• Nenhum resultado encontrado

OS LIMITES PARA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA NO BRASIL

CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO

1.7. OS LIMITES PARA REGULAMENTAÇÃO DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA NO BRASIL

A Constituição Federal não veda a composição de conflitos entre o fisco e o contribuinte, mesmo que isto represente remissão de dívida. Exige-se, em atendimento ao princípio da legalidade, que lei específica, no âmbito da competência de cada ente federado, regule a matéria, conforme art. 152, § 6.º:

§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que

68 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: introdução à justiça fiscal consensual. Belo

regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

A transação tributária está prevista no ordenamento jurídico brasileiro no art. 156, inciso III e 171 do CTN, como causa de extinção do crédito tributário, sendo necessária a edição de lei para regulamentar o instituto. Portanto, o limite para a utilização da transação tributária no ordenamento pátrio é aquele estabelecido em lei. Ives Gandra da Silva Martins, em parecer publicado, esclarece a questão:

O limite para sua utilização está na necessidade de existência de lei a permitir que transação se faça para casos concretos. Vale dizer, somente com autorização legal a transação pode ser realizada pelo Poder Executivo, à evidência, no interesse da Administração

Note-se que a disposição do art. 171 faz clara menção à celebração de transação “mediante concessões mútuas”, o que vale dizer, há razoável discricionariedade na atuação da administração, no conformar as condições da transação com vistas ao atendimento do interesse público. Porém, nada disso prevalecerá se não houver a encampação desses parâmetros – ou a fixação de outros - pelo Poder Legislativo, passando a ser vinculada a atuação do administrador público ao receber crédito tributário pela forma transacionada, a partir da aprovação da lei.

É que o instituto da transação traz inequívocos benefícios à administração pública, sobre não inviabilizar o pagador de tributos, sendo o principal deles a imediatez na recuperação de recursos, o que, de outra forma, seria de difícil obtenção, em razão do exercício do direito de defesa pelo contribuinte, na esfera administrativa e judicial. 69

Importa lembrar que na elaboração normativa devem estar presentes os princípios informadores do Direito Tributário. A partir desta premissa, a legislação que regulamentar a transação tributária deve ter como objetivo a consecução do interesse público, a eficiência, a equidade, a economicidade, a neutralidade fiscal. Atendidos os ditames constitucionais e à exigência do CTN de lei específica sobre a transação, respeitado estará o princípio da legalidade:

Não se tem ofensa a princípios, que objetivamente substancializam regras, a exemplo de epítetos de legalidade. Pelo contrário, centrado na luz da dignidade da pessoa humana, e no fundamento de que o concenso legitima a tributação, a lei de transação, com todas as imperfeições inerentes a um documento in nuce inverte a sórdida lógica de Thomas Hobbes, para quem auctoritas facit legem, isto é da

69 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Transação tributária realizada nos exatos termos do artigo 171 do código

tributário nacional – inteligência do dispositivo – prevalência do interesse público em acordo envolvendo prestação de serviços e fornecimento de material – rigoroso cumprimento da legislação complementar federal e municipal – opinião legal. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no âmbito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

autoridade que decorre a lei. Os tempos mudaram. Pretende-se uma época de consenso.70

A aplicação de possível norma tributária sobre a transação, requer a interpretação e aplicação do referido instituto ao caso concreto. Constitui, assim, a interpretação como o estabelecimento de norma individual, sendo um parâmetro para análise da aplicabilidade da transação tributária no direito pátrio. Deverá haver “a subsunção do fato às normas do instituto da transação tributária estatuída na proposta de norma autorizativa, operando esta, como substrato condicionador de suas indagações fáticas, teóricas e técnicas.”.71

Questão interessante discutida na doutrina é se a existência de litígio seria um pressuposto para a transação. Em complemento, discute-se se seria admitida apenas em caso de litígio judicial ou se caberia em face de discussão administrativa. Hugo de Brito Machado entende que só poderá haver transação tributária nos limites da lei para terminar um litígio, não a admitindo como preventiva a litígio ainda não instaurado:

Só mediante previsão legal a autoridade competente pode autorizar a transação em cada caso (CTN, art. 171, parágrafo único). E não pode haver transação para prevenir litígio. Só depois de instaurado este, é possível a transação. Tanto como no Direito privado a transação é um acordo, que se caracteriza pela ocorrência de concessões mútuas. Mas no Direito Tributário a transação (a) depende sempre de previsão legal; e (b) não pode ter o objetivo de evitar litígio, só sendo possível depois da instauração deste.

As razões dessa diferença são bastante simples. Se o agente do Estado pudesse transigir sem autorização legal, estaria destruída a própria estrutura jurídica deste. Por outro lado, não sendo a transação forma comum de extinção do crédito tributário, nada justifica sua permissão a não ser nos casos em que efetivamente existia um litígio.72

Concorda com o autor sobre a possibilidade de transação administrativa Paulo Barros Carvalho, acrescentado que no direito Tributário só se admite a transação terminativa, em contrapartida à possibilidade existente no Direito privado de utilizar a transação para prevenir litígios:

Há de existir litígio para que as partes, compondo seus mútuos interesses, transijam. Agora, divergem os autores a propósito das proporções semânticas do vocábulo litígio. Querem alguns que se trate de conflito de interesses deduzido judicialmente, ao passo que outros estendem a acepção a ponto de abranger as

70 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: introdução à justiça fiscal consensual. Belo

Horizonte: Fórum, 2010. p. 155.

71MARTINS FILHO, Luiz Dias; ADANS, Luís Inácio Lucena. A Transação no Código Tributário Nacional

(CTN) e as novas propostas normativas da lei autorizadora. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes;GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no âmbito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p 32.

controvérsias meramente administrativas. Em tese, concordamos com a segunda alternativa. 73

Outro limite que poderia haver em relação à transação seria em decorrência da Lei Complementar n° 101, de 04 de maio de 2000, lei de Responsabilidade fiscal. Entretanto, como esclarece Hugo de Brito Machado, na transação não ocorre uma renúncia de receita, pois em decorrência da lide instaurada, não há certeza nem do direito da Fazenda Pública ao recebimento do tributo. Ele verifica a questão sob dois enfoques, um literal e outro teleológico:

Atento ao elemento literal, o intérprete há de considerar que o $1°, do art. 14, da aludida lei, define a abrangência do conceito de renúncia fiscal, afirmando que esta “compreeende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação da base de cálculo que implique discriminação de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.“ A transação é instituto jurídico previsto no próprio CTN, tem características próprias, entre as quais a bilateralidade, de sorte que não pode ser considerada abrangida pela expressão outros benefícios. Não estando especificamente referida, como não está, nem cabendo na referência genérica a outros benfícios, até porque a rigor não é propriamente um benefício, tem-se de concluir que o elemento literal desautoriza a aplicação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal às transações.

Atento ao elemento teleológico não se há de chegar a outro resultado. A finalidade da limitação contida no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal é simplemente evitar que sejam concedidos pelo legislador vantagens a certos contribuintes sem uma razoável justificação, deixando a Fazenda Pública de arrrecadar tributos a ela indiscutivelmente devidos. Ocorre que uma característica essencial da transação reside exatamente na dúvida quanto a ser devido, ou não, o tributo. O objetivo das restrições colocadas no art. 14, em referência, seguramente não foi obrigar as Fazendas Públicas a levar os seus litígios até o fim. É razoável, portanto, concluir-se que também o elemento teleológico conduz o intérprete ao entendimento segundo o qual essa norma restritiva da liberdade do legislador ordinário das entidades tributantes não se aplica à transação.74

Assim também é o entendimento de Arnaldo Godoy:

Não se afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não se cogita de renúncia de receita, porquanto não há previsão orçamentária para recolhimento de recursos que estão sub-júdice, ou sob mera previsão estatística de recolhimento. Se assim fosse, lever-se-ia em conta todo o estoque da dívida ativa, o que inviabiliza a administração financeira do país.75

73 Paulo Barros de Carvalho. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 308.

74 MACHADO, Hugo de Brito. Transação e arbitragem no âmbito tributário. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo

Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no direito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p.119.

75 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: introdução à justiça fiscal consensual. Belo

A Lei Geral de Transação Tributária deve respeitar os princípios contitucionais aplicáveis ao direito tributário e ser aplicável a todos de forma indistinta, sendo vedado o uso do instrumento para promover a desigualdade entre os contribuintes. Os termos do acordo devem atender aos requisitos do ato administrativo, pois o instituto, embora originário do direito privado, passa a ser regido pelas normas próprias do direito público.