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CAPÍTULO 1 O GÊNERO TUTELA DE URGÊNCIA

1.1 Função Jurisdicional: Formas de Atuação

Para o professor José Frederico MARQUES (2000, v. 2, p. 219) o Estado-Juiz – conforme já deixamos remarcado – ao avocar para si a outorga da prestação jurisdicional, visando à composição dos conflitos de interesses, fê-lo através do processo, que é o instrumento adequado a solucioná-los. Ademais, o Estado-Juiz passou a tutelar a ordem jurídica através da jurisdição, visto que fez, dessa função de sua atividade soberana, a força restauradora dos mandamentos e normas do direito objetivo. Sob três modalidades de atividades, diferentes entre si, e que nem por isto deixam de ter imbricações recíprocas e assaz intercambiáveis. Assim, de um lado temos, segundo LIEBMAM (1968, p. 37) “[...] o processo de conhecimento, no qual é feito o exame da lide proposta em juízo, para o fim de descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso.” Contudo, se a formulação da regra jurídica concreta não for adimplida pelo vencido em tempo oportuno, dá- se origem a uma pretensão insatisfeita, e ao juiz do processo de execução, que segundo MARQUES (2000, v. 2, p. 220), cabe torná-la efetiva, através de atos e operações tendentes a modificar os fatos da realidade de modo a que se realiza e coincidência entre a regra e os fatos.

Para ORIONE NETO (2000a, p. 7):

[...] por último, se a situação concreta levada à apreciação do Poder Judiciário denota a existência de perigo de dano que necessite ser afastado, para remediar um mal maior que resultaria da não concessão da medida cautelar pleiteada, temos a atividade cautelar sempre ancorada no fumus boni juris e no periculum in mora.

A tutela cautelar tem o escopo de garantir a atuação prática e eficaz da própria jurisdição, considerada, pois, como o terceiro gênero.

Frente ao exposto, temos que a tutela jurisdicional exercida pelo Estado-Juiz se apresenta sob três formas85: a tutela de conhecimento86; a tutela de execução; e a tutela cautelar.

1.1.1 Processo e Tempo

Para THEODORO JÚNIOR (2006, p. 21-22), o provimento judicial definitivo não pode ser ministrado instantaneamente. A composição do conflito de interesses, mediante o processo, só é atingida pela seqüência de vários atos essenciais que ensejam a plena defesa dos interesses das partes e propiciam ao julgador a formulação do convencimento acerca da melhor solução da lide, extraído do contrato com as partes e com os demais elementos do processo.

Assim, entre a proposição e a satisfação (que pode vir com a sentença ou ato executivo) há necessidade de certo lapso temporal, que sofre variação de acordo com o caso concreto em análise, a natureza do procedimento e até mesmo anormalidade do funcionamento judicial, em sentido amplo.

Certamente, o ideal de justiça está fundado na recomposição do fato ao estado inicial ao conflito de interesses, e por esta função, as sentenças possuem efeito declarativo- retroativo ao momento da propositura das ações. Contudo, segundo THEODORO JÚNIOR (2006, p 22) “[...] é indubitável, porém, que o transcurso do tempo exigido pela tramitação processual pode acarretar ou ensejar variações irremediáveis não só nas coisas, como nas pessoas e relações jurídicas substanciais envolvidas no litígio.”

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Nas lições de MARQUES (2000, v. 2, p. 220) “[...] na chamada jurisdição voluntária, por existir tão-só atividade material de caráter administrativo (embora formalmente judiciária), não se configura qualquer modalidade de tutela jurisdicional que possa constituir um quarto gênero.”

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Esta tutela pode ser desmembrada em tutela jurisdicional meramente declaratória (na qual o juiz restaura a ordem jurídica, ao mesmo tempo que, compõe o litígio, fazendo imperar a certeza); condenatória (ele restaura o direito violado fazendo com que o autor da sanção sofra as conseqüências de seu ato e repare a lesão praticada); constitutiva (a alteração do status quo ante é conseqüência da infração cometida contra a ordem instituída, embora sob forma diversa da condenação. O autor da infração dá causa, assim, a que ora se altere a situação anterior, e nisto consiste a forma de reagir da ordem jurídica diante desse ato ilícito); e mandamental (o juízo manda, determina que a ordem seja imediatamente cumprida pela parte, contra quem foi proferida a decisão).

1.1.2 Eficácia e Utilidade da Prestação Jurisdicional

A jurisdição, que nas palavras de CHIOVENDA (1965, v. 1, p 301), “[...] consiste na atuação da lei mediante a substituição da atividade de órgãos públicos à atividade de outros, seja no afirmar a existência de uma vontade da lei, seja em determinar ulteriormente que ela produza seus efeitos.”, e que é exercida por monopólio do Estado em caráter substitutivo, não é suficiente que seja garantida pelo Estado através da instituição do processo, por meio da ação.

A função principal do processo é, sem qualquer sombra de dúvidas, garantir a paz social, por intermédio do império da lei; e para além da garantia da proposição da ação, o Estado-Juiz deve também, vislumbrar através da jurisdição a justa composição da lide. Neste contexto, não é suficiente que se garanta apenas a solução judicial para todos os conflitos, é imprescindível que haja uma solução justa, apta, útil e eficaz que possibilite à parte a tutela prática a que tem direito segundo a ordem vigente.

Segundo THEODORO JÚNIOR (2006, p. 23), sintetizando o exposto:

[...] é indispensável que a tutela jurisdicional proporcionada pelo Estado e seus cidadãos seja idônea a realizar, em efetivo, o desígnio para o qual foi engendrada, pois de nada valeria condenar o obrigado a entregar a coisa devida se ela já inexistir ao tempo da sentença; ou garantir à parte o direito de colher um depoimento testemunhal, se a testemunha decisiva já estiver morta, quando chegar à fase instrutória do processo; ou ainda, declarar em sentença o direito à percepção de alimentos a quem, no curso da causa, vier a falecer por carência dos próprios alimentos.

1.1.3 Urgência: Tempo versus Efetividade

No Brasil, o direito de acesso à Justiça e à efetividade da tutela jurisdicional é garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV. Podemos ressaltar que este direito à efetividade decorre tanto do direito constitucional de ação como do devido processo legal. Isto porque, quando a Constituição assegura amplo poder de acesso ao Judiciário, estabelece também o meio para tirar a jurisdição de sua inércia, sendo este meio o processo.

Os modelos tradicionais mostraram-se ineficazes no sentido de cumprir o objetivo para o qual se dispuseram, quando o Estado atraiu para si a exclusividade de competência para dizer o direito no caso concreto.

Importante ressaltar, que a frustração desta efetividade pretendida, se deu não só pela morosidade com que se conduz o processo no Judiciário Brasileiro, mas também pela ausência de mecanismos que sejam mais apropriados à efetivação do próprio direito material pleiteado.

Transformações sociais, culturais e mesmo espirituais trouxeram para a vida em sociedade necessidades até então inimagináveis ou então que não haviam sido suscitadas. Em decorrência dessas questões, o processo até então existente mostrou-se inócuo.

Diante deste cenário nefasto e catastrófico, emergiram as denominadas tutelas diferenciadas, exatamente com objetivo de atender estes anseios de ordem social, e trazer uma carga de credibilidade e efetividade a prestação jurisdicional.

As tutelas diferenciadas, assim, nada mais são do que mecanismos das quais o Poder Judiciário dispõe para solucionar ou resguardar a solução de questões fáticas ou de direito, que estão em situação de emergência ou urgência, bem como daquelas que, pela sua natureza, demandam maior celeridade na sua concessão. A tutela jurisdicional diferenciada, desta forma, visa integrar o direito material ao direito processual, garantindo a cada espécie daquele, de acordo com a necessidade e na medida do possível, uma maior efetividade por intermédio da adequação deste.

Pode-se assim dizer, que a finalidade última das tutelas diferenciadas é adequar o sistema jurídico, de modo a proporcionar maior rapidez, adequação e efetividade aos direitos carentes de maior celeridade na sua prestação e em relação aos quais as formas tradicionais não têm conseguido garantir a tutela jurisdicional de forma apropriada. Essas tutelas jurisdicionais seriam concedidas, em regra, mediante cognição sumária, a qual não exigiria uma observância tão rigorosa do procedimento, cabendo concessão da tutela sem violação ao princípio do devido processo legal. Tal forma de cognição mostra-se mais ágil e adequada para viabilizar determinadas tutelas jurisdicionais que se enquadram dentre as diferenciadas, as quais demandam elevada celeridade na sua prestação.

Ao nosso ver, contudo, as tutelas de urgência, expoente máximo das chamadas tutelas diferenciadas, utilizam-se de mecanismos mais ágeis – a cognição sumária -, que fundamentam-se a partir da morosidade de nosso sistema de prestação jurisdicional; mas conforme exposto, possuem como finalidade uma maior efetividade do processo – princípio norteador do novo sistema processual moderno.

Isto nos leva ao corolário de que a urgência que adjetiva a novas tutelas, não se vincula ao elemento temporal, mas para além dele, se justifica em face à própria necessidade de garantia de uma efetividade de Justiça.

Tal colocação apóia-se no trinômio adequação/tempestividade/efetividade que, como vem pregando Kazuo WATANABE (1995), há de presidir o sistema de tutela jurisdicional nos tempos modernos.