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O jogo de xadrez e os desafios para Portugal

No documento Relatório final (páginas 56-61)

I- ENQUADRAMENTO TEÓRICO A Matemática no panorama educativo português:

1.3 O jogo do xadrez 23 

1.3.4 O jogo de xadrez e os desafios para Portugal

 

Identificadas as potencialidades do jogo de xadrez no desenvolvimento cognitivo, social, emocional e afetivo dos alunos, interessa, agora, refletir de que forma o jogo de xadrez pode inserir-se nos pilares da educação para o século XXI, ao apresentar várias possibilidades de aplicação no ensino, que não se excluem, mas se complementam. Não se trata, contudo, de considerar o jogo de xadrez um elixir para o sucesso educativo, mas como pode ele constituir uma oportunidade para aumentar o sucesso educativo e melhorar a qualidade educativa.

Em primeiro lugar, os tempos são de crise e ainda que a educação devesse ser considerada como investimento decisivo para o futuro do país, verifica-se uma situação preocupante em Portugal, em comparação com outros países da União Europeia (Bettencourt, 2013). Portugal aparece no grupo dos países que mais reduziu o financiamento na Educação, desde 2010 (Bettencourt, 2013). Se a extensão do orçamento não é por si só sinónimo de aumento de qualidade, na maioria dos países em que existe qualidade educativa estes dois fatores estão associados (Bettencourt, 2013). A questão que se coloca é como aumentar a eficiência, como melhorar resultados com menos meios.

Uma das grandes vantagens do jogo de xadrez é o seu investimento inicial baixo, um tabuleiro e umas peças é o necessário para a prática desta modalidade durante uns bons anos.

Em segundo lugar, esmiuçando a utilização do jogo do xadrez, do ponto de vista pedagógico, estão explicitamente envolvidos os seguintes aspetos que contribuem

intricadamente para a qualidade do ensino: a) o desenvolvimento de capacidades cognitivas, sociais, afetivas e morais dos estudantes; e b) o desenvolvimento profissional dos professores e envolvimento no trabalho. Quer isto dizer que a implementação prática do jogo de xadrez na realidade educativa estimula o desenvolvimento das capacidades cognitivas, sociais, afetivas e morais dos alunos, contribui para a participação da comunidade educativa e promove o desenvolvimento profissional dos docentes.

Em relação aos alunos, os benefícios do jogo de xadrez no seu desenvolvimento global já foram amplamente demonstrados. A prática do xadrez tem relevante importância pedagógica, na medida em que o jogo de xadrez transforma-se, assim, num exercício do raciocínio analítico e sintético, da memória, de imaginação e visualização, da autoconfiança, da organização metódica e estratégica do estudo, da perseverança e autoconhecimento e da sociabilidade (Almeida, 2010; Fadel & Mata, 2008).

Ora, se o jogo de xadrez apresenta benefícios para os alunos, a sua implementação também pode trazer benefícios para os professores e para as escolas. Góes (2002) investigou o xadrez e a formação do professor de Matemática, no que diz respeito às capacidades e competências que devem ser desenvolvidas na prática pedagógica. Existem, na verdade, relações entre as capacidades potenciadas pelo jogo de xadrez e as capacidades que os professores devem desenvolver no seu desenvolvimento profissional (quadro 5).

Quadro 5: Semelhanças entre as competências de um professor e as capacidades potenciadas pelo xadrez

Competências/capacidades do

professor Capacidades potenciadas pelo xadrez A docência como um processo

dinâmico

Capacidade de abstração; Capacidade de reflexão; Capacidade de decisão; Capacidade de planeamento; Iniciativa; Autonomia.

Pesquisar e produzir conhecimento

Concentração; Raciocínio lógico; Organização do pensamento; Capacidade de decisão; Capacidade de abstração; Capacidade de reflexão. Capacidade de investigação; Capacidade de planeamento; Iniciativa; Exercício da criatividade; Autonomia.

Capacidade de abstração e reflexão

Capacidade de abstração; Capacidade de reflexão; Capacidade de planeamento; Memória, Autonomia.

Explorar a criatividade e a iniciativa

Capacidade de abstração; Capacidade de reflexão; Capacidade de decisão. Iniciativa; Exercício da criatividade; Autonomia.

Neste sentido, atendendo aos aspetos pedagógicos gerais e aos aspetos pedagógicos peculiares deste jogo, levantam-se questões sobre se a inclusão do xadrez na formação dos futuros professores, enquanto jogo em si mesmo, não poderá ser potenciador do aperfeiçoamento das capacidades e competências necessárias ao exercício da profissão docente na atual sociedade da informação e do conhecimento (Góes, 2002). Por outras palavras, até que ponto o jogo de xadrez não deveria fazer parte dos currículos dos cursos de formação de professores, uma vez que as capacidades que o xadrez potencia são precisamente aquelas que o professor deve desenvolver para ser um professor eficiente e resiliente. Portanto, o xadrez poderá ser mais um agente desencadeador do desenvolvimento de algumas dessas capacidades e competências, ao possibilitar criar meios e condições que favoreçam o seu desenvolvimento.

Do ponto de vista do desenvolvimento profissional dos professores, o jogo de xadrez pode transformar a realidade escolar e mediar as relações educativas. Ao assumir-se como possível eixo integrador do currículo na educação básica, permitirá quebrar a cultura do isolamento que se assiste nas escolas, ao permitir o desenvolvimento de projetos transversais ou interdisciplinares na escola que articule os saberes disciplinares, numa prática conjunta. Trata-se de transformar o jogo de xadrez como um tema comum a todas as áreas disciplinares, aumentando assim a significatividade, a coerência e a pertinência das aprendizagens para os alunos, estimular a construção de conhecimento nas diversas áreas, envolver os professores num processo de construção partilhada do currículo e do conhecimento e ultrapassar as práticas educativas fragmentadas. O jogo de xadrez permitirá articular e contextualizar as diferentes áreas, com um sentido e finalidade comum, e acabará com a sobrevalorização das chamadas áreas académicas em detrimento das áreas artísticas, tecnológicas e motoras, numa perspetiva de formação global dos alunos (Alonso, 2002). Atendendo à motivação que o jogo de xadrez provoca, a abordagem do xadrez permitirá maior motivação intrínseca do aluno, favorecendo a atividade interna e permitir-lhe-á estabelecer relações entre as aprendizagens, dando sentido e significado ao conhecimento e estimulando a compreensão e aplicação dos conhecimentos em novas situações (Alonso, 2002).

A existência de um projeto específico integrado dará sentido e coerência à intervenção educativa, com o objetivo de permitir uma educação de qualidade para todos os alunos, visto que abre novas possibilidades e dinâmicas de ensino, incluindo um ensino

colaborativo. Desta forma, para além de trabalhar o lado técnico do jogo, o professor, através de processos criativos e inovadores, no âmbito disciplinar, pode desenvolver as múltiplas dimensões e potencialidades pedagógicas deste jogo (Fonte, 2008; Freitas, 2008).

No entanto, introduzir, utilizar e incluir o xadrez nos currículos escolares requer a preparação e formação dos professores para acompanhar e planear as atividades da disciplina e para que não seja cometido o erro de fazê-lo como diversão. Ultrapassa-se, desta forma, a visão técnica da aprendizagem do jogo de xadrez, que também não deve ser descurada, com o estabelecimento de estratégias cooperativas, dialógicas, interativas e transformadoras, o que reforça os efeitos positivos que já foram vislumbrados, resultando numa educação através do (e pelo) jogo de xadrez (Almeida, 2010).

Acredita-se que o jogo de xadrez poderá constituir-se como uma possibilidade e uma valiosa ferramenta para auxiliar os processos cognitivos, valorativos e éticos de toda a comunidade educativa, quando se trabalha o jogo de xadrez como jogo em si mesmo, como recurso pedagógico-didático e como núcleo globalizador das diferentes disciplinas.

Sendo assim,

“o xadrez com certeza é um jogo que modifica a escola porque promove sua cultura, desenvolvendo inúmeras habilidades e garantindo a aquisição de conhecimentos não só em relação ao jogo, mas também a assimilação de outros, vinculadas às matérias escolares e o próprio caráter dos alunos. Além disso, ele também tem a vantagem de ajudar a diminuir a agressividade individual e, por este motivo, pode contribuir para minimizar a violência na escola, estabelecendo vínculos entre os conhecimentos e as experiências enxadrística e a vida cotidiana, individual e social” (Angélico & Porfírio, 2010, p.16).

Em suma, o xadrez constitui uma inovação pedagógica cuja potencialidade não foi completamente explorada. Sabe-se, contudo, que existem dificuldades na sua implementação, pois o contexto escolar apresenta algumas barreiras que dificultam a incorporação do jogo e as suas diversas possibilidades: a intensa preocupação com o aproveitamento escolar e a extensão dos programas curriculares fazem com que o jogo não encontre o seu espaço na forma como a escola se organiza. No entanto, o ensino e a prática enxadrística é uma alternativa possível, bastando que os profissionais envolvidos estejam suficientemente preparados para inserir esta atividade, em sala de aula, de forma adequada de modo a explorar todos os benefícios que o jogo pode oferecer (Piassi, 2005).

Por último, em 15 de março de 2012, Portugal foi signatário da introdução do programa "Xadrez na Escola" nos sistemas de ensino da União Europeia, da qual saiu uma

declaração do Parlamento Europeu. Nessa declaração, o xadrez aparece associado ao desporto e solicita-se à Comissão e aos Estados-Membros que incentivem a introdução do programa “Xadrez na Escola” nos sistemas de ensino dos Estados-Membros e se assegure um financiamento suficiente para o mesmo a partir de 2012 (Parlamento Europeu, 2012), já que

“considerando que o xadrez é um jogo acessível às crianças de todos os grupos sociais, podendo contribuir para a coesão social e para objectivos políticos, como a integração social, o combate à discriminação, a redução dos índices de criminalidade e até mesmo a luta contra diversas dependências (...) e que qualquer que seja a idade da criança, o xadrez pode melhorar a sua concentração, paciência e persistência e pode desenvolver a criatividade, a intuição, a memória, bem como competências de análise e de tomada de decisão (...) o xadrez também ensina a determinação, a motivação e o desportivismo.” (Parlamento Europeu. Textos aprovados na sessão de 5ª feira, 15 de março de 2012)

Em Portugal, não foi introduzida a aprendizagem do xadrez como disciplina no currículo escolar. Não obstante, têm-se verificado algumas ofertas pontuais do xadrez vinculadas ao Desporto Escolar e a atividades opcionais, como Clubes, Atividades de Enriquecimento Curricular, no âmbito da autonomia de cada agrupamento de escolas. 

II – ENQUADRAMENTO EMPÍRICO

A investigação-ação

No documento Relatório final (páginas 56-61)