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CAPÍTULO 1 O ESTADO

1.2 A Função Jurisdicional do Estado

1.2.1 Abordagem Histórica

Para LATORRE (1997, p. 40), o homem, desde seus antecedentes primitivos, sempre foi um ser inclinado à socialização, um fenômeno que, conseqüentemente, gera conflitos entre ele e seus semelhantes, na eterna disputa pelo poder. Houve ume época, porém, apontada como a “idade de ouro”, em que a humanidade, entendia ser a coação uma arma

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A tripartição dos “Poderes do Estado” não obedece, no direito positivo, à rigidez com a qual fora idealizada. O Executivo freqüentemente legisla (CF artigos 68 e 84, inciso VI); o Legislativo é chamado a julgar (CF artigos 51, inc I; 52, incisos I e II; 54; 55, §2°) e o Judiciário tem outras funções além da jurisdicional (como exemplo, função administrativa exercida pelos Tribunais, em relação a auto-gerenciamento). Tal tendência faz-se presente em todas as organizações estatais modernas.

totalmente desnecessária já que o homem, por natureza, era bom e ainda não estava corrompido pela civilização, vivendo em paz e em fraternidade com o seu próximo.

Difícil é imaginar que o homem tenha um dia vivido neste estágio de paz absoluta, haja vista que a própria convivência em sociedade gera conflitos e desarranjos. É claro que a vida em comum junto aos primitivos grupos sociais, considerados tribos, clãs, famílias, gerava conflitos – ainda que efêmeros, havendo pois a necessidade de solucioná-los.

As soluções, nestes casos, vinham através de critérios injustos e irracionais – a autotutela, a vingança privada, a autocomposição e o conflito beligerante - eram as vias usualmente eleitas, desde os tempos mais remotos, para solucionar as controvérsias havidas entre os homens, entre os clãs, entre as tribos, entre as cidades.

O Estado era incapaz de superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito do coletivo sobre a vontade particular. Não existia um órgão estatal com soberania e autoridade para garantir o cumprimento do direito. Sequer existiam leis. Logo, quem pretendesse alguma coisa e outrem o impedisse de obter, deveria, com a sua própria força e na medida desta, conseguir a satisfação de sua pretensão (eis a máxima da “lei do mais forte”).

Paulatinamente, à medida que os pequenos organismos sociais iam crescendo e se estruturando, os homens percebiam a necessidade de constituírem uma função julgadora para solucionar esses conflitos de interesses; tratava-se de condição essencial para a garantia da estabilidade e harmonia da coletividade. Nesse contexto, destaque aos Estados Teocráticos (dominados pela religião), o consenso geral outorgou poder decisório aos sacerdotes, conselheiros e anciãos. Dentre os textos legislativos das principais civilizações que ousaram instituir uma chamada “função jurisdicional” na Antiguidade destacam-se a Lei das Doze Tabulas, o Código de Drácon, a Constituição de Sólon, o Tratado das Leis de Cícero, e o Código de Manu.

De acordo com IHERING (1999, p. 30), no decorrer dos séculos, com o surgimento de diversas formas estatais, a função jurisdicional repressiva sofre uma manipulação, sendo que cada Estado punia mais severamente os delitos que ameaçavam sua existência: a teocracia considerava sacrilégio um crime capital; enquanto o delito de mosaico era o mais grave no Estado agrícola. Já nos Estados comerciantes a falsificação de moedas e falsificação em geral eram os mais reprimidos; diferente dos Estados militares que abominavam a insubordinação e as faltas disciplinares.

A priori, os julgadores não eram magistrados (em seu sentido jurídico), mas sim um magister (um borgomestre – um líder eclesiástico do clã). A figura do magistrado propriamente dita só veio a aparecer no Estado monarquista, como forma de diminuir o

despotismo da realeza. Na magistratura romana, o juiz era eleito por turnos de um ano com divisão dos juízes em três classes: prítane, arconte ou cônsul. O magistrado tinha também um caráter sacerdotal, pois era revelado pela vontade divina (através de um sorteio com os pré- candidatos, ao qual só os senadores concorriam). Posteriormente, veio a figura do pretor (judez ordinarius), considerado magistrado, mas não juiz, pois apenas interpretava a lei. Os recuperadores eram que decidiam as controvérsias entre os cidadãos. De acordo com COULANGES (2001, p. 154-155), na cidade de Atenas, o magistrado era escolhido por eleição ou por sorteio, e qualquer cidadão poderia ser escolhido, eliminando a hipótese de exigência de conhecimentos especializados para ter acesso a magistratura.

Desde os primórdios, a função jurisdicional foi prerrogativa da classe que detinha o poder. Ao mesmo tempo em que o direito era um instrumento que regulava as relações em sociedade, atuava também como instrumento de dominação de classe (nobres, senhores, realeza, burguesia sobre plebe, servos, escravos e proletariado).

Não diferente, durante o feudalismo, o poder era compartilhado pelos senhores feudais, ao lado da Igreja Católica e realeza. Desta feita, no século IX, os tribunais eclesiásticos, corporativos, independentes constituíam verdadeiros foros privilegiados à realeza.

Com a égide dos Estados Modernos, os governantes passam a reforçar a submissão dos judicantes ao rei e às leis. O magistrado nada mais era que um delegado do rei. Para BARBI (1998, p. 25), no colonialismo, sob o domínio da monarquia lusitana, o Brasil foi primeiramente extensão da jurisdição portuguesa, à época perpetrada por um Executivo totalitário e centralizador que, além de não solucionar a contento os conflitos de interesses, ainda oprimia os cidadãos em seus direitos mínimos.

A Revolução Francesa, por sua vez, sistematizou a divisão dos Poderes em Judiciário, Legislativo e Executivo, detectando-se ontologicamente as três funções do Estado, e entregando-se o seu desempenho a organismos diversos do poder político.

Conseguiu-se, razoavelmente, segundo JARDIM (1994, p. 3), o desejado governo das leis e não dos homens, ainda que a separação nunca tenha sido absolutamente rígida, sendo mais uma questão de predominância do que de exclusividade, mormente nos Estados contemporâneos.

Com a era do constitucionalismo, marca dos Estados Democráticos de Direito (trazido pelos suspiros humanistas e garantidores da geopolítica iluminista), a função jurisdicional foi definitivamente depositada no Poder Judiciário, sendo o duplo grau de

jurisdição, a autonomia, a independência, e a imparcialidade dos juízes, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, consectários desse modelo de estrutura administrativa.