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As potencialidades do jogo de xadrez: algumas investigações empíricas e

No documento Relatório final (páginas 43-48)

I- ENQUADRAMENTO TEÓRICO A Matemática no panorama educativo português:

1.3 O jogo do xadrez 23 

1.3.1 As potencialidades do jogo de xadrez: algumas investigações empíricas e

Baseados em evidências empíricas, estudos revelam grandes benefícios no desenvolvimento global, académico, social, moral dos alunos que jogam xadrez (Almeida, 2010; Angélico & Porfírio, 2010; Ferreira & Palhares, 2007).

Atualmente, em diversas partes do mundo, existem estudos sobre os efeitos da utilização do jogo de xadrez na inteligência, na capacidade de resolução de problemas, na aptidão para a escola e no desempenho: a) um estudo feito no Canadá refere que a utilização do xadrez no ensino da lógica faz aumentar de 62% para 81% a capacidade de resolução de problemas (Liptrap, 1998, citado por Ferreira, 2007); b) Na Califórnia, um outro estudo revelou que o desempenho académico melhora sensivelmente após vinte dias de jogo de xadrez (Brenda, 2003, citado por Ferreira & Palhares, 2007); c) Na Venezuela, um estudo relaciona a melhoria dos scores de Quociente de Inteligência após 4,5 meses de estudo sistemático de xadrez (Ferreira & Palhares, 2007). O resultado deste estudo levou a que o governo venezuelano implementasse aulas de xadrez nas escolas, desde 1988 (Dauvergne, 2000, citado por Ferreira & Palhares); d) Experiências feitas por Joyce Brow (1981) em Nova Iorque, citado por Angélico e Porfírio (2010) constataram uma melhoria considerável no comportamento dos alunos: menos 60 % de incidentes e suspensões e melhorias significativas de 50% no aproveitamento escolar; e) Também Stefurak (2003), citado por Ferreira e Palhares (2007), no âmbito do estudo dos efeitos do jogo do xadrez em crianças, revela que os jogadores de xadrez desenvolvem maior pensamento crítico, autoconfiança, autoestima, concentração, empatia e a capacidade de resolver problemas; f) Na Bélgica (1976), os psicólogos da Universidade de Gand, os Dr. Christiaen e Verhofstadt, depois de dois anos de experiências com dois grupos de 20 crianças entre 10 e 11 anos (alunos de 6º ano) observaram que o aproveitamento escolar do grupo experimental foi de 13,5% superior ao do grupo do ensino regular (Teixeira et al., 2014).

De facto, enquanto jogo em si mesmo, o jogo de xadrez é uma atividade de reflexão intensiva, de forte estímulo às capacidades intelectuais, pois a cada lance gera-se um problema para o adversário, tendo que examinar a situação, criar situações, avaliar alternativas, selecioná-las e, por fim, implementar e monitorizar a situação (Almeida,

2010; Freitas, 2008). Neste processo, são exercitadas duas visões de grande importância para o desenvolvimento da capacidade de abstração, a visão imediata e a visão mediata (Almeida, 2010). O jogador tem de estar constantemente a verificar o lance a ser feito e saber que aquela decisão pode mudar totalmente o destino daquela partida (Almeida, 2010), o que exige uma grande capacidade de concentração, de raciocínio, de pensamento lógico e de abstração, capacidade de imaginar possíveis posições das peças e memorização. Percebe-se, desta forma, o contributo do jogo no desenvolvimento de capacidades visuais e espaciais e na capacidade de cálculo (Almeida, 2010), autocontrole (físico e mental), ou seja, capacidades fundamentais para o bom desempenho de um aluno (Souza, 2007).

Para além do desenvolvimento cognitivo, o jogo de xadrez estimula o desenvolvimento de capacidades atitudinais e comportamentais, fundamentais para a vida de qualquer estudante. Dâmaso e Dias (2009), citados por Almeida (2010) apontam que atualmente o jogo de xadrez oferece “uma rica experiência para os seus praticantes, pautadas na ética, na disciplina, no respeito” (p. 32). O jogo do xadrez “envolve a leitura e a incorporação de regras, métodos e fundamentos que os orientam “tanto numa dimensão individual quanto coletiva, permanecendo ligados tanto à cognição (conhecimento) quanto ao afeto (sentimentos), por meio da interação promovida entre os pares de jogadores” (Angélico & Porfírio, 2010, p. 9).

Por sua vez, a aprendizagem de regras auxilia a resolução de problemas, desenvolve a autonomia, criatividade, controlo sobre as emoções, principalmente a agressividade, e desenvolve a capacidade de planear antes de tomar as decisões (Angélico & Porfírio, 2010). Partindo do jogo do xadrez, os alunos podem desenvolver valores éticos e morais, quando praticam padrões sociais desejáveis de conduta do “saber ganhar e perder”, do respeito às regras, e da sujeição às restrições que elas impõem, e aceitem pontos de vista diferentes, fatores estes essenciais para a formação humana do aluno (Angélico & Porfírio, 2010; Rezende, 2005). O jogo de xadrez é indubitavelmente uma forte e valiosa ferramenta para auxiliar os processos cognitivos, valorativos e éticos e morais dos alunos (Angélico & Porfírio, 2010), indispensáveis ao seu desenvolvimento social e moral, através da aprendizagem de regras estabelecidas, limites, respeito, socialização, concentração, paciência e disciplina (Almeida, 2010).

Atualmente, também começam a surgir alguns estudos neurobiológicos cujas evidências constituem uma prova científica dos efeitos da prática do jogo de xadrez no desenvolvimento global cognitivo. Estas evidências provêm de estudos de imagem funcional (como ressonância magnética funcional (fMRI), PET) e estrutural (morfometria baseada em voxels (VBM), imagem por tensor de difusão (DTI)). Todavia, estes estudos são ainda escassos e incipientes. Os seus resultados são ainda inconclusivos e, por vezes, pouco consensuais na comunidade científica. Há ainda um vazio na literatura de especialidade que estude as (possíveis) diferenças neurobiológicas de um jogador de xadrez.

Ainda que escassos, os estudos de neuroimagem funcional mostram que os jogadores de xadrez ativam diferentes áreas cerebrais e recrutam diferentes funções psicológicas, no momento em que estão a jogar xadrez (Hanggi et al., 2014). Todavia, ainda não se sabe se essas alterações anatómicas são causa ou consequência da aprendizagem e da prática do jogo de xadrez a longo prazo, sendo ainda um tema de grande interesse para estudos futuros (Hanggi et al., 2014).

Hanggi et al. (2014) procuraram identificar características anatómicas específicas do cérebro dos jogadores de xadrez e encontrar diferenças morfológicas. Para isso, este conjunto de investigadores realizou um estudo que envolveu vinte jogadores de xadrez experientes e vinte indivíduos iniciantes no jogo de xadrez, tendo sido realizada uma análise compreensiva neuroanatómica abrangente do cérebro e observadas as caraterísticas demográficas e comportamentais gerais. Os resultados do estudo indicam o seguinte:

- Existem alterações na massa cinzenta e na arquitetura da massa branca no cérebro de jogadores de xadrez experientes quando comparadas com o grupo controlo (Hanggi et al., 2014);

- O volume de substância cinzenta é de menor dimensão nos jogadores de xadrez, especialmente num aglomerado localizado na união occipito-temporal esquerdo (azul, azul-claro, OTJ, B). Foi ainda localizado um aglomerado no fascículo longitudinal superior esquerda (Figura 1A, SLF, vermelho-amarelo), que é uma das principais vias de envio de informações ao cérebro a partir de áreas visuais para áreas executivas.

- Existem diferenças na espessura cortical. Os jogadores de xadrez experientes apresentam reduzida espessura cortical principalmente nas regiões occipito- temporal, esquerda e direita, e parietal. Há apenas um aglomerado com aumento de espessura cortical (vermelho) (figura 2) em jogadores de xadrez (Hanggi et al., 2014).

- O volume do núcleo caudado foi inversamente relacionado com os anos de prática de xadrez, revelando que, quantos mais anos de experiência, menores são os volumes de núcleo caudado. (Hanggi et al., 2014).

Assim, foi identificada uma diferença anatómica substancial na união occipito-temporal entre os jogadores de xadrez e os jogadores iniciantes em termos de massa cinzenta e espessura cortical. A área de união occipito-temporal é uma área do cérebro envolvida na perceção de estímulos relacionados com o xadrez, no reconhecimento de objetos e suas relações (Bilalić et al., 2010; 2011). O núcleo caudado tem um papel importante nos comportamentos cognitivos e motores do indivíduo, nomeadamente no planeamento do movimento, mas não na sua execução, nos processos de aprendizagem e na memorização. A ativação do núcleo caudado, responsável pelo pensamento rápido e pela formação do hábito, compreende também à intuição.

Figura 1: Alterações da matéria cinzenta e branca alteradas em jogadores de xadrez.

(As regiões identificadas de verde são as regiões que foram objeto de interesse de

análise).

Figura 2: Regiões com reduzida espessura

Autores indicam que a diminuição do volume do cérebro pode ser um sinal de aumento da eficiência neural. Os autores associam esta redução de volume da massa cinzenta com a ideia de redução sináptica e a eliminação benéfica das sinapses desnecessárias e pouco importantes, não utilizadas dentro do núcleo caudado, permitindo ações locais mais eficientes e uma integração mais eficiente de informações vindas de regiões cerebrais adjacentes (Atherton, et al., 2003). Também a pesquisa de Christian Jarrett, apresentada na Wired, sugere que as áreas de encolhimento do cérebro podem ser um sinal de eficiência neural e um reflexo da competência comportamental (Jarret, 2014).

Por sua vez, também se descobriu que jogadores de xadrez exercitam e usam ambos os lados do cérebro, no momento da tomada de decisões durante os jogos. Ao usar ambos os lados do cérebro, os jogadores estão a usar o lado direito, visualmente mais focado para reconhecer padrões de jogos passados e associado à criatividade, e o lado esquerdo, analítico, para decidir qual é o melhor passo lógico, após a associação de todas as informações captadas pelos sentidos. Este exercício fortalece os dois lados do cérebro, fazendo com que o jogador apresente um pensamento mais avançado. De acordo com um estudo alemão, os jogadores experientes de xadrez são geralmente mais rápidos nas suas reações, porque usam ambos hemisférios ao mesmo tempo. Também se verificou que os jogadores de xadrez utilizam e desenvolvem mais o hemisfério direito que a maioria das pessoas (Atherton et al., 2003).

Billallic et al. (2010) fez uma análise dos movimentos oculares dos jogadores de xadrez experientes e iniciantes e verificou que os jogadores experientes apresentam uma focagem imediata e exclusiva nos aspetos relevantes na tarefa de xadrez, enquanto os iniciantes se prendem e examinam aspetos irrelevantes. Os jogadores de xadrez experientes conseguem memorizar a posição de um maior número de peças do que jogadores menos experientes (Charness, Reingold, Pomplun & Stampe, 2001, citado por Ferreira & Palhares, 2007). Num estudo mais recente por Duan et al. (2012), os autores examinaram as ativações cerebrais durante o desempenho de uma tarefa de resolução de problemas baseada em xadrez chinês e concluíram que os jogadores de xadrez demonstraram aumento da ativação das redes neurais envolvidas no controle de funções cognitivas como a atenção, funções executivas e resolução de problemas (Duan et al., 2012).

psicológicas envolvidas, bem como diferenças substanciais em termos neurofisiológios (Hanggi et al., 2014) Muito provavelmente essas diferenças foram estabelecidas como consequência da prática de xadrez intensivo. É mais provável que essas regiões cerebrais, que são mais fortemente envolvidas no jogo de xadrez, tenham sido alteradas por mecanismos de neuroplasticidade.

O jogo de xadrez é uma atividade de reflexão intensiva, de estímulo às capacidades intelectuais (Almeida, 2010; Atherton et al., 2003). Por isso, o jogo de xadrez pode tornar- se um excelente instrumento para aumentar a plasticidade neural, pois ativa várias áreas do cérebro importantes em qualquer processo de aprendizagem. Por outras palavras, a organização estrutural e funcional do sistema nervoso é um processo dinâmico e contínuo que depende da experiência. Esse conceito em neurociências é conhecido como “plasticidade cerebral” e indica que o cérebro tem a capacidade de desenvolver novas conexões sinápticas entre os neurónios a partir de determinados estímulos. Ao envolver um conjunto de competências que resultam de uma multiplicidade de funções cognitivas e suas interações (Hanggi et al., 2014), é natural o avanço intelectual dos estudantes que jogam xadrez.

No documento Relatório final (páginas 43-48)