de se destacar, porém, que algumas medidas, embora albergadas neste livro não tem característica de cautelaridade por lhes faltar a temporariedade, mas que ali foram sistematicamente colocadas por se basearem, também na urgência.

Porém, a exemplo daquele quadro já bem definido no direito europeu, também no Brasil sentiu-se a necessidade de haver tutela fundada na urgência que pudesse provisoriamente, antecipar a tutela os seus efeitos, realizando o direito dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento.

O meio freqüentemente utilizado para veicularem pretensões dessa natureza, que por excederem os lindes da cautelaridade não encontravam instrumentos próprios, foi o processo cautelar. Quem tinha tal previsão invocava o Poder Geral de Cautela, contido no artigo 798 do CPC, e os Tribunais, sensíveis à necessidade de acudir tais situações merecedoras de tutela, recepcionavam a prática.

Difundiram-se na prática judicial, as chamadas cautelares satisfativas, que demonstram clara contradição de sentidos.

O legislador então, em alguns procedimentos específicos passou a permitir liminares com tal característica. Porém, foi com o advento da Lei 8952 de 1994 que foi modificada a redação do artigo 273 do Código Processual, que se passou a autorizar genericamente a antecipação parcial ou total dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que houvesse prova inequívoca que demonstrasse verossímil a alegação do autor e receio do dano irreparável ou de difícil reparação.

Tutela cautelar e tutela antecipatória, espécies do gênero tutela de urgência que são, vieram, portanto, como importantíssimos e utilíssimos instrumentos de defesa do Direito

e da Jurisdição, que conforme apontado, perdia-se durante o processo ou não conseguia ser defendido por perecerem os elementos necessários ao bom deslinde, em razão do tempo.