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AS PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA E PODER DISCRICIONÁRIO

CAPÍTULO II – ANÁLISE DA PROPOSTA DE REGULAMENTAÇÃO DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

2.1. AS PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA E PODER DISCRICIONÁRIO

A Procuradoria-Geral da Fazenda, em 14 de março de 2007, encaminhou ao Ministério da Fazenda, por meio do Ofício n° 624/PGFN-PG, dois anteprojetos de lei destinados a regular a Transação Geral em Matéria Tributária e a Execução Fiscal Administrativa, resultado de amplo trabalho realizado no âmbito da Procuradoria, com a cooperação do Professor Dr. Heleno Taveira Torres da Universidade de São Paulo. Os dois projetos têm como objetivos a diminuição do contencioso administrativo e judicial, a eficiência na execução fiscal e diminuição dos altos custos envolvidos, que têm gerado desperdícios de recursos públicos, agravada a situação em decorrência da morosidade dos processos de execução fiscal submetidos à sistemática judicial em vigor.

As propostas dos anteprojetos são resultados da assinatura do II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, agil e efetivo, assinado em 13 de abril de 2009, por representantes dos três poderes, com os seguintes objetivos:

I - acesso universal à Justiça, especialmente dos mais necessitados;

II - aprimoramento da prestação jurisdicional, mormente pela efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo e pela prevenção de conflitos;

III - aperfeiçoamento e fortalecimento das instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema penal no combate à violência e criminalidade, por meio de políticas de segurança pública combinadas com ações sociais e proteção à dignidade da pessoa humana. 92

Para a consecução dos objetivos propostos, as partes, respeitadas as competências de cada uma, assumiram compromissos, dentre eles o de “fortalecer a mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados à maior

92 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível,

Ágil e Efetivo. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm. Acesso em: 31 mar. 2012.

pacificação social e menor judicialização.” Neste contexto, e de forma especial, insere-se o anteprojeto de transação tributária, em continuidade à Emenda Constitucional n° 45 e atendendo a pontos da Reforma do Poder Judiciário e das normas de funcionamento do Conselho Nacional de Justiça, atinentes à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 358, de 2005 e PEC n° 324, de 2009.

Para viabilizar a transação tributária propõem-se alterações no Código Tributário Nacional com o Projeto de Lei Complementar – PLP 469, de 2009. Propõe-se alteração no art. 151 do CTN , com inclusão de mais três hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, facilitando a emissão de certidões positivas com efeito negativo, quais sejam:

VII - a garantia administrativa, nos termos da lei;

VIII - a decisão da autoridade administrativa legalmente incumbida da cobrança da Dívida Ativa que suspender o seu curso, no âmbito administrativo ou judicial , nos termos da lei;

IX - a admissão de proposta para habilitação em procedimento de transação, nos termos da lei.

Também haveria alteração no art. 156 do CTN, proposta no PLP 469, de 2009, a respeito das hipóteses de extinção do crédito tributário. Hoje, considera-se a transação como causa de extinção, o que é uma impropriedade do CTN, pois somente o cumprimento das condições acordadas no termo de transação poderá ensejar a extinção do crédito. Dessa forma, propõe-se a alteração do inciso III do art. 156, considerando como causa de extinção o cumprimento do termo de transação e não a transação em si. Acrescenta-se ao art. 156 o inciso XII com mais uma causa de extinção representada pelo “O laudo arbitral, na forma da lei.”

Pelo PLP 469, de 2009, também haveria alteração no art. 171 do CTN, o qual prevê a transação, “mediante concessões mútuas”, condição, esta, a ser suprimida. A transação não seria destinada à determinação de litígio, mas à composição do conflito ou litígio. Determinação significa “demarcação, definição, indicação ou explicação exata, resolução, decisão, prescrição, ordem”, 93lembrando características de atos administrativos unilaterais, enquanto que composição significa “ação de compor um todo juntando as partes, arranjo, disposição, associação, combinação, constituição”,94 o que melhor se adequa a procedimentos consensuados baseados em acordos entre as partes como se pretende com a transação

93 Cf. Dicionário Aurélio. Disponível em: <http://www.dicionariodoaurelio.com/>. Acesso em: 31 mar. 2012. 94 Ibid.

tributária. Em relação à autoridade competente para a transação, acrescenta-se a possibilidade de delegação.

Outra inovação a ser introduzida no CTN é a instituição de procedimento arbitral no Direito Tributário com a inclusão do art. 171-A: “A lei poderá adotar a arbitragem para a solução de conflito ou litígio, cujo laudo arbitral será vinculante.” A alteração segue o que já existe hoje no âmbito da CGU relativo à CCAF.

O grupo de trabalho que elaborou o anteprojeto foi instituído a partir da preocupação do Ministro Luís Inácio Adams, Procurador-Geral da Fazenda Nacional em 2007, a respeito das dificuldes de recuperação do passivo tributário, de acordo com orientações do Presidente da República e do Ministro da Fazenda. O grupo deveria se dedicar à “reforma do contencioso tributário, com o propósito de reformular a legislação, além de atualizar e encontrar medidas alternativas para soluções de controvérsias tributárias”, segundo afirmativa de Heleno Torres,95 colaborador externo do referido grupo. Os objetivos eram:

[...] reduzir os custos do Estado com a gestão dessas dívidas, agilizar a recuperação desses valores e, o mais importante, instituir políticas públicas orientadas à redução da conflitividade tributária, geralmente baseada numa litigiosidade decorrente dos meios inadequados e processualmente complexos para uma fiscalidade de massa. 96

Busca-se a transparência nas relações com o contribuinte ao abrir possibilidade de participação deste na composição do litígio ou conflito. Ganha-se com a celeridade que desonera tanto a Administração Fazendária quanto o Judiciário, a partir da desburocratização do processo de administrativo tributário. Por fim, atinge-se a eficiência na medida em que proporciona de forma rápida a solução do conflito com diminuição do estoque de divída ativa da União. Inova-se com a instituição do compromisso de regularidade tributária, a resolução administrativa de adesão, o incidente de divergência entre termos de transação, o plano de recuperação tributária e com a preservação ou aumento de empregabilidade por indução fiscal.97

Argumenta-se que a transação tributária é inviável no ordenamento pátrio pela irrenunciabilidade do crédito tributário segundo os limites da indisponibilidade dos bens

95 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: introdução à justiça fiscal consensual. Prefácio

de Heleno Taveira Torres. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, (Coleção Fórum de Direito Tributário), pg. 11.

96Ibid. 97 Ibid. p. 137.

públicos. A promulgação de lei normatizando a transação nos termos do art. 171 do CTN, ao estabelecer a legalidade e a vinculação do ato administrativo encerraria a questão,98 sem contar com a longa discussão que envolve o conceito de interesse público, o qual só pode ser avaliado diante do caso concreto.

Critica-se a “margem larga de discricionariedade deixada a cargo da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional”99, entretanto, a dicricionariedade adminsitrativa é poder inerente ao Administrador Público nos limites da lei. No caso da transação, a proposta de lei estabele estes limites ao dispor até que margem pode ser reduzido o montante da dívida, e quais parcelas destas podem ser objeto de transação, obedecidas as demais condições da referida lei. E mais, haveria uma substituição da discricionariedade unilateral por uma discricinariedade composta. Elege-se o controle de resultados e não o de procedimentos. O ato da transação deve ser motivado de forma a demonstrar que atende ao interesse público. Sujeita-se ao controle próprio exercido no âmbito da Administração Pública, pelo Ministério Público, Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo próprio cidadão.100 A publicidade dos atos referentes à transação tributária consistiria em outro importante fator de controle social.

Embora já tenha sido extensamente debatido pela doutrina a questão dos atos discricionários e do poder discricionário no âmbito da Administração Pública, recorre-se à questão para a argumentação pertinente ao instituo objeto deste trabalho. Celso Antônio Bandeira de Mello traz de forma inequívoca a definição de ato discrinionário como aqueles que a “Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles.”101 Em relação ao poder discricionário, próprio da Administração pública, nos termos da lei, explica:

Ora bem, toda lei cria sempre e inexoravelmente um quadro dotado de objetividade dentro do qual se movem os sujeitos de direito. O grau desta objetividade é que varia.

98 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: introdução à justiça fiscal consensual. Belo

Horizonte: Fórum, 2010. p. 140.

99 Cf. MICHELIN, Dolizete Fátima. O anterprojeto da lei geral de transação em matéria tributária e os pricnípios

constitucionais da legalidade, isonomia e moralidade pública. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no direito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p.351.

100 GODOY, op. cit. p.140-141.

101 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Adminsitrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

A dizer: em quaisquer situações jurídicas pode-se reconhecer uma limitação que delineia os confins de liberdade de um sujeito. Tal liberdade, entretanto, pode ser mais ou menos ampla, em função das pautas estabelecidas nos dispositivos regedores da espécie.

Qualquer regulação normativa é, por definição, o lineamento de uma esfera legítima de expressão e ao mesmo tempo uma fronteira que não pode ser ultrapassada, pena de violação do Direito. Este extremo demarcatório tem necessariamente uma significação objetiva mínima precisamente por ser e para ser, simultaneamente a linha delimitadora de um comportamento permitido e a paladiça que interdita os comportamentos proibidos.

[...]

No interior das fronteiras decorrentes da dicção legal é que pode vicejar a liberdade administrativa.

[...]

Deveras, a regra de Direito, como é obvio, pretende sempre e sempre a medida capaz de atender excelentemente ao interesse público. Ora, dadas a multiplicidade e variedade de situações fáticas passíveis de ocorrerem – as quais serão distintas entre si pelas circunstâncias que as envolvem e pela coloração que tenham -, é preciso que o agente possa, em consideração à fisionomia própria de cada qual, proceder à eleição da medida idônea para atingir de modo perfeito o objetivo da regra aplicada.

[...]

Se a lei, nos casos de discrição, comporta medidas diferenciadas, só pode ser porque pretende que se dê uma certa solução para um dado tipo de casos e outra para outra espécie de casos, de modo a que sempre seja adotada a solução pertinente, adequada à fisionomia própria de cada situação, a fim de que seja atendida a finalidade da regra em cujo nome é praticado o ato.

[...]

A existência de discricionariedade ao nível da norma não significa, pois, que a discricionariedade existirá com a mesma amplitude perante o caso concreto e nem sequer que existirá em fase de qualquer situação que ocorra, pois a compostura do caso concreto excluirá obrigatoriamente algumas das soluções admitidas in abstrato na regra e, eventualmente, tornará evidente que uma única medida seria apta a cumprir-lhe a finalidade. Em suma, a discrição suposta na regra de Direito é condição necessária, mas não suficiente, para que exista discrição no caso concreto; vale dizer, na lei se instaura uma possibilidade de discrição, mas não uma certeza de que existirá em todo e qualquer caso abrangido pela dicção da regra.

Com efeito, a discricionariedade só existe as hipóteses em que, perante a situação vertente, seja impossível reconhecer de maneira pacífica e incontrovertível qual a solução idônea para cumprir excelentemente a finalidade legal. Ou seja: naquelas em que mais de uma opinião for razoavelmente adminssível sobre a medida apropriada para dar melhor satisfação ao objetivo da lei. Em suma, está-se aqui a dizer que a discricionriedade é pura e simplesmente o fruto da finitude, isto é, da limitação da mente humana. À inteligência dos homens falece o poder de identificar sempre, em toda e qualquer situação, de maneira segura, objetiva e inobjetável, a medida idônea para preencher de modo ótimo o escopo legal. 102

Os excertos acima retirados da brilhante obra do insigne administrativista brasileiro parecem ter sido escritos exatamente para a lei de transação tributária. Certas matérias podem permitir que se confira à lei reguladora elevado grau de objetividade, por permitir o estabelecimento de praticamente todos os limites de atuação do adminsitrador

102 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Adminsitrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

público. Não é o caso da transação tributária, na qual a própria lei (proposta) elege situações que irão variar de acordo com cada caso concreto e que deverão nortear a decisão do responsável pela transação. Cita-se o “histórico fiscal, a forma de cumprimento de obrigações tributárias, a adoção de critérios de boa governança e a situação econômica do contribuinte”, conforme §1°, art. 4°. A liberdade administrativa que vigora na transação tributária está estabelecida dentro dos limites da lei geral e nos contornos da regulamentação a cargo da CGTC prevista no caput do referido artigo. Caberá ao agente competente para a realização da transação eleger, de forma idônea, as condições para o acordo que melhor se adequem ao caso, na forma da lei, sempre pautado pela satisfação do interesse público e pelo tratamento igualitário entre os contribuintes.

As medidas diferenciadas de possível escolha pelo administrador público dentro da proposta de lei de transação, coroboram exatamente com o princípio da igualdade. A Administração Fazendária ao conceder moratória ou redução de qualquer encargo em decorrência de débitos fiscais, de forma indistinta, alcaçando a todo contribuinte em débito, está atendendo apenas formalmente ao princípio da igualdade, pois a todos beneficia, independente da condição econômica e do histórico fiscal.

Embora a proposta de lei de transação tributária permita certa margem de discricionariedade, no caso concreto, bem lembra Bandeira de Mello, nem sempre esta será exercida, pois haverá situações em que, como exemplo, as condições da transação ensejam a redução máxima de sanções de natureza pecuniária, de juros de mora e demais acréscimos pecuniários, conforme previsto no §1° do art.6°. Além disso, o art. 4° do anteprojeto remete à CGTC a tarefa de regulamentação dos requisitos, forma e parâmetros para a transação tributária, reduzindo significativamente a margem de discricionariedade da Fazenda Nacional.

O poder discricionário é inerente á atividade administrativa dentro dos contornos da lei. Causa espanto a reação doutrinária de muitos configurando um “certo horror” em se conceder este poder quando se trata de questões tributárias. Ao administrador fazendário, em termos culturais e não jurídicos, parece ter sido subtraído este poder como se fosse uma categoria funcianal à parte dentro da Administração Pública.

Uma lei geral de transação tributária poderia evitar os parcelemantos tributários sucessivos, os quais atingem de forma uniforme os contribuintes que se encontram na situação

elencada, sem considerar as condições que ensejaram o não pagamento da dívida, ou seja, beneficia a todos indistintamente, sejam contribuintes idôneos ou não em sua conduta econômica e tributária. Em relação à questão, Heleno Torres alerta:

Antes uma lei que organize os múltiplos casos de débitos em segmentos diferenciados e segundo critérios de qualificação do débito, para atribuir tratamento coerente e ordenado segundo medidas comuns, do que legislações episódicas que afetam a espontaneidade do cumprimento das obrigações tributárias e contrariam o espírito constitucional da igualdade, que deve ser aferida e garantida segundo a situação fiscal dos contribuintes. 103