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O jogo e a Matemática 18 

No documento Relatório final (páginas 38-43)

I- ENQUADRAMENTO TEÓRICO A Matemática no panorama educativo português:

1.2 O jogo e a Matemática 18 

Os baixos resultados do desempenho dos alunos portugueses, a persistência de alguns problemas significativos na aprendizagem matemática dos alunos, muito especialmente a generalizada dificuldade na resolução de problemas, no raciocínio matemático, às vezes em tarefas mais simples, na aplicação de conhecimentos a situações novas, na comunicação das suas ideias e o desinteresse crescente dos alunos em relação à Matemática, tem gerado preocupação, descontentamento e alguma polémica à volta do ensino da Matemática (Ponte, 2003).

Consequentemente, o reconhecimento destes problemas no ensino da Matemática conduz à necessidade de criar novas metodologias e novas soluções (Ponte, 2003). Na verdade, ouvir o professor e praticar a resolução de exercícios não é suficiente para a aquisição das competências matemáticas mais importantes, uma vez que este tipo de prática não permite o envolvimento dos alunos noutros tipos de experiências e situações, como a exploração, a investigação, a resolução de problemas, a realização de ensaios e projetos, a comunicação e a discussão (Ponte, 2003).

A prática de determinados jogos de estratégia como meio de desenvolvimento de competências úteis ao ensino/aprendizagem da Matemática tem vindo a ser recomendada na literatura (Silva & Santos, 2011; Smole, Diniz & Cândido, 2007; Bragg, 2006; Moreira & Oliveira, 2004; Palhares, 2004; Lee, 1996) e em vários documentos curriculares (MEC, 2007), embora já substituídos. Dado o aspeto lúdico dos jogos, estes poderão constituir-se como uma possibilidade e oportunidade de perspetivar um panorama positivo na aprendizagem da Matemática (Ferreira, 2013b), envolvendo com entusiasmo, não só os alunos a resolver problemas matemáticos complexos (Sousa, 2012), mas também remetendo os professores para compromissos de mudança significativos (Ponte, 2003). Com efeito, sabe-se que os estudantes aprendem melhor aquilo de que gostam, sendo a

motivação um ponto central no processo de ensino/aprendizagem (Ferreira, 2013b; Almeida, 2010), na medida em que

“para além do esforço físico e/ou intelectual que alguns jogos acarretam, principalmente quando jogados a alto nível, todos os jogadores sofrem quando perdem um jogo, ou quando se apercebem que estão prestes a perdê-lo. No entanto, gostam de jogar precisamente porque não sabem ao certo se vão ganhar ou não. A incerteza sobre o resultado é a própria essência do prazer de jogar. Esta característica motivadora faz com que os jogos possam a ser vistos como uma potencial ferramenta na educação” (Ferreira, 2013b, p.110).

Para além das questões lúdicas, do prazer e afetivas do jogo, Palhares (2004) considera que os jogos de estratégia permitem desenvolver capacidades semelhantes às que os alunos desenvolvem e necessitam para a resolução de problemas. Cada jogo tem ainda a particularidade de reforçar e estimular alguma atividade física ou intelectual, o que é um aspeto importante na educação (Ferreira, 2013b). As características de alguns jogos propiciam a investigação, a invenção e a análise de problemas e estimulam a curiosidade matemática (Ferreira, 2013b; Almeida, 2010). De facto, os jogos são "provavelmente os responsáveis pelas primeiras atividades estritamente mentais que o Homem inventou (ou descobriu)" (Neto & Silva, 2004, p.11) e, por isso, jogar nunca foi indiferente para as diferentes civilizações.

Ainda que possam partilhar de algumas caraterísticas comuns e benefícios para a Educação Matemática, não se deve, contudo, confundir jogo didático com jogo matemático, pois o facto de um jogo possuir um conteúdo matemático ou envolver algum processo matemático não significa que seja um jogo matemático (Lee, 1996). Para o autor, um jogo matemático deve constituir um desafio contra uma ou mais pessoas com um determinado objetivo e termina quando ele for atingido (Ferreira, 2013b). Para atingir esse objetivo, os jogadores devem fazer um número finito de jogadas, regulamentadas por regras, as quais devem basear-se em ideias matemáticas, em que cada jogada resulta de uma tomada de decisão (Ferreira, 2013b; Lee, 1996). Os jogos matemáticos são assim chamados por serem jogos de informação perfeita onde o acaso não intervém (Crato, 2004, citado por Mota, 2009). Tudo está sobre a mesa, nada está escondido, nem há dados ou outro instrumento gerador de aleatoriedade que introduza o azar nas jogadas (Crato, 2004; Mota, 2009). São também chamados de jogos abstratos, pois podem ser jogados virtualmente, com papel e lápis, ou mesmo de cabeça se os jogadores o conseguirem (Mota, 2009). Na mesma perspetiva de Crato (2004), Bragg (2006) refere que um jogo matemático deve apresentar as seguintes características: possuir um conjunto definido de regras e ter definido um

objetivo específico, cada jogada afeta as jogadas subsequentes do adversário; incluir uma estratégia não podendo o resultado provir da sorte, ser agradável e com potencialidades para gerar envolvimento; implicar um desafio contra um ou mais adversários (Ferreira, 2013b; Bragg, 2006). Constate-se, que, neste sentido, os jogos matemáticos partilham as mesmas estratégias mentais seguindo as etapas do modelo proposto por Pólya que são utilizadas na resolução de problemas, e que constituem uma referência importante no âmbito da educação matemática (Ferreira, 2013b). São exemplos deste tipos de jogos: Xadrez, Damas, Ouri, Gatos & Cães, Semáforo, Pontos e Quadrados.

Naturalmente, através dos jogos matematicamente ricos, é possível envolver simultaneamente a mente e o coração dos alunos (Yeo, 2010), pois todos gostam de ganhar e, na procura de estratégias vencedoras, os alunos utilizam as heurísticas da resolução de problemas (Ferreira, 2013b). Com efeito, ao investigarem a estratégia vencedora, os alunos têm de começar por analisar, formular hipóteses ou conjeturar e testá-las (Ferreira, 2013b). Se comprovarem a validade da conjetura (justificar), então elas podem ser considerados como generalizações de casos específicos (generalizar) (Ferreira, 2013b; Yeo, 2010). Por isso, os jogos matemáticos são considerados uma prática benéfica para a Matemática por implicar capacidades semelhantes às que os alunos desenvolvem e necessitam para a resolução de problemas (Palhares, 2004) e por estimular, melhorar e aperfeiçoar outras capacidades essenciais para aprender Matemática, como o raciocínio a concentração, a visualização, o cálculo, a memorização, pensar bem antes de agir e comparar opções (Carvalho & Santos, 2011). A criança aprende, confrontando, explicando e defendendo os seus pontos de vista (Ferreira, 2013b; Mota, 2009).

Os jogos proporcionam ainda momentos de aprendizagem e desenvolvimento, que se podem revelar importantes para a formação geral do indivíduo, na medida em que se estendem muito para além do campo específico da educação matemática, da aquisição de conteúdo e do enriquecimento do raciocínio lógico (Almeida, 2010), nomeadamente a oportunidade para conviver e aprender a respeitar os seus adversários; aprender o valor das regras; saber como lidar com a derrota; aprender com os erros; desenvolver novas estratégias de pensamento; desafiar as próprias capacidades com o objetivo de as superar; desenvolver o raciocínio e o pensamento abstrato, aspetos relacionados a comportamentos, interação e socialização (Saraiva et al., 2012).

Também Hinebaugh (2009), citado por Ferreira (2013b), apresenta diversos exemplos da integração de jogos, como o xadrez, as damas ou o scrabble, no currículo em escolas de diferentes estados americanos, com o objetivo de desenvolver nos alunos um leque de capacidades consideradas educacionais. A utilização de jogos levou a melhores resultados nos testes de Matemática e ciências, assim como melhorou a performance dos alunos em testes que medem capacidades cognitivas, o pensamento crítico e o pensamento criativo, respetivamente no Test of Cognitive Skills, Watson-Glaser Critical Thinking Appraisal e Torrance Tests of Creative Thinking. Percebe-se dessa forma, que os jogos são fundamentais nas aulas de Matemática, pois possibilitam o desenvolvimento do pensamento do aluno (Hinebaugh, 2009), nomeadamente o pensamento crítico, a resolução de problemas, a comunicação, a análise e o raciocínio, precisamente as competências mais fracas dos alunos portugueses.

Mas se o jogo, como fim em si mesmo, é potenciador de capacidades cognitivas, sociais e emocionais, a sua utilização, como recurso metodológico e material pedagógico-didático, também o é para aprendizagem de estruturas matemáticas, muitas vezes de difícil assimilação (Grando, 2000). Na verdade, trata-se de comparar e utilizar o jogo como se fosse um material didático como o ábaco, as barras Cuisenaire e o material multibásico. O modo como ele deve ser abordado em sala de aula e entendido pelos professores têm estado no cerne do cenário atual da educação (Saraiva et al., 2012).

Neste domínio, a bibliografia é consistente: o jogo pode tornar-se uma estratégia didática quando as experiências de aprendizagem são planeadas e orientadas visando uma finalidade de aprendizagem (Almeida, 2010). Para que isto ocorra, é necessário haver uma intencionalidade educativa, o que implica planeamento e previsão de etapas pelo professor, para alcançar objetivos predeterminados e extrair do jogo atividades que lhe são decorrentes (Almeida, 2010). Nesta perspetiva, Lee (1996) considera que os professores devem selecionar jogos matemáticos que possibilitem o envolvimento dos alunos na resolução de problemas, que se encontram incorporados nos próprios jogos. Por outro lado, os próprios materiais, nomeadamente os tabuleiros, podem constituir contexto para a resolução de problemas interessantes do ponto de vista da educação matemática (Palhares, 2011). Um jogo bem projetado desenvolve capacidades de socialização, auxilia na construção do conhecimento e do raciocínio, no desenvolvimento da observação, da reflexão, da argumentação, do raciocínio lógico e da resolução de problemas (Ferreira,

2013b; Almeida, 2010; Angélico & Porfírio, 2010; Fadel & Mata, 2008; Silva, 2008).

As orientações curriculares no âmbito da educação matemática não têm sido indiferentes a estas características dos jogos (Ferreira, 2013b). Conscientes do importante papel da motivação no processo de ensino e aprendizagem e do potencial dos jogos, os aspetos recreativos da matemática são referidos nos Principle and Standards for School Mathematics, da American National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) como fazendo parte de uma herança cultural que os alunos devem aprender e apreciar (NCTM, 2007). No entanto, nos últimos anos, as alterações nos documentos curriculares portugueses têm vindo a revelar uma diminuição do foco do papel central dos jogos na educação matemática, o que revela que as decisões políticas de currículo nem sempre são racionais ou fundamentadas na investigação (Pacheco, 2000). Todavia, no Programa e Metas Curriculares de Matemática, pode ler-se que “as escolas e os professores devem decidir quais as metodologias e os recursos mais adequados para auxiliar os seus alunos a alcançar os desempenhos definidos nas Metas Curriculares” (DGE, 2013, p. 28).

Ainda assim, apesar da omissão do papel da Matemática recreativa, onde se incluem os jogos, não estar atualmente presente nos documentos curriculares, no que concerne à sua divulgação e/ou promoção da sua prática, assiste-se, hoje em dia, ao reconhecimento do potencial da utilização de jogos de estratégia (Ferreira, 2013b). Baseada nos resultados da investigação, a implementação prática de jogos matemáticos começa a fazer parte da realidade de algumas escolas, ainda que de forma pontual, em Atividades de Enriquecimento Curricular e através da implementação de Clubes. Porém, a implementação, organização e coordenação desses clubes representam uma carga de trabalho adicional para os professores envolvidos, o que por vezes os desmotiva, dificultando a manutenção desses projetos no tempo (Ferreira, 2013b). Não obstante, a grande participação das escolas no Campeonato Nacional de Jogos Matemáticos é reveladora do interesse pela prática de jogos matemáticos, por parte de alunos e professores (Ferreira, 2013b).

No documento Relatório final (páginas 38-43)