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CAPÍTULO 1 O ESTADO

1.5 Responsabilidade Extracontratual do Estado

1.5.3 Causas de Excludentes da Responsabilidade do Estado

Conforme apontado até o presente momento, responsabilidade é, grosso modo, segundo CARVALHO (2002, p. 66) o dever obrigacional de reparar o prejuízo causado, uma forma e restabelecer o status quo ante e, quando isto não é possível, a indenização terá caráter reparatório, ou até mesmo, compensatório.

Derivado dos princípios da legalidade e republicano, o Estado sempre responderá por atos ou omissões, licitas21 ou ilícitas, que atinjam a esfera de direitos tutelados dos indivíduos. Porém, há casos em que o Estado se exime do dever de indenizar o particular, que de acordo com Celso Antonio MELLO (2001, p. 456) refere-se aos casos em que faltar o nexo entre seu comportamento comissivo e o dano, isto é, exime apenas se não produziu lesão que lhe é imputada, ou se a situação de risco inculcada a ele inexistiu, ou foi sem relevo decisivo para a eclosão do dano. Fora daí responderá sempre. Em suma: realizados os pressupostos da responsabilidade objetiva não há evasão possível.

Em face a não adoção da teoria do risco integral, será totalmente (ou parcial) excluída a responsabilidade do Estado, nos seguintes casos:

1.5.3.1 Inexistência de Elemento (ou Requisito) Constitutivo da Responsabilidade

Estando diante da teoria objetiva da responsabilidade do Estado, restará este isento de indenizar o dano sofrido pelo particular, bastando a comprovação da inexistência do nexo de causalidade entre comportamento e dano gerado. Ora, se é de se aplicar à teoria objetiva em face de comportamentos (lícitos ou ilícitos), não havendo o nexo de causalidade entre ato estatal e dano suportado pelo(s) particular(es), não há que se falar em responsabilização do poder público.

Já, ao depararmo-nos com a responsabilidade do Estado por comportamentos fundamentados na teorias subjetivas da responsabilidade, ficará afastada a mesma caso não tenha havido negligência, imprudência ou imperícia, tampouco dolo na omissão estatal. Assim, agindo o Estado dentro daquilo que impunha os ditames legais, ou das “[...] possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso.” (MELLO, C.A.B, 2001, p. 185 ), não há de se falar em responsabilização estatal.

E ainda, inexistindo dano (ou este impossível de ser ressarcido), não há de se falar em configuração de responsabilidade objetiva, por ausência de requisito constitutivo.

21

Segundo CARVALHO (2002, p. 67), em relação aos danos provenientes de comportamentos lícitos, além dos requisitos já mencionados no item anterior, estes apenas serão indenizáveis nos casos de anormalidade e especialidade. A anormalidade possui uma conotação de insuportabilidade, no qual o dano reveste-se de uma gravidade superior, excedendo o ônus normal de uma vida em sociedade, não podendo exigir que o administrado o tolere. Para auferirmos a especialidade, devemos observar a particularização do resultado causado pelo comportamento estatal, ou seja, será especial o dano em que o contingente alcançado é singular em sua descrição e exíguo em seu círculo de incidência.

1.5.3.2 Culpa da Vítima

Muitas vezes, pode acontecer que o resultado danoso derivou em razão da culpa da própria vítima, contribuindo definitivamente para que assumisse a condição de vítima. Nessas condições, em regra, há o rompimento do nexo causal com o ato do agente estatal, não existindo o direito ao ressarcimento. Assim, pode acontecer que a vítima tenha contribuído em absoluto para o fato, ou ainda, que tenha concorrido junto ao ente administrativo para tal22; neste primeiro caso haverá completa isenção de responsabilidade por parte do Estado, e no segundo, responderá na exata proporção em que houve a colaboração.23

SCAFF (1990, p. 65) a este respeito, pondera:

[...] despiciendo fazer notar que, mesmo nesta teoria (risco integral), em caso de ter havido culpa da vítima na acusação do dano, a verificação do montante a ser apurado deverá levar em conta esse dado, o que poderá excluir a responsabilidade do Estado. Desta forma, no caso de uma pessoa ter-se jogado sob as rodas de um carro público que transitava, não é possível querer responsabilizar o Estado, uma vez que o ensejador do ato que ocasionou a lesão foi a própria vítima.

1.5.3.3 Culpa de Terceiro

Para MEIRELLES (1995, p. 562), o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares.

Isto posto, não é responsável quando o ato danoso foi produzido diretamente por terceiro, salvo, em caso de culpa concorrente.

22

Sobre isto, Celso Antonio MELLO (2001, p. 499) ressalta a importância do estudo do fenômeno das concausas, isto é, precisa-se examinar se a culpa da vítima constitui a causa fundamental do dano, ou se, por algum modo, ainda subsiste o nexo causal com a ação do agente estatal.

23

Nosso ordenamento jurídico constitucional acolheu a teoria do risco administrativo, que só exige, para configura a responsabilidade do Estado, a existência do dano e do nexo de causalidade, embora permita seja feita a prova da culpa da vítima para atenuar ou elidir a responsabilidade da administração (STJ, 1 Turma, 8.5.91. Revista do STJ 22-386).

Já com relação a circunstâncias envolvendo multidão, deve ser comprovada que a administração pública agiu com comprovada omissão na prestação do serviço, para assim, vincular responsabilidade.24

1.5.3.4 Caso Fortuito e Força Maior

Para José Carlos OLIVEIRA (1995, p. 42-43), enquanto a força maior é o evento decorrente de uma causa conhecida, proveniente de eventos da natureza, imprevisível, irresistível e inevitável pela vontade do homem, o caso fortuito refere-se a acidente de causa conhecida, é fato caracterizado pela imprevisibilidade e não evitabilidade, esta última, é condição objetiva e fundamental para caracterizá-lo.

E completa ALVES (2001, p. 139-140), em se tratando de caso fortuito ou de força maior, ambos também pré-excluem a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos; quando apesar de tomadas as medidas preventivas (como por exemplo a construção de galerias pluviais) para evitar danos decorrentes de eventos naturais as tempestades, os vendavais, chuvas torrenciais e outros.

Em suma, extrai e podemos deduzir que25: a) quando os danos são provocados por acontecimentos inevitáveis, como tempestades, inundações e deslizamentos, poderão ocorrer a responsabilidade do Estado, desde que fique comprovado que foi omisso ou teve atuação deficiente, não realizando corretamente um serviço que poderia evitar o prejuízo26; b) já, quando pela ocorrência dos mesmos eventos, nenhuma participação teve o Estado na eclosão do resultado danoso, não lhe pode ser imputada omissão ou atuação deficiente, inexiste o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade.27

24

O Estado não responde civilmente por multidão, a não ser que se prove ter havido de sua parte omissão ou falta de diligência (TJSP, 6 T, RT 251-299); Comprovando que as causas do evento danoso decorreram de omissão de quem deveria providenciar as condições de segurança necessárias, indeclinável é sua obrigação de indenizar (TJSP 4 C, Rel Olavo Silveira, RT 607-55)

25

Neste sentido, o trabalho de doutoramento de nosso Professor Doutor José Carlos Oliveira. Responsabilidade patrimonial do Estado – danos decorrentes de enchentes, vendavais e deslizamentos. São Paulo. Edipro, 1995.

26

Caso fortuito, temporal comum, cujo único dano consiste em causar a queda de poste de rede elétrica em mau estado, não constitui caso fortuito. Previsibilidade desse tipo de interpérie, cujas eventuais conseqüências são perfeitamente e ordinariamente evitáveis. TJRS, 2C, Cível Esp. 17 7 75, RJTRS 58-215.

27

Ato ilícito – danos resultantes de enchentes ocasionadas por chuva – ausência de culpa da prefeitura municipal – improcedência da ação. TJSP 2C, 25 09 79, RJTJSP 61-92.

1.5.3.5 Estado de Necessidade, Legítima Defesa, Vício da Própria Coisa (ou Cláusula de Irresponsabilidade) e Prescrição

Além destes casos, não estará o Estado obrigado a indenizar nas hipóteses de estado de necessidade, legítima defesa, vício da própria coisa e prescrição, bem como nos casos de cláusula de irresponsabilidade.

Tratam-se pois, de excludentes que trazem a prevalência do interesse geral sobre os direitos particulares, e não vinculam responsabilidades mesmo patentes todos os elementos caracterizadores da responsabilidade estatal.28

Assim, o estado de necessidade configura-se como a única causa de exclusão que não rompe o nexo causal; visto que nessa escusativa o ato seria ordinariamente ilícito, mas ele é justificado pela lei, que o exclui do dever de indenizar. Exemplos comuns são as situações de guerra, convulsão social, em que são causados prejuízos a indivíduos em nome da proteção da sociedade, razão de se afastar o nexo de causalidade. Evidente que o prejuízo a vítima deve ser o menor possível, mesmo no estado de necessidade, contudo, o Estado acaba respondendo no caso de demonstração de culpa.

Em relação a legitima defesa, acaba por não gerar responsabilidade do Estado, visto que, em caso de dano causado pelo agente, e comprovada a defesa legítima, demonstrada está a culpa exclusiva da vítima no evento danoso.

DIAS (1973, p. 312-313) indica que, com relação aos institutos do vício próprio da coisa e a prescrição, também estes são considerados como causas de exclusão da responsabilidade do Estado. O vício próprio da coisa ocorre em matéria de transportes de mercadorias, em que se costuma exonerar o responsável em face da deterioração daquela por vício próprio ou em conseqüência de sua natureza peculiar; freqüentemente convencionada como cláusula de irresponsabilidade, tal circunstância é na verdade, indicador de exoneração, podendo pois invocá-lo independente de convenção.

Referente à prescrição, na ação reparatória podem ocorrer prazos mais curtos do que previstos regularmente, desde que expressamente estabelecidos em lei. Uma vez prescrita, não há de se falar em ação de reparação.

28

Importante ressaltar que não há de se falar em estado de necessidade na conduta de quem tenha o dever de enfrentar o perigo; assim, não havendo a possibilidade de excludente de ilicitude penal, ainda que praticado o fato para salvar perigo não provocado pelo agente público, subsistirá sempre o dever indenizatório por parte do Estado pelos danos causados a terceiros que também não deram causa ao perigo. Também quanto às excludentes de ilicitude penal do exercício regular de um direito e estrito cumprimento do dever legal, o seu reconhecimento judicial não afasta a responsabilidade do Estado.