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PRINCÍPIOS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO

1.6. PRINCÍPIOS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

O princípio da supremacia do interesse público é um dogma construído a partir da idéia de Rosseau, baseado na premissa de retidão da vontade do Estado como representante de uma vontade geral, que somadas constituiriam os fundamentos de justiça e eficácia. Nestes termos Arnaldo Godoy demonstra que a indisponibilidade do crédito fiscal e o interesse público não são obstáculos a uma lei geral sobre transação tributária:

A construção desse dogma fez-se com base em leitura que reduziu a Revolução Francesa a um grupo de lugares comuns, especialmente no que se refere à concepção dos institutos do direito administrativo. Foi Aléxis de Tocqueville quem primeiramente fez a denúncia, no sentido de que o direito administrativo revolucionário manteve os contornos do direito administrativo do regime absolutista dos Bourbon.

É que, entre outros, a centralização administrativa seria instituição do Antigo Regime, e não obra da revolução.

O vínculo entre vontade geral e legalidade, que dá suporte à concepção clássica de interesse público, fora formulado como reação ao Estado Absoluto, a partir do uso recorrente de outro mito, relativo à existência de uma sociedade autossuficiente. 49

O princípio da legalidade foi construído doutrinariamente para contrapor a vontade absoluta dos monarcas em busca de um governo regido pela lei. Também lembra o fato, as palavras de Garcia de Enterría:

[...] esta idéia essencial [legalidade] é articulada politicamente em virtude do dogma rousseauniano da vontade geral (...). De uma aspiração vaga, de uma pura concepção metafísica, o princípio da legalidade passa a ser obra desta doutrina um mecanismo político preciso.50

Em sua demonstração, Arnaldo Godoy autor traça uma linha do tempo com a construção da idéia de interesse público no direito administrativo brasileiro. Parte de Paulino

49 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: introdução à justiça fiscal consensual. Belo

Horizonte: Fórum, 2010. p. 93-94.

50 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. Revolucion francesa y administração contemporânea. Madrid: Civitas,

1994. apud GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: introdução à justiça fiscal consensual. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 94.

José Soares, o Visconde do Uruguai, que na obra Ensaio sobre o Direito Administrativo de 1862, referencia de forma sumária o “interesse geral” o qual pode levar ao sacrifício do interessse particular. Encontra-se na doutrina de Alfredo de Araújo Lopes da Costa referência a “bem comum”. A obra de Rui Cirme Lima de 1953, Sistema de Direito Administrativo Brasileiro, faz referência ao poder público como um dever. Em obra do autor atualizada de 2007 já se encontra a prevalência do princípio do interesse público. Em suma, a doutrina moderna é que traz esta supremacia como condição até mesmo da convivência social do homem, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Melo:

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral do Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como por exemplo, os princípios da função social da propriedade [...]. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social.

[...]

O princípio cogitado, evidentemente, tem, de direito, apenas a extensão e compostura que a ordem jurídica lhe aprouver atribuído na Constituição e nas leis com ela consonante. Donde, jamais caberia invocá-lo abstratamente, com prescindência do perfil constitucional que lhe haja sido irrogado, e, como é óbvio, muito menos caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis. Juridicamente, sua dimensão, intensidade e tônica são fornecidas pelo Direito posto e só por este ângulo é que pode ser considerado e invocado.51

A construção a respeito da supremacia do interesse público também é relatada por Maria Sylvia Zanella di Pietro, que ressalta a indisponibilidade dos interesses públicos confiados ao Estado para guarda e realização:

Apesar das críticas a esse critério distintivo, que realmente não é absoluto, algumas verdades permanecem: em primeiro lugar, as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do direito civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.

Com efeito, já em fins do século XIX começaram a surgir reações contra o individualismo jurídico, como decorrência das profundas transformações ocorridas nas ordens econômica, social e política, provocadas pelos próprios resultados funestos daquele individualismo exacerbado. O Estado teve que abandonar a sua posição passiva e começar a atuar no âmbito da atividade exclusivamente privada.

51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11.ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p.

O direito deixou de ser apenas instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem-estar coletivo.

Ligado a esse princípio de supremacia do interesse público.- também chamado de princípio da finalidade pública - está o da indisponibilidade do interesse público que, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello (1995:31-33), “significa que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade - internos ao setor público - não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. 0 próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los - o que é também um dever - na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis”. Mais além, diz que “as pessoas administrativas não têm, portanto, disponibilidade sobre os interesses públicos conflados à sua guarda e realização. Esta disponibilidade está permanentemente retida nas mãos do Estado (e de outras pessoas políticas, cada qual na própria esfera) em sua manifestação legislativa. Por isso, a Administração e a pessoa administrativa, autarquia, têm caráter instrumental. 52

A Lei 9.784, de 1999 explicitou o princípio do interesse público no art. 2°, caput e parágrafo único:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da

legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

[...]

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

O atendimento aos fins de interesse geral cria para a Administração Pública um poder decorrente de fazer prevalecer o interesse público sobre o privado, sendo no caso, um poder dever, pois deste não pode renunciar, salvo autorização em lei. Maria Sylvia bem esclarece que o princípio da supremacia do interesse público encontra-se presente tanto no momento da elaboração legislativa da lei quanto no momento de sua aplicação. Vincula a Administração em toda atuação, pois a renúncia a este poder só pode ser conferida por lei, a qual, por sua vez, deverá ter sido elaborada em respeito ao referido princípio. Nesta lógica irrefutável, uma lei de transação geral editada sob a égide do princípio da supremacia do interesse público, pode perfeitamente autorizar a Fazenda Pública a renunciar, nas condições estabelecidas, a parte de créditos a que teria direito, como juros de mora por exemplo, em busca de um interesse público maior representado pelo ingresso rápido de recursos provenientes de dividas tributárias objeto de litígio. Atende-se muito mais à supremacia e à conseqüente

indisponibilidade do interesse público quando a Fazenda Nacional, por meio de uma transação legal, puder, nos termos da lei, transacionar sobre parte da dívida, e com isto conseguir ingressos para os cofres públicos, que permanecer amarrada a um dogma de superioridade cega do interesse público e a uma dívida ativa astronômica que não paga as contas do Governo. Crédito tributário inscrito em dívida ativa, sem possibilidade de recebimento devido às delongas de processos judiciais arrastados, não atende a interesse público algum, contituindo meramente atendimento formal ao referido princípio.

Um projeto de lei sobre transação tributária, regulamentando um instituto extintivo do crédito tributário, também estabeleceria normas de cunho administrativo-processual, no entendimento de Onofre Alves Baptista Júnior:

As normas que regem o procedimento e a celebração de transação administrativo-tributária não são normas que disciplinam a instituição de tributos, mas normas do que se pode chamar Direito Administrativo Tributário. Exceto por algumas espécies de transações muito específicas, a transação administrativo- tributária está disciplinada no processo administrativo tributário, sistematizado por um Direito Administrativo Tributário. Não há como tentar enxergar essas manifestações do poder de polícia sob as lentes convergentes do Direito Tributário, uma vez que a disciplina dessas figuras está, por demais, nos domínios do Direito Administrativo. 53

O princípio do interesse público, de forma preponderante, rege o Direito Administrativo Tributário, e, conforme a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, pode-se encontrar amparo para normas relativas à transação tributária, consideradas como integrantes daquele ramo do Direito:

Certos interesses, porém, são considerados de tal forma relevantes para a segurança e para o bem estar da sociedade, que o ordenamento jurídico os destaca, os define e comete ao Estado satisfazê-lo sob regime próprio: são os interesses públicos.

Destarte, ao definir esses interesses públicos, a lei os coloca fora do mercado, submetendo-os, distintivamente dos demais, ao princípio da supremacia, como força jurídica vinculante, e ao princípio da indisponibilidade, em regra, absoluta e, por vezes, relativa.

A indisponibilidade absoluta é a regra, pois os interesses públicos, referidos à sociedade como um todo, não podem ser negociados senão pelas vias políticas de estrita previsão constitucional. A indisponibilidade relativa é a exceção, recaindo sobre interresses públicos derivados, referidos às pessoas jurídicas que os administram e que por esse motivo, necessitam de autorização constitucional genérica e por vezes de autorização legal.

[...]

53 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. Transações administrativas. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2007,

Em outros termos e mais sinteticamente: está-se diante de duas categorias de interesses públicos, os primários e os secundários (ou derivados), sendo que os primeiros são indisponíveis e o regime público é indispensável, ao passo que os segundos têm natureza instrumental, existindo para que os primeiros sejam satisfeitos, e resolvem-se em relações patrimoniais e, por isso, tornam-se disponíveis na forma da lei, não importando sob que regime.

Essa distinção entre as atividades administrativas, com o propósito de definir quais as que se situam ou podem se situar no campo do direito privado, ou seja, naquele em que prevalecem a autonomia da vontade e a disponibilidade, tem sido buscada de longa data no Direito Administrativo. Na esteira da então chamada doutrina do fisco, construiu-se a separação entre atos de império (ou de autoridade) e os atos de gestão, que prevaleceu durante todo o século XIX e, por sua importância, encontrou em BERTHÉLEMY o sistematizador que com ela influenciou durante muito tempo a jurisprudência administrativa francesa.

[...] a teoria dos fins, distinguindo simplesmente os primários dos secundários, parece ainda a mais indicada para definir a existência ou não da disponibilidade administrativa de interesses e de seus correlatos direitos seja por parte do Estado ou de seus delegados.

São disponíveis, nesta linha, todos os interesses e os direitos deles derivados que tenham expressão patrimonial, ou seja, que possam ser quantificados monetariamente, e estejam no comércio, e que são, por esse motivo e normalmente, objeto de contratação, que vise a dotar a Administração ou seus delegados, dos meios instrumentais que os habilitem a satisfazer os interesses finalísticos que justifiquem o próprio Estado.54

A partir do entendimento do autor referenciado, pode-se concluir que os interesses públicos secundários podem ser objeto de transação tributária, nos termos da lei e em conformidade com o CTN.55

Heleno Torres esclarece sobre o dogma nos países ocidentais que se criou em torno do princípio da indisponibilidade do patrimônio público, de maneira que nem o próprio princípio da legalidade, que o sustenta, poderia dispor em contrário. Alerta que tanto o conceito de tributo quanto o de indisponibilidade não possuem uma definição conceitual irrefutável e que não há um princípio universal da indisponibilidade do patrimônio público. Não se trata de conceitos lógicos, matemáticos, mas sim conceitos positivados pelo Direito e variáveis no espaço e no tempo. O que é indisponível ou não depende da norma positiva. A competência tributária de cada ente da federação brasileira, em face da Constituição, é indisponível, mas não o crédito tributário, que pode se tornar indisponível segundo os limites estabelecidos em lei, e acrescenta:

54 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3.ed. Rio de

Janeiro:Renovar, 2007. p. 277-280.

55 MARTINS FILHO, Luiz Dias; ADANS, Luís Inácio Lucena. A Transação no Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas normativas da lei autorizadora. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes;GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no âmbito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 31

No Brasil, onde a Constituição Federal discrimina competências prévias, prescrevendo os tributos que cada pessoa pode criar, isso permitiria vislumbrar uma indisponibilidade absoluta da competência tributária; mas não do “crédito tributário” – previsto em lei – que pode ser disponível para a Administração, segundo os limites estabelecidos pela própria lei, atendendo a critérios de interesse coletivo, ao isolar (a lei) os melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito tributário, bem como de resolução de conflitos, guardados os princípios fundamentais, mui especialmente aqueles da igualdade, da generalidade e da definição de capacidade contributiva. Eis o que merece grande acuidade, para alcançar respostas adequadas aos temas de conciliação, transação, arbitragem e outros pactos na relação tributária, tomando como premissa a inexistência, no direito, de um tal princípio universal de “indisponibilidade do tributo”.

Materialmente, uma transação somente pode prosperar naqueles casos em que se reconheça efetiva incerteza, geradora de litígio, nos quais a Administração, por si própria, reste impedida de alcançar, satisfatoriamente, a um resultado mais compatível com o princípio inquisitório e da verdade material. 56

Conclui o autor afirmando que não há impedimento para estabelecer em lei os melhores critérios para constituição, modificação e até mesmo a extinção do crédito tributário, no atendimento com eficiência do interesse coletivo. Isto inclui os meios de solução de controvérsias, em busca do equacionamento dos princípios da “praticabilidade, economicidade, celeridade e eficiência da administração tributária”.57

O direito administrativo, que permeia toda a atuação da Administração Tributária, desenvolveu-se a partir da passagem do autoritarismo estatal par a democracia. Hoje, verifica- se a constitucionalização do direito contemporâneo nas palavras de Marçal Justem Filho:

Mais uma característica marcante do direito Contemporâneo é a sua constitucionalização. Reconhece-se que o espaço constitucional compreende não apenas a estruturação do poder político e o elenco de direitos e garantias individuais. Muito mais do que isso, a Constituição consagra a supremacia de direitos fundamentais de diversa configuração e os intrumentos destinados à sua efetiva promoção. A Constituição passa a ser compreendida como um projeto de identidade da Nação, em que os cidadãos e o Estado se associam para modificar a realidade e tornar efetivos os valores fundamentais à civilização.58

56 TORRES, Heleno Taveira. Princípios da segurança jurídica e transação em matéria tributária: os limites da

revisão administrativa dos acordos tributários. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes;

GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no direito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 300-301.

57 TORRES, Heleno Taveira. Princípios da segurança jurídica e transação em matéria tributária: os limites da

revisão administrativa dos acordos tributários. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes;

GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no direito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 303.

58 JUSTEM FILHO, Marçal. O direito administrativo de espetáculo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de;

MARQUES NETO, Floraino de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 67.

O autor identifica um descompasso na constitucionalização do direito administrativo, que com isto, fica preso a concepções que remotam a tempos distantes em dessintonia com a evolução da sociedade:

O conteúdo do Direito Administrativo é preenchido por institutos vinculados a concepções políticas de um período distante. Ou seja, o Direito Administrativo continua vinculado a concepções filosóficas, políticas e constitucionais que vigoravam na primeira metade do século XX. A evolução radical do constitucionalismo do final do século XX permanece ignorada pelo Direito Administrativo.

O resultado é que o Direito Administrativo, nos dias atuais, exterioriza-se em concepções e institutos que refletem uma visão autoritária da relação entre o Estado e o indivíduo. A manifestação mais evidente desse descompasso reside na concepção de que o fundamento do Direito Adminsitrativo consiste na supremacia do interesse público. Essa proposta incorpora o germe da rejeição à importância do particular, dos interesses não estatais e das organizações da sociedade.59

A supremacia do interesse público não pode ser colocada, em abstrato frente a qualquer direito dos particulares, pois se confrontaria com a ordem jurídica atual que consagra um conjunto de garantias em favor do cidadão comum. Considerá-la como absoluta, é regredir aos tempos de regimes totalitários, que desconsideram a importância dos direitos humanos frente ao Estado. Não existe um interesse único e unitário, mas diversos interesses que devem ser tutelados pelo Estado, inclusive a dignidade da pessoa humana, cuja proteção deva ser tutelada. Somente diante do caso concreto, quando da aplicação da lei, ou hipoteticamente na sua elaboração, será possível identificar os diversos interesses públicos envolvidos e em caso de conflito, adotar a solução mais compatível.

O Direito Administrativo tem evoluído com a inserção de mecanismos de consenso na atividade administrativa. Citam-se novas fórmulas convencionais para estabelecimento de relações jurídicas entre a Administração e os particulares, tais como: as novas espécies de concessão, patrocinada e a administrativa; os contratos de gestão que alteram a relação hierárquica rígida concedendo maior autonomia nas relações internas com a administração; as audiências públicas que estimulam a participação dos governados; o uso de técnicas para prevenção ou solução de litígios baseadas em acordos a exemplo dos termos de ajustamento de conduta firmados com o Ministério Pùblico (embora não sejam considerados como transação administrativa); a permissão de uso de mecanismos de arbitragem e mediação

autorizados por lei, caso da Lei n° 10.848, de 2004, art. 4°, §6°, e da Lei 11.079 de 2004, art. 11, inciso III.60

Os mecanismos de consenso permitem a democratização da Administração, por meio da participação dos administrados nos atos e pela maior facilidade de controle social das atividades do Estado. Aumenta-se a eficiência e a governança administrativa. 61

O clássico conceito de democracia, sem pretensão de estender a discussão acadêmica, repousa em um conceito político e remete a um método de convivência civilizada, determinando a forma consensual de tomada de decisões e consequentemente o regime de governo, e na ciência jurídica a produção normativa e doutrinária. Na fase atual, devido ao constitucionalismo do direito e à elevação da importância do indivíduo frente ao Estado por uma dita “supremacia dos direitos humanos”, a democracia deve ser entendida dentro de um conceito filosófico como um “conjunto de valores coerentes com a importância e a dignidade da pessoa humana”.62. Este é o sentido substativo de democracia.

Neste contexto de mudanças nos paradigmas do Direito Público, ressalta, Arnaldo Godoy, a opinião de alguns doutrinadores pátrios de relevância acerca da não existência de interesses públicos presumidos ou ilimitados. Estes assim se destacam pela Constituição ou pela lei. A elevação de certos interesses à categoria de públicos e indisponíveis depende de