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CAPÍTULO 1 O ESTADO

1.3 Aspectos Relevantes da Jurisdição

1.3.1 Interesse Público

Segundo Celso Antonio MELLO (2001, p. 57), interesse público constitui interesse do todo, isto é, do próprio conjunto social, não se confundido, por isso, com a somatória dos interesses individuais, mas contrapondo-se a idéia de interesse privado, ou interesse pessoal de cada um. E completa DI PIETRO (1999, p. 62), que a importância do interesse público e sua supremacia sobre o privado, superando um individualismo inicial, foram fundamentais para o desenvolvimento do direito público e vinculam a administração em todas as suas decisões.

O interesse público direto, de que se reveste a função jurisdicional, é a distribuição da justiça, a pacificação social, evitando que os conflitos de interesse sejam solucionados pessoalmente pelas partes, por subterfúgios danosos como a autotutela, a autocomposição, a vingança privada... Enfim, que não sobrevenha o caos social entre os administrados. Por sua vez, indiretamente, tem o interesse público a manutenção do Estado social e democrático de direito, através da aplicação, e conseqüente observância dos dispositivos legais que compõem o ordenamento jurídico pátrio ante à relações de direito suscitadas em juízo pelos litigantes. É interesse público que a prestação jurisdicional dê-se de forma eficiente, possibilitando aos cidadãos o amplo acesso à justiça.

De acordo com MARCATO (1991, p. 5), a jurisdição caracteriza-se, basicamente por sua função estatal, exercida através do processo instaurado por iniciativa da parte interessada na solução de um determinado litígio; tem natureza substitutiva, gerando atos que se tornam imutáveis em sua eficácia, e realizando assim, em concreto, a vontade da lei.

1.3.2 Serviço Público Monopolizado

O Estado é o único provedor da justiça, fato que configura uma garantia constitucional concedida aos jurisdicionados, que não poderão ser tolhidos em seus direitos por decisões de terceiros particulares. O Estado vedou a autotutela, tipificando-a no artigo 345 do Código Penal, ainda que a mesma possa ser exercida em casos limitados e expressamente elencados como auto-executoriedade dos atos administrativos8; direito de retenção; penhor legal; direito de cortar raízes e ramos limítrofes; e legítima defesa.

Assim, esta função é, definitivamente, um monopólio do Estado, exercido através do poder judiciário, do qual não será excluída nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direitos (inteligência do inciso XXXV, artigo 5° de nossa Constituição).

Sem prejuízo desta constatação, NERY JUNIOR (1997, p. 78), ressalta que subsistem imperiosas exceções, por força do criterioso poder constituinte originário, já que, além do Poder Judiciário, outros órgãos do Estado podem exercer o poder jurisdicional, como por exemplo, quando o Senado Federal julga o presidente da república por crime de responsabilidade (artigo 52, I CF). Também o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, atribuído ao Tribunal do Júri, é outro exemplo de que a jurisdição é exercida por juízes privados e efêmeros, não estatais. E continua, “[...] nesse sentido, resta claro, numa primeira leitura, que a atividade jurisdicional é típica, mas não exclusiva do Poder Judiciário e que ao Legislativo e ao Executivo também compete a distribuição de justiça, através de suas funções respectivas, elaborando leis justas e constitucionais.” (NERY JUNIOR, 1997, p. 70).

NANNI (1999, p. 67), a despeito, contudo, deste entendimento, crê que o Judiciário é o verdadeiro, único e legítimo provedor de justiça, pois só assim aqueles que reclamam a tutela jurisdicional têm a garantia de que seus pleitos serão apreciados e resolvidos por um único órgão, imparcial e justo, com competência exclusiva para tanto.

Lúcia Helena PASSOS (2001, p. 75) assevera que esse monopólio, muitas vezes, acaba comprometendo a qualidade da prestação jurisdicional, face ao volume de litígios deflagrados em juízo e ao sempre escasso número de magistrados, tamanha é a sede de justiça da sociedade capitalista, gerando morosidade e insatisfação, podendo-se mesmo afirmar que existir um querer natural de que nem todos os conflitos sejam jurisdicionalizados.

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Certo é, pois, conforme ensinamento de THEODORO JÚNIOR (1977, v. 2, p. 32), que o jurisdicionado, frente ao Estado-Juiz, dispõe de um poder jurídico que consiste na faculdade de obter a tutela para os próprios direitos ou interesses: o direito de ação, de natureza pública, por referir-se a uma atividade pública e oficial do Estado.

1.3.3 Conceito e Finalidade

A função jurisdicional, nada mais é que a atividade que o organismo estatal exerce, através de um poder constituído (Judiciário), visando a solucionar os conflitos de interesses deduzidos em juízo, ministrando os dispositivos do ordenamento jurídico aos casos em concreto, bem como zelando pela observância dos cânones constitucionais que mantém o Estado social e democrático de direito.

O exercício da função jurisdicional pelo Estado-Juiz visa a evitar que os conflitos advindos das relações sociais sejam regulados pela autotutela e seus efeitos nocivos, impedindo que a sociedade regrida ao período da vingança privada, em que o próprio administrado era o responsável por fazer a sua justiça.

Para o mestre CHIOVENDA (1998, v. 1, p. 57), quanto mais se reforça a organização política, torna-se mais restrito o campo da autodefesa, não em virtude de um contrato entre os poderes públicos e os indivíduos, mas pela natural expansão da finalidade do Estado, de modo que, enquanto de um lado, regulam-se as relações entre os indivíduos, por meio das normas legais mais numerosas e precisas, de outro, busca-se com o processo assegurar a observância das mesmas.

Assim, segundo CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (1991, p. 24), não se pode negar o caráter pacificador da função jurisdicional, sendo esta sua característica marcante e que a distingue das funções legislativas e administrativas. Embora, importante frisar, segundo ensinamentos de KELSEN (1998, p. 41), que a paz do direito é relativa, já que o mesmo não exclui o uso da força, não sendo isento de coação, possibilitando, em determinadas situações a coação física exercida por um indivíduo contra o outro.

Para o professor HENTZ (1995, p. 19), é através da função jurisdicional que o Estado demonstra sua soberania, consagrando o poder-dever de aplicar o direito, dando a cada um o que é devido, visando a atingir um ideal de justiça, de forma imparcial, oficial e monopolizada. A função jurisdicional é uma incumbência exercida pelos juízes,

desembargadores e ministros, através de um ato jurisdicional (decisão interlocutória, sentença, acórdão...)9.

Ao exercer a função jurisdicional, o julgador oficial substitui as partes envolvidas, resolvendo o conflito, através da aplicação do direito objetivo ao caso concreto e a decisão, enquanto ato jurisdicional, tem como característica a imperatividade (fazer lei entre os litigantes). Aplicando o direito a cada caso, o Estado dá a última palavra como forma de solução dos conflitos de interesses formalizados, valendo-se do instituto da coisa julgada para distribuir a paz social, assegurar o bem da vida através do direito, e garantir um mínimo de segurança jurídica.