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O jogo de xadrez no panorama nacional da Matemática

No documento Relatório final (páginas 51-56)

I- ENQUADRAMENTO TEÓRICO A Matemática no panorama educativo português:

1.3 O jogo do xadrez 23 

1.3.3 O jogo de xadrez no panorama nacional da Matemática

Sem tombar em generalizações apressadas, nem sobrevalorizar umas disciplinas em detrimento de outras, a Matemática é a disciplina do currículo que mais contribui para a formação e desenvolvimento de capacidades intelectuais, para a estruturação do pensamento, para a agilização do raciocínio do aluno, na sua aplicação à resolução de problemas nas situações da vida quotidiana, e, no apoio à construção de conhecimentos nas outras áreas curriculares (Mattos, 2009). Na verdade, é a disciplina que melhor propicia situações-problema contextualizadas, pode propor projetos interessantes e lidar com uma ampla gama de conceitos importantes (Ferreira, 2001), tentando cumprir, desta forma, três grandes finalidades: estruturação do pensamento, análise do mundo natural e interpretação da sociedade (DGE, 2013). A Matemática fornece meios efetivos para a compreensão e atuação do homem no mundo que o cerca, razão pela qual a evolução da Matemática se vincula à contínua busca do homem pelo seu bem-estar e crescimento intelectual (Mattos, 2009; Góes, 2002).

Na sociedade contemporânea, é fundamental “aprender a pensar autonomamente, saber comunicar-se, saber pesquisar, saber fazer, ter raciocínio lógico e aprender a trabalhar colaborativamente” (Teixeira et al., 2014, p. 133). As competências valorizadas são as que permitem integrar de forma rápida e eficaz o pensamento e a ação na solução dos problemas, com responsabilidade, autonomia, iniciativa e criatividade (Góes, 2002). “É preciso conscientizar futuros professores de Matemática de que, mais importante que “ensinar matemática”, é formar cidadãos que sejam capazes de se expressar matematicamente, que saibam criar e manipular conceitos matemáticos segundo as suas necessidades atuais de vida, em sociedade” (Grando, 2000, p. 15). Hoje acredita-se que o mais importante é levar o aluno a construir capacidades, que propiciem a aquisição de outras competências necessárias para resolver uma situação-problema (Machado, 2007).

Apesar da melhoria dos desempenho dos alunos portugueses na área da Matemática, é consensual que estes continuam a evidenciar algumas dificuldades na comunicação escrita das suas ideias e raciocínios, e na resolução de problemas ( Lains, et al., 2015; Silva, 2013; GAVE, 2012). Apresentam dificuldades na aplicação de conhecimentos a situações novas, no estabelecimento de relações entre conceitos ou conhecimentos de domínios diferentes, assim como dificuldades em mobilização de estratégias para a resolução de probemas, itens que requerem a mobilização de operações cognitivas mais complexas (Lains, et al.,

2015). As dificuldades significativas verificadas na resolução de problemas implicam comunicação e raciocínio matemáticos e “requerem a identificação da informação relevante (leitura e interpretação do enunciado), a utilização de estratégias diversificadas, a verificação dos resultados alcançados e a discussão das estratégias utilizadas e dos resultados obtidos” (Lains, et al., 2015, p. 55).

Nesta perspetiva, uma partida de xadrez é um meio eficiente de ensinar o aluno a entender problemas matemáticos e, consequentemente, a melhorar a eficiência na sua resolução, na medida em que muito se assemelha ao método de resolução de problemas de George Pólya (quadro 4), onde a criança é orientada a primeiro compreender, identificar o problema, segundo, a compor um plano, em seguida, executar este plano e, por último, a analisar o resultado (Duarte & Freitas, 2007). Assim, a prática de xadrez pode ser usada para treinar estratégias gerais que são úteis para a resolução de problemas matemáticos.

Quadro 4: Semelhanças entre as estratégias mentais envolvidas no jogo de xadrez e o método de resolução de problemas de Pólya

Processo de Pólya Processo enxadrístico

Compreensão do problema Identificação de debilidades do adversário Elaboração de um plano Elaboração de uma estratégia

Execução do plano Execução da combinação (seleção de posições ganhadoras)

Avaliação dos resultados Reflexão sobre o processo desencadeado, análise da partida.

Pode perceber-se que o princípio do jogo de xadrez tem forte relação com os princípios da Matemática, “estabelecendo relações entre as estratégias mentais e de abstração que são necessárias tanto na Matemática como no jogo de xadrez” (Almeida, 2010, p. 42).

Numa outra perspetiva, os estudos são consistentes: os estudantes que foram ensinados a jogar xadrez são academicamente mais avançados em geral, especialmente na Matemática, na análise espacial e na capacidade de raciocínio não-verbal (Almeida, 2010; Ferreira & Palhares, 2007). A cada lance, gera-se um problema para o adversário, ao ter de observar a situação, criar situações, avaliar alternativas, selecioná-las e monitorizar a decisão

(Almeida, 2010). Jogando xadrez, os alunos estarão a estimular as capacidades intelectuais, a desenvolver as funções psicológicas superiores, das quais Vigotsky (1989) aponta como exemplos: pensamento abstrato, raciocínio, atenção, memorização, concentração, capacidade de planeamento, entre outras, funções de extrema importância para o sucesso escolar dos alunos (Teixeira et al., 2014).

Jogar uma partida de xadrez requer a mobilização constante de concentração, raciocínio, perceção, atenção, escolha das jogadas e tomadas de decisão, estabelecimento de planos de ação e elaboração de estratégias (Menezes, 2009). Todos esses elementos estão ligados ao enriquecimento de capacidades mentais e cognitivas, consideradas necessárias e fundamentais para a aprendizagem da Matemática (Menezes, 2009). Na verdade, o raciocínio lógico é primordial no processo de ensino-aprendizagem. Através dele elaboram-se as estruturas mentais, gramaticais e matemáticas, assim como as estruturas de pensamento formal, permitindo assim a solução de problemas referentes às tarefas do quotidiano do individuo (Rezende, 2005). A concentração é outro atributo para a consecução do trabalho e é um dos requisitos mentais mais importantes para a eficácia do processo de aprendizagem. O xadrez é, definitivamente, uma excelente exercitador de memória cujos efeitos são transferíveis para outros assuntos onde a memória é necessária. A abstração é a capacidade que permite ao jogador de xadrez deduzir invariavelmente uma resposta, encontrando o melhor lance quando não é possível calcular todas as possibilidades de partida.

Considera-se, portanto que o jogo de xadrez pode ser uma resposta concreta e eficaz para melhorar as capacidades dos alunos portugueses, na área da Matemática, pois o jogo envolve muitos aspetos de alto nível cognitivo e requer capacidades de resolução de problemas, capacidades que são intrínsecas à Matemática. Ensinado metodicamente, o jogo de xadrez constitui uma excelente e valiosa estratégia de estímulo intelectual para potenciar nos alunos um método de raciocínio e de organização das relações abstratas e dos elementos simbólicos, contribuindo positivamente para a superação de dificuldades diagnosticadas nos alunos portugueses, na área da Matemática. Ao envolver um conjunto de competências que resultam de uma multiplicidade de funções cognitivas e das suas interações (Hanggi et al., 2014), os alunos têm a possibilidade de ativar e estimular as áreas cerebrais envolvidas nesses processos desenvolvendo novas sinapses neuronais (Hanggi et al., 2014).

Vários países como a Rússia, França, Inglaterra, Argentina, Espanha, México, Venezuela, Angola, Canadá, Cuba, Hungria, Israel, Jugoslávia, Alemanha, Roménia, Tunísia, implementaram nas escolas o jogo de xadrez na forma de projetos ou de disciplinas extracurriculares (Almeida, 2010). Em alguns países, como a Roménia, o xadrez passou a ser disciplina obrigatória, onde as notas de Matemática dependem 33% do desempenho dos alunos nas aulas de xadrez. Estudos feitos por esses países justificavam a existência dos projetos, já que se observaram melhorias no rendimento escolar, concentração e atenção dos alunos. Também Jeffrey Chesin, citado por Ferreira & Palhares (2007), indica a existência de uma relação entre a Matemática e jogar xadrez. “Os bons jogadores de xadrez são provavelmente bons em Matemática ou em qualquer situação que envolva a resolução de problemas” (Graham, s.d., citado por Ferreira & Palhares, 2007, p. 4). Todos estes relatos sobre a melhoria do desempenho dos alunos nas disciplinas, em geral, e na Matemática, em particular, têm levado a algumas escolas a inserir o xadrez na escola, estimulando os alunos a jogar, formal e informalmente (Ferreira, 2013 b).

De um outro ponto de vista, Renata Bezerra e Ildemar Zanella sugerem no seu artigo Xadrez: um recurso metodológico facilitador do processo de ensino e aprendizagem da matemática (2006) o xadrez como uma metodologia. Citam alguns conteúdos matemáticos a serem trabalhados através do jogo de xadrez: frações, considerando o número de casas de cada cor no tabuleiro; simetria, com o posicionamento inicial das peças; equivalência, na captura das peças; razão e proporção, tomando o tabuleiro como um quadrado e pensando na sua área diminuída ou aumentada, potenciação, áreas e perímetros de figuras planas. Associam ainda a posição de cada peça no tabuleiro ao plano cartesiano. Outros autores referem as relações do jogo com a aprendizagem da aritmética (noções de troca, valor comparado das peças, controle de casas); com a álgebra e com a geometria (Almeida, 2010). A utilização do jogo de xadrez pode ainda assumir uma outra forma, incluindo a utilização dos seus elementos, como por exemplo, a utilização somente do tabuleiro (Almeida, 2010). As aplicações do jogo de xadrez na área da Matemática são bastante vastas e não necessariamente de nível elementar, com Piassi (2005) destaca entre outras, Análise Combinatória, Cálculo de Probabilidades, Estatística e Informática.

Para além das relações estreitas entre as caraterísticas do xadrez e as capacidades matemáticas, a utilização do jogo de xadrez, em sala de aula, pode desenvolver sentimentos de autoconfiança e, desta forma, ultrapassar conceções e atitudes

generalizadas de que a Matemática é difícil, associada ainda a uma desmotivação e um desinvestimento dos alunos em relação à disciplina. Por isso, o jogo de xadrez pode tornar- se um precioso coadjuvante escolar, e até psicológico (Piassi, 2005), na medida em que, como recurso pedagógico-didático, poderá tornar a Matemática mais interessante, lúdica, instigante, relevante, útil e integrada à realidade (Góes, 2002). O jogo de xadrez, transformando-se em material concreto e manipulável, pode ajudar o aluno a dar o “salto” para a abstração e, assim, estabelecer mais facilmente relações e conexões entre os diferentes conteúdos, fazer inferências e melhorar as suas estratégias mentais para resolver problemas.

Da mesma forma, para o professor, o jogo de xadrez possibilita a difícil tarefa de ensinar Matemática de forma mais prática e divertida, permitindo a exploração de conteúdos de Matemática em sala de aula, em interação com o professor e com os colegas, como apontado por Machado (1995), Grando (2000), Kishimoto (2002) e Moura (1992). Aproveitando a motivação espontânea dos alunos, o aluno torna-se mais seguro, alerta e crítico, expressa o seu pensamento, troca ideias com os colegas e tira conclusões, com a orientação do professor. Ao permitir explorar os conteúdos, através da troca de ideias, os alunos estão a ser estimulados a explicar os seus raciocínios, a comunicar as suas ideias e a resolver problemas, precisamente as competências em que os alunos portugueses revelam mais dificuldades (Lains, et al., 2015). O jogo de xadrez ainda auxilia o professor a observar e a envolver-se em atividades de avaliação, quer dos alunos, quer da sua prática pedagógica (Almeida, 2010).

Ainda que o jogo de xadrez apresente várias possibilidades de desenvolvimento de aprendizagem e aplicações no ensino da Matemática, a utilização do jogo de xadrez no ensino da Matemática merece um olhar atento e requer cuidados para não lhe retirar a sua essência, que é a ludicidade, e conseguir aproveitar as possibilidades que ele apresenta no auxílio do ensino e aprendizagem (Pereira et al., 2013; Almeida, 2010). Quando o jogo perde a sua ludicidade, torna-se uma didática cansativa e não desperta o interesse dos alunos nem o ajuda no processo de ensino/aprendizagem. Inversamente, a prática de um ensino lúdico também não pode ser confundida pelos alunos, tão pouco pelo professores, como um mero momento de lazer (Almeida, 2010). É certo que mesmo utilizado como recurso pedagógico, o ensino do xadrez sempre encerrará no seu interior uma dimensão técnica e lúdica de jogo. O caráter lúdico e técnico do jogo pode prevalecer na aula de

Matemática, desde que seja uma aula intencional, organizada, estruturada e planeada (Almeida, 2010).

Em resumo, as formas de introdução do jogo de xadrez no ambiente escolar adequam-se à finalidade do seu uso, sendo que, na Matemática, o jogo assume diferentes formas, no intuito de possibilitar o desenvolvimento de conceitos, procedimentos e atitudes que auxiliam o ensino e aprendizagem da Matemática. A literatura considera o jogo de xadrez como uma metodologia alternativa, pois, através dele, alunos e professores podem perceber o processo de ensino e aprendizagem da Matemática e levá-los a utilizá-lo de forma diferenciada, com caráter inovador e motivador (Almeida, 2010).

No documento Relatório final (páginas 51-56)