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TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA NO BRASIL: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS

CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO

1.4. TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA NO BRASIL: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS

A transação tributária está prevista no ordenamento jurídico brasileiro no art. 156, inciso III e no art. 171 do CTN, descritos a seguir:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...)

III - a transação;

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário. Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

A doutrina há muito tempo discute o conceito de transação tributária, sua aplicabilidade às questões fiscais, a possibilidade de uso para solução ou prevenção de litígios, seus limites, a própria constitucionalidade do instituto em face dos princípios inerentes ao Direito Tributário, dentre outros pontos de divergência. Existe uma resistência acirrada em relação à aceitação da migração da transação, nascida no âmbito do direito privado, para o direito público. Os conceitos e os critérios para sua caracterização e validade no direito tributário são praticamente os mesmos utilizados em sua origem, com as adequações necessárias próprias do regime jurídico a que se submete a Administração Pública. Como toda exploração sobre qualquer tema, necessário é, de início, delimitar o seu conceito.

Kiyoshi Harada considera a transação tributária como forma extintiva de obrigações mediante concessões recíprocas, em uma ocorrência de litígio entre as partes, com a existência de ônus e vantagens recíprocas, nos termos do acordo celebrado. Em algumas

35 TORRES, Ricardo Lobo. Transação, conciliação e processo administrativo eqüitativo. In: SARAIVA FILHO,

Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no âmbito

situações, como em processos judiciais no qual a lei faculta o pagamento de multa com 50% de desconto e conseqüente desistência da defesa, não considera o autor, este procedimento como forma de transação, mas sim como um expdiente à disposição do pólo ativo para apenar o princípio da ampla defesa.36

Sacha Calmon entende que, no Direito Tributário, a transação esbarra na indisponililidade do crédito tributário, sobre o qual somente a lei pode dispor, e pelo sistema do CTN, só poderá haver transação terminativa do litígio e não com caráter preventivo:

Transacionar não é pagar, é operar para possibilitar o pagar. É modus faciendi, tem feitio processual, preparatório do pagamento. Por meio de uma transação, muita vez ocorre pagamento em moeda consorciado a pagamento por compensação, a aplicação de remissões e anistias, ou mesmo a dação em pagamento de coisa divers de dinheiro.

O certo é que a transação exige concessões recíprocas, como, v.g., renúncia a honorários. Se apenas uma parte cede não há transação, senão ato unilateral capaz de comover ou demover a outra parte.37

Outro autor que elege a transação com caráter apenas terminativo do litígio é Paulo de Barros Carvalho, na mesma linha doutrinária de Sacha Calmon. Enfatiza que em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público, somente com previsão normativa poderá haver concessões mútuas, corolário da transação:

Os sujeitos do vínculo concertam abrir mão de suas parcelas de seus direitos, chegando a um denominador comum, teoricamente interessante para duas partes, e que propicia o desaparecimento simultâneo do direito subjetivo e do dever jurídico correlato. Mas é curioso verificar que a extinção da transação, quando ocorre a figura transacional, não se dá, propriamente, por força das concessões recíprocas, e sim do pagamento. O processo de transação tão-somente prepara o caminho para que o sujeito passivo quite sua dívida, promovendo o desaparecimento do vínculo. Tão singela meditação já compromete o instituto como forma extintiva de obrigações. Ao contrário do que sucede no direito civil, em que a transação tanto previne como termina o litígio, nos quadrantes do direito tributário só se admite a transação terminativa. Há de existir litígio para que as partes, compondo mútuos interesses, transijam.38

Hugo de Brito Machado também admite a transação tributária somente como forma de extinção de litígio:

36 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 500.

37 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2004, p. 845.

Transação é acordo. Diz o Código Civil que é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígio mediante concessões mútuas (art. 840). É da essência da transação a existência de concessões mútuas. Cada interessado cede um pouco do que entende ser o seu direito, para chegarem a um acordo, evitando o litígio, ou pondo fim a este, seja iniciado.

[...]

Só mediante previsão legal a autoridade competente pode autorizar a transação em cada caso (CTN, art. 171, parágrafo único). E não pode haver transação para prevenir litígio. Só depois de instaurado este é possível a transação. Tanto como no Direito privado a transação é um acordo, que se caracteriza pela ocorrência de concessões mútuas. Mas no Direito Tributárrio a transação (a) depende sempre de previsão legal; e (b) não pode ter o objetivo de evitar litígio, só sendo possível depois da instauração deste.

As razões dessa diferença são bastante simples. Se o agente do Estado pudesse transigir sem autorização legal, estaria destruída a própria estrutura jurídica deste. Por outro lado, não sendo a transação forma comum de extinção do crédito tributário, nada justifica sua permissão a não ser nos casos em que efetivamente exista um litígio.39

Rubens Miranda entende a transação tributária como sendo:

[...] o negício jurídico através do qual, na existência de dúvida razoável sobre as condições da validade da obrigação tributária por inadequação do fato ocorrido à hipótese de incidência, ou do crédito dela decorrente, principalmente quanto a valores que o componham, ocorra uma composição (contrato) entre o fisco e o sujeito passivo através do qual, com a transigência de ambas as partes, seja objetivada a prevenção ou a extinção de litígios, quer administrativos, quer judiciais, evitando-se, como conseqüência, os resultados incertos da lide instaurada ou potencilmente instaurável.40

Interessante a opinião sobre a transação exposta por dois autores que atuam como Procuradores da União e que consideram possível sua aplicação no Direito Tributário tanto em conflitos judiciais como administrativos, a partir de relação jurídica conflituosa:

(...) proposta de um acordo estabelecido pela Administração Pública, com base em uma norma legal, em que se objetiva por fim a um litígio, seja judicial ou administrativo, que verse sobre o pagamento de crédito fiscal envolto em controvérsia.41

Acrescentam que a transação tributária, como instrumento alternativo de composição ou solução de conflitos de natureza, de forma consensual, propicia maior “maleabilidade” a partir de certa discricionariedade conferida à Administração tributária na solução dos

39 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 204. 40 CARVALHO, Rubens Miranda de. Transação tributária, arbitragem e outras formas convencionais de

solução de lides tributárias. São Paulo: Editora Rubens de Oliveira, 2008, pg. 39.

41 MARTINS FILHO, Luiz Dias; ADANS, Luís Inácio Lucena. A Transação no Código Tributário Nacional

(CTN) e as novas propostas normativas da lei autorizadora. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no âmbito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p 20.

conflitos. Ganha-se com a eficácia ao possibilitar a satisfação do crédito tributário, sempre respeitando o interesse público.42

Hugo de Brito Machado ao definir a transação tributária, a considera como um acordo envolvendo concessões mútuas, devidamente autorizadas por lei, e ainda estabelece suas peculiaridades, incluindo a questão acerca da possibilidade da utilização do instituto para prevenir litígio, de forma a não limitar o seu uso apenas na esfera judicial:

[...] para que seja possível a transação no Direito Tributário impõe-setenha sido instaurado o litígio, mas não há de se exigir que este se caracterize pela propositura de ação judicial. Basta que tenha sido impugnado, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, um auto de infração contra o mesmo lavrado. É necessário pelo menos que se tenha estabelecido uma pendência, dando lugar a instauração de um procedimento administrativo a ser julgado pelo órgão administrativo competente.43

A ocorrência da transação tributária depende do consenso do contribuinte, colocando a Administração Pública em situação excepcional, não sendo o ato administrativo decorrente, típico ato unilateral impositivo como os referentes aos tributos e aos procedimentos tributários. Esta questão é discutida na Espanha, e como será demonstrado à frente, há uma certa unanimidade em considerar o ato resultante da transação como preparatório para o ato unilateral da Administração de liquidação e extinção do crédito tributário.

A transação, embora tenha sido arrolada no CTN como causa de extinção do crédito tributário, não o extingue. Este fato só ocorre com o pagamento. Nestes termos preceitua Hugo de brito Machado e também Paulo de Barros Carvalho. O objetivo da transação é dirimir a lide, o pagamento seria sua conseqüência, o que pode de fato não ocorrer, e neste caso, não haverá a extinção do crédito tributário. Paulo Henrique Figueiredo, Promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, Estado que possui lei disciplinando a transação tributária, esclarece a questão:

Geralmente, da transação decorre a extinção da relação obrigacional que acolhia o litígio. Contudo, a extinção obrigacional não constitui o objetivo primeiro da transação, vez que o que há de ficar extinto por este intiuto é o litígio em potencial ou instalado, ou, em termos mais profundos, a incerteza quanto à relação

42 MARTINS FILHO, Luiz Dias; ADANS, Luís Inácio Lucena. A Transação no Código Tributário Nacional

(CTN) e as novas propostas normativas da lei autorizadora. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e arbitragem no âmbito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p 15-42.

43 MACHADO, Hugo de Brito. A Transação no Direito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário.São

jurídica, que albergava prestações opostas. Portanto, com a transação desaparece a própria lide, ou seja, a pretensão resistida, e não necessariamente a relação ensejadora das prestações contrapostas.44

Um exemplo de transação tributária amplamente utilizado é o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), que permite o parcelamento de débitos perante a Secretária da Receita Federal (SRF) e o Instituto Nacional do Seguro Social ( INSS). Não se confunde com o simples parcelamento ou a moratória que têm requisitos e efeitos distintos. Hugo de Brito Machado,45 elegeu a sentença do Juiz Federal Danilo Fontenelle Sampaio, da 9ª Vara no Ceará para caracterização do programa como transação. Além dos pontos destacados pelo ilustre doutrinador, reproduz-se aqui outras partes do julgado pela clareza e pertinência do assunto:

Percebe-se, pois, que para o devedor obter o parcelamento dos seus débitos tributários, tem que, dentre outras condições, confessar ditos débitos, requerendo, consequentemente, a desistência de qualquer ação que os conteste de modo parcial ou integral.

Assim, caso o contribuinte opte pelo Refis e a administração aceite tal propositura, estaremos diante de concessões mútuas entre os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, sendo que o adimplemento do parcelamento acordado terá a ventura de extinguir o crédito tributário em questão. Enquanto tal efeito de transação ocorre, a execução permanece suspensa.

Não é o Refis, pois, simples moratória, como entendem os que se valem de conceitos técnicos mas os interpretam com aprofundamento laminar, vez, que esta, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (ob. Cit. Págs. 290 e 291), é simples dilação do intervalo de tempo, estipulado para o implemento de unia prestação, ou seja, é fator ampliativo do prazo para que certa e determinada dívida venha a ser paga por sujeito passivo individualizado, de uma só vez, ou em parcelas.

Ademais, inobstante a lei que conceda moratória ou autorize sua concessão em caráter individual tenha que especificar, dentre outros requisitos, as condições da concessão do favor (art. 153, II do CTN), a moratória possui apenas o efeito de suspensão do crédito tributário, pelo que se conclui que tais condições não podem incluir a renúncia de direitos ou desistência de ações como previu a Lei 9.964/2000, pois se assim o fosse, ao invés de propriamente “condições“ estaríamos diante de verdadeira ”transação impositiva”, ocasionando efeitos outros não previstos em lei.

O REFIS caracteriza-se como uma transação, que se divide em duas fases, sucessivas, mas independentes: a primeira ocorre quando o contribuinte aceita e satisfaz os termos impostos pela lei, renuncia o direito pleiteado nas ações que discutem a validade do crédito e desiste destas, adquirindo o direito de efetuar o

44 FIGUEIREDO, Paulo Henrique. A transação tributária. Recife: Bagaço: Instituto do Ministério Público do

Estado de Pernambuco, 2004. p. 128-129, apud MACHADO, Hugo de Brito. Transação e arbitragem no âmbito tributário. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco (Org.). Transação e

arbitragem no direito tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte:

Fórum, 2008. p. 111-117.

45 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos doutrinários. O REFIS como Transação. Disponível em:

<http://qiscombr.winconnection.net/hugomachado/conteudo.asp?home=1&secao=2&situacao=2&doc_id=61>. Acesso em: 05 mar. 2012.

pagamento dos seus débitos de forma parcelada e conforme o percentual de desconto estipulados. A segunda é compreendida como a continuidade dessa transação e consiste na efetivação fática do parcelamento deferido, com o pagamento das prestações.46

Paulo Henrique Figueiredo, seguindo a mesma linha de raciocínio do julgado acima e em consonância com o pensamento de Hugo de Brito Machado defende a hipótese de ser realizada a transação tributária quando o sujeito passivo adere ao REFIS:

[...] o REFIS é um pacto de dois sujeitos, um no pólo ativo e outro no passivo da relação jurídica obrigacional tributária, no qual, via concessões mútuas, resolvem-se questões atinentes a crédito tributário exigido, sendo este ato uma transação tributária especial.

A especificidade desta transação, se da por dois motivos: o primeiro decorre da feitura do pacto em si e o seguinte do cumprimento do dever assumido, ou seja, em sua fase inicial, devem as partes proceder a concessões mútuas e assumirem obrigações, notadamente, o pagamento parcelado pelo lado devedor, e no segundo momento com a adimplência do obrigado, haver extinção de sua obrigação tributária. 47

A transação não se confunde com o parcelamento, porque aquela é causa de extinção do crédito tributário conforme art. 156, III do CTN, enquanto que o parcelamento previsto no art. 151, VI, é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário e representa uma mera dilação do prazo para o pagamento da dívida tributária, a qual só é considerada extinta após o adimplemento da última parcela no prazo estabelecido. A respeito, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

1. O parcelamento do débito na execução fiscal implica, tão-somente, a suspensão do processo, conservando-se perene a Certidão da Dívida Ativa a sustentar a execução até que se extinga a dívida, podendo operar-se a continuidade da execução fiscal pelo saldo remanescente, se o parcelamento não restar cumprido integralmente pelo sujeito passivo.

2. A figura do parcelamento não se confunde com a transação extintiva do crédito. A autocomposição bilateral ou transação é forma de extinção do crédito tributário, consoante determina o art. 156, III do CTN, implicando no término do direito da Fazenda Pública de cobrar a obrigação tributária.

3. Considerando que a transação é a forma pela qual as partes previnem ou terminam litígios mediante concessões mútuas, enquanto que o parcelamento é a mera dilação de prazo para o devedor honrar sua dívida, não há que falar em naturezas semelhantes. Ao revés, no parcelamento, a dívida ativa não se desnatura pelo fato de ser objeto de acordo de parcelamento, posto que não honrado o

46 SAMPAIO, Danilo Fontenelle de Sampaio. 9ª. Vara do ceará. Sentença n° 0076/2001. Processo n° 96.40947-

1. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 67. Abril 2001. p. 177-179.

47 FIGUEIREDO, Paulo Henrique. Considerações sobre o Instituto Jurídico da Transação Civil e Tributária.

Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/consideracoes-sobre-o-instituto-juridico-da-transacao-civil- e-tributaria/21567/>. Acesso em:01 mar. 2012.

compromisso, retoma ela o os seus privilégios, incidindo a multa e demais encargos na cobrança via execução fiscal.48