• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 RESPONSABILIDADE DO ESTADO-JUIZ

3.3 Elemento Objetivo da Responsabilização pelo Exercício da Atividade Jurisdicional

3.3.2 Erro Judiciário

3.3.2.1 Causas do Erro Judiciário

Para ARAUJO (1981, p. 109), as causas identificáveis como responsáveis pelo erro judiciário são identificáveis como:

71

No exercício da atividade o juiz pratica diversos atos processuais, não estando imune a erros. Processualmente, tanto na esfera penal como cível, o erro pode ser in procedendo, ou seja, de procedimento, quando provém de decisão ou despacho; e in judicando, ou seja, de julgamento, quando há a entrega da prestação jurisdicional com a incorreta aplicação da lei ao caso concreto, a merecer da instância revisora outra solução quanto ao mérito.

72

Caso a parte deixar de interpor o recurso cabível por manifesta negligência, não se utilizando do meio legal para saná- lo, descabe a indenização, pois o pretenso erro judiciário, da mesma forma, é atribuído a quem deu casa pela omissão.

a) dolo do juiz; b) culpa do juiz, nas modalidades negligência e imprudência; c) decisão contrária a prova dos autos; d) indução a erro, através de elementos juntados ou não aos autos; e) erro na análise das provas, na aplicação do direito cabível, ou até erro profissional; f) aparecimento de fatos ou elementos que venham contradizer ou anular provas ou elementos relevantes dos autos, e que influíram decisivamente na prolação da sentença.

Passemos a análise do que consideramos de maior relevância ao estudo73:

3.3.2.1.1 O Dolo – Simulação ou Fraude

Eis uma das mais graves causas, visto que é realizado com intenção deliberada e consciente de prejudicar outrem, quer por emulação ou mero capricho, quer objetivando a obtenção de lucro.

Ao proferir uma sentença, contrariando o bom direito em face uma conduta dolosa, o magistrado contraria o bom direito, impondo defeituosamente a vontade do Estado Juiz.

A manifestação, conforme será a frente analisada, tanto na modalidade direta – quando pretende o resultado, quanto na eventual – em que a vontade não se dirige ao resultado, mas admite e aceita o risco de produzi-lo, inevitavelmente caracterizará erro judiciário, ensejando responsabilidade patrimonial do Estado pelos danos, além de tipificar ilícito penal do responsável.

3.3.2.1.2 O Erro ou Ignorância

Segundo PEREIRA (1974, p. 441) “[..] o mais elementar dos vícios do consentimento é o erro. Quando o agente, por desconhecimento das circunstâncias age de um modo que não seria a sua vontade, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede com erro.”

São duas as espécies de erro: o acidental e o substancial. Em relação ao primeiro é aquele que não exerce influência na legitimidade do ato praticado, porque incide sobre

73

motivos ou qualidades secundárias do objeto; já em relação ao primeiro, é o erro que interessa à natureza do ato (quando se pretende praticar um tipo de ato, mas efetivamente outro é praticado); ao objeto principal (quando o ato não corresponder ao que se pretendia); e ainda, que se referir a qualidades essenciais (quando o engano incide sobre determinada circunstância, fazendo surgir o ato).

Necessariamente o erro substancial conduz para uma prestação jurisdicional defeituosa, tipificando o erro judiciário, em razão de uma noção falsa sobre os fatos, a pessoa e o próprio objeto integrantes de certa relação jurídica.

Já a ignorância, por sua vez, se equipara ao erro e se concretiza no desconhecimento total sobre determinado objeto. Somente deixa de constituir defeito do ato jurídico quando a declaração de vontade é emitida sem completo conhecimento de seu alcance. Sobre este, não se pode de sobremaneira imputar ao juiz esse vício, visto que enquanto incumbido da prestação jurisdicional, versando em Direito, apenas se atribui o desconhecimento de determinada questão à negligência ou imprudência, na condução do processo, ainda que dele se esperasse uma atuação diligente.

Em ambos os casos o que se percebe é o vício da vontade, na medida em que o agente pratica um ato ou deixa de fazê-lo, diante de um falso conhecimento ou de um desconhecimento dos fatos.

3.3.2.1.3 A Culpa

De acordo com ensinamento de nosso Professor HENTZ (1995, p. 33), em relação a culpa, não se fala em vontade consciente dirigida a um fim, mas sim na inobservância de dever de cautela (imprudência), agir desidioso (negligência) e descumprimento de dever profissional em determinada circunstância (imperícia).

A culpa apresenta um sentido bastante amplo, ao abranger qualquer espécie de comportamento contrário ao direito, em que havendo dano, este deve ser imputado a quem lhe deu causa. Por ora, interessa-nos a culpa em sentido estrito do juiz, e que decorre de provável previsibilidade do resultado. Assim, essencial elemento para identificação da culpa como causa do erro é a previsibilidade, ou seja, somente quando existe a possibilidade de ser antevisto o resultado é que exsurge a responsabilidade por não ter evitado o dano que poderia evitar.

Não raras as vezes, a culpa é atribuída ao serviço judiciário, anomalamente considerado, e não identificado como o ato jurisdicional causador do dano. Importante neste ponto, que haja a identificação do que resultou o dano, visto que, se incidir sobre a conduta do juiz, em face a este há de ser atribuída a responsabilidade subjetiva; agora, caso demonstrada ser em razão de anomalia estrutura, sem identificação específica do agente, apenas o estado, será acionado através teoria da faute du service.

Existindo o erro judiciário decorrente da culpa, o dano pode ser atribuído ao juiz, autor do fato, haja vista que não fica ele liberado de agir com cuidado e moderação a fim de evitar tudo quanto possa causar prejuízo ao jurisdicionado, empenhando, conseqüentemente, a responsabilidade pública.

3.3.2.1.4 Decisão Contrária à Prova dos Autos

A apreciação da prova não é outra coisa senão juízo de convencimento. A prova exerce importante papel visto que é através dela que o juiz procura conhecer a verdade, e assim, realizar a justiça através da aplicação da justiça ao caso concreto. Essa convicção é a certeza sobre a qual deve assentar a prestação jurisdicional.

Embora quisera que nos julgamentos sempre fosse emitido uma verdade real, ao juiz se atribui à busca da verdade, mas terá que se contentar com a certeza constituída à base das provas que disponha – embora, em seu juízo, tem extrema liberdade para formar convencimento sobre os fatos74.

O artigo 157 do Código de Processo Penal é responsável por tal fundamentação em órbita criminal; enquanto o artigo 131 é o correspondente no juízo cível.

A análise das provas produzidas será dada na sentença; sendo que apenas neste momento em que terá fixado-se o provimento judicial, nos casos de extrapolar-se o exame das provas – e também erro na aplicação da norma legal – revelando prejuízo a parte, é que se configurará o erro judiciário.

74

Interessante a ponderação feita na exposição de motivos referente ao artigo 157 CPC, que regula esta questão no processo crime: “nunca é demais, porém, advertir que o livre convencimento não quer dizer puro capricho ou opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais ou aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não estará ele dispensado de motivar sua sentença. E precisamente nisto reside a suficiente garantia do direito das partes e do interesse social.”

Importante salientar ainda que somente com o trânsito em julgado da sentença danosa é que estará configurado o erro, pois antes disto, detém a parte recursos que pode interpor, visando exatamente a correção deste.

Desta forma, não é lícito resolverem a todo tempo os julgados, com o objetivo de suprimi-los ou modificá-los, com exceção dos casos previstos em lei (revisão criminal e ação rescisória civil), pois referir-se-ia o fundamento de todo o processo.

O erro aparece quando o julgado contraria as provas contidas nos autos; não cabe nos casos em que houver necessidade de nova produção probatória ou ainda nova apreciação do conjunto probatório; exemplo disto é a demonstração do equívoco após testemunho de álibi que só fora localizado após o julgamento, corrigindo-se o erro inicial com seu depoimento.

3.3.2.1.5 O Erro Imputável não Imputável ao Julgador

A justiça pode equivocar-se, não somente por falha do juiz em sua atividade. Concorrem para eventuais irregularidades às partes, os peritos, os testemunhos, os demais colaboradores, as testemunhas, e até mesmo documentos apresentados.

Nestes casos, quando o erro judicial for ocasionado pelas partes, por terceiros ou fatos alheios à administração, não há de se cogitar responsabilidade Estatal, ou melhor dizendo, esta responde na proporcionalidade em que concorreu para o vício, ou teve funcionário seu envolvido neste sentido.

Com relação a responsabilidade do juiz, pondera-se acerca da viabilidade de impor ao julgador um dever de diligência de tal ordem a impedir a permanência do processo, de prova que não corresponda a verdade ou que desatenda ao dever de veracidade das partes. Inclusive, possui mecanismos para inibir ou punir a prática de atos atentatórias a justiça, como por exemplo, a fraude e a má fé.

Caso não tenha prévio conhecimento dessas circunstâncias escapa-lhe a possibilidade de reprimi-las, pois, mesmo lhe competindo a iniciativa de determinar a realização da prova que reputar indispensável, os diplomas legais cuidaram de fixar regras que distribuem entre as partes o encargo de provar os fatos litigiosos (artigo 333 CPC e artigo 156 do CPP). Assim, a formação do conjunto probatório é encargo dos litigantes, que devem evitar que a falsidade e a inverdade medrem, e com fundamento nelas, sejam proferidas decisões erradas.

3.3.2.1.6 A Errada Interpretação da Lei

Interpretar e aplicar a lei é atividade controvertida porque, como na apreciação da prova, não está limitada quanto à abrangência nem condicionada quanto ao resultado.

É possível que a interpretação adotada pelo magistrado não seja a melhor, mas salvo a revisão em superior grau de jurisdição, não poderá ser invocado erro judiciário com fundamento para eventual reparação. Só pode ser atingido por revisão criminal e rescisória cível interpretação que ofendeu literal disposição de lei, consagrando-se nestes casos hipótese de erro judiciário, porque não é dado a ninguém, nem ao juiz, violar disposições legais.

Para HENTZ (1995, p. 39), trata-se, segundo a doutrina, de erro de direito, consistente no juiz proferir julgamento na falsa pressuposição de que procede segundo preceito legal, mas aqui a doutrina tende a equiparar ao erro de fato, impondo que se reconheça o erro judiciário pelos mesmos fundamentos já expedidos quanto ao erro ou ignorância.

3.3.2.1.7 A Exigência da Lei e sua Inadequada Aplicação

O erro pode surgir não somente em relação à equivocada interpretação da lei, mas também referente a aferição sobre sua existência, vigência e constitucionalidade.

Com relação à existência, considera-se tanto no sentido formal (se esta foi votada, promulgada e publicada), quanto no sentido material (apuração de sua regular vigência); caso tais requisitos não forem preenchidos, e a lei for invocada para fundamentação jurisdicional, configurado está o erro judiciário.

A maior discussão está, contudo, na esfera da inconstitucionalidade. Com observância ao princípio hierárquico de nosso ordenamento, toda e qualquer lei deve estar em consonância com os princípios e preceitos emanados da Lei Maior; e caso não estejam, declaradamente inconstitucional, a lei não pode ser utilizada para fundamentação.

Caso isto ocorra, segundo doutrina de DI PIETRO (1999, p. 416-417) “[...] se reconhecida a sua inconstitucionalidade, ou mesmo a sua ilegalidade, poderá ensejar a responsabilidade do Estado, porque o dano é causado por ato emitido contra lei, e portanto, fora do exercício das competências constitucionais.”

A aplicação da lei que afronta o preceito constitucional, ou ainda, a não aplicação de lei formal e materialmente existentes, ensejam responsabilidade por erro judiciário, cabendo a reparação ao Estado.75