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A problemática inicial da qual esta pesquisa surgiu foi o reconhecimento de laços comunitários existentes entre os ex-moradores da Vila Light. O que chamou particular

101. BOSI. op. cit. pp. 414; 413. 102. Idem, Ibidem. pp. 409-11

atenção em um primeiro momento foi a aparente longa permanência de vínculos identitários em uma comunidade supostamente desterritorializada.

Uma breve consideração sobre o que, em um primeiro momento, considero a desterritorialização dessa comunidade se faz necessária. Os vínculos comunitários identificados nas memórias dos ex-moradores da Vila Light são fortemente marcados por uma profunda identificação com a vila e pelo estabelecimento de uma relação com ela enquanto lugar. Indicativo disso, por exemplo, é a maneira como correntemente os ex-moradores se autodenominaram nos contatos que estabeleci com eles: lighteanos. O termo põe em evidência a relação de pertencimento à Vila Light, ao mesmo tempo em que enfatiza um distanciamento e uma negação do pertencimento a Cubatão103.

Outro ponto que marca fortemente o papel central da vila, como lugar, para a constituição da identidade comunitária desse grupo são as festas anuais realizadas nesse local. Anualmente, no dia 10 de outubro, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE), administradora atual do Complexo Henry Borden, realiza uma festa em comemoração ao aniversário da Usina de Cubatão e em homenagem aos aposentados da(s) usina(s). Embora de caráter institucional, a festa é marcada pela ideia de reunir os “aposentados da Light”. “Light”, nesse caso, toma um sentido diferente do corrente em sentido nacional: não se faz menção à Companhia que construiu a usina e a administrou por várias décadas, mas sim ao espaço industrial localizado no sopé da Serra do Mar, no qual estão instaladas as duas usinas hidroelétricas e a vila operária na qual viveram seus trabalhadores.

O que chama particular atenção no caso da relação dos ex-moradores da Vila Light com a vila enquanto lugar é o fato de que, como comentei anteriormente, o período de habitação na vila era diretamente ligado ao tempo de serviço na Companhia. Assim sendo, o encerramento do vínculo empregatício significava também o encerramento da habitação no

103. O conceito de lugar ao qual estou recorrendo é aquele elaborado pelo geógrafo chinês Yi-Fu Tuan. Frequentemente associado à Geografia Humanística, Tuan possui importantes obras que teorizam sobre a experiência humana no espaço. Para as reflexões aqui presentes, me refiro à obra Espaço e lugar, publicada em 1977, cujo objetivo é investigar a maneira como o ser humano experiência o mundo. Nessa obra, Tuan considerou que “[...] Na experiência, o significado de espaço freqüentemente se funde com o de lugar. ‘Espaço’ é mais abstrato do que ‘lugar’. O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. (...) As idéias de ‘espaço’ e ‘lugar’ não podem ser definidas uma sem a outra. A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço, e vice-versa. Além disso, se pensamos no espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que localização se transforme em lugar”. TUAN, Yi-Fu.

Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: DIFEL, 1983. p. 6.

A Vila Light, tomada nas memórias dos ex-moradores como um local de intimidade e segurança, que resguarda um passado áureo – conforme apresentarei à frente –, enquadra-se, portanto, naquilo que Tuan conceituou como lugar.

local. Os laços comunitários, desta maneira, se estabelecem em torno da experiência de moradia na Vila Light, e parecem se manter mesmo depois de encerrada essa experiência.

O problema levantado para investigação, portanto, foi justamente a compreensão dos elementos que possibilitariam a manutenção dessas conexões por longos períodos. Busquei compreender os elementos que permitem que os ex-moradores se identifiquem uns com os outros e que tomem a Vila Light como um lugar de pertencimento mesmo após seu afastamento espacial da vila e de seus pares. Minha análise se orientou, nesse sentido, para a investigação dos elementos responsáveis por manter a coesão grupal. Privilegiei a memória como objeto de estudo, visto que a mesma se destacou como um elemento de aglutinação, na medida em que as memórias individuais transitavam em torno de pontos comuns.

O fato de os laços comunitários se estabelecerem em redor da experiência de moradia foi explorado nas entrevistas a partir de questões que punham o foco sobre as relações entre os ex-moradores da vila no passado, bem como nos dias de hoje. Objetivava-se, com isso, compreender a permanência do contato com a vila e com seus moradores ou ex-moradores mesmo após o processo de distanciamento físico para com o território.

O relato da Sra. Vera Olcese é bastante expressivo nesse sentido. Dona Vera contou que seu pai foi para a Usina de Cubatão na década de 1920, junto de seus pais que para lá se dirigiram a fim de auxiliar na construção da usina. Vivendo em Cubatão, casou-se com uma habitante da cidade, no ano de 1928 e, juntos, mudaram-se para as casas fornecidas pela Light. Tiveram 6 filhos, sendo Vera a 5ª, e, segundo ela,“todos foram criados lá na Light”. Seu pai era funcionário da Usina de Cubatão, ocupando, ao que tudo indica, cargos de alto prestígio no setor de Operação e viveu na vila da usina até sua morte, no final da década de 1960. Dona Vera, por sua vez, que nasceu no ano de 1943, viveu na vila até se casar, em 1966. Ao fazer 18 anos, em 1961, começou a trabalhar como professora na escola destinada aos filhos de funcionários da usina e, segundo informou, lá lecionou por aproximadamente 9 anos.

Quando perguntada sobre sua relação com a usina, dona Vera afirmou ter grande intimidade com ela e encaminhou seu relato para a descrição dos trabalhos que seu pai realizava no alto da serra e para as amizades que lá ela estabeleceu:

Ah, desde pequenininha [a gente tinha relação com a usina], sabe? A gente chegava a ir na usina. E fazia parte também do serviço do papai, ele controlava, que naquela época não tinha nada pra mandar lá de cima... mensalmente ele ia, também numa caminhonete, e ele me levava e ao meu irmão. Ele subia a serra e ia lá ver o mapa de nível da barragem, então ele ia lá buscar o mapa, conversava com um senhor que era responsável, né, pela barragem, pra controlar o nível, controlar tudo aquilo. E até hoje eu converso no Face com os meninos que são filhos desse senhor, que controlava a barragem, lá. É, somos ainda bem amigos, conhecidos daquela

época. Eu tinha o que? Menos de 7 anos quando eu subia com o meu pai lá [rindo, falando com bastante empolgação]104.

As lembranças de dona Vera, no trecho em questão, tomam um interessante caminho. Iniciam-se pela descrição da relação com o trabalho de seu pai durante sua infância, para então se encaminharem para a figura do funcionário do alto da serra e estabelecer uma relação com o presente através da manutenção da amizade com os filhos do funcionário. De fato, tomado isoladamente o trecho poderia ser meramente uma lembrança do tempo de infância e das amizades que dele permaneceram. No entanto, no conjunto da entrevista, a narrativa parece apontar para o estabelecimento de vínculos profundos entre os moradores da vila. Quando perguntada sobre as relações entre vizinhos, respondeu:

Olha, era todo mundo, era uma família só, né? Porque nós nem porta fechávamos. Eu não me lembro de fechar a porta com chave, que nem a gente tem essa necessidade (...) na cidade grande, né? As portas eram de tela, porque tinha muito mosquito, e eram simplesmente com uma travinha, assim. E assim ficavam. Então as portas nem eram fechadas. E todas as mães cuidavam de todos os filhos que brincavam pela rua afora, assim, quintais, morro. E todo mundo tomava conta de todo mundo, né? (...) todos se davam muito bem mesmo. Era uma comunidade bem atuante entre eles todos.

No trecho selecionado da fala de dona Vera, destaca-se a representação do grupo de moradores como uma única família. Tal representação não apareceu apenas nas memórias dessa depoente. O Sr. Idílio de Souza nasceu em 1935, em Santos, e mudou-se para a Vila Light em 1938, com seu pai, que fora trabalhar na usina. Entre os 14 e os 16 anos, enquanto ainda vivia na vila, trabalhou como office boy para a Companhia. Viveu na Vila Light até 1959, ano em que se casou com uma ex-moradora, dona Odette de Souza.

Quando perguntado se a mudança havia sido positiva, Idílio respondeu que “Foi e não foi. Porque o conforto que a gente tinha lá [na Vila Light], pra onde eu mudei não tinha. De jeito nenhum. A união que havia lá, não é a mesma que em Cubatão. Lá era uma família. Então lá era muito melhor pra gente viver” 105

.

O relato do Sr. Idílio indicou também a existência de vínculos de amizade entre vizinhos. Quando perguntado sobre o lazer na vila, afirmou que as opções de lazer se destinavam majoritariamente aos adultos, durante a noite. De acordo com ele, “Além do baile [semanal], o pessoal ficava jogando carta, dominó, (...) bocha...” em um clube que havia na vila. “Também na casa de um, de outro, jogava-se muito baralho. Meu pai jogava muito baralho, com os vizinhos ali”.

104. OLCESE, Vera. Entrevista concedida a Gabriel Santos. Santos, 23/04/2017. Suporte: Arquivo de áudio. 105. SOUZA, Idílio Carlos de. Entrevista concedida a Gabriel Santos. Santos, 06/03/2015. Suporte: Arquivo de áudio.

Tal como dona Vera, o senhor Idílio destacou em seu depoimento a união dos moradores da vila. Chama também atenção em seu relato a distinção feita entre Light e Cubatão que, novamente, nos faz remeter à concepção da vila como lugar frente ao espaço representado pela cidade de Cubatão. Enquanto Cubatão apareceu como um local pior para se viver, com menos conforto e união – o “espaço”, grande e ameaçador –, a Vila Light foi considerada um local muito melhor para se viver, marcada pelo conforto e pelas amizades – o “lugar”, intimista e seguro. Distinção semelhante pode ser reconhecida nas palavras de dona Vera, que marcou a Vila Light pela segurança e proximidade entre vizinhos, concebendo-a como um espaço familiar em que todos são mães e filhos de todos, em oposição ao que ela nomeou “cidade grande”, marcada pela insegurança e pela imposição de barreiras entre o espaço do lar e o espaço público – visto que, segundo ela, é preciso “fechar a porta com chave”.

A irmã do senhor Idílio, Sra. Ivone Monteiro, nasceu no ano de 1939, na Vila Light, e lá viveu até se casar, em 1960. Logo no começo da entrevista, quando contava sobre a ida de seu pai para a vila e falava sobre o nascimento de vários irmãos seus na vila, dona Ivone disse:

Eu tenho muita saudade e tenho (...) muito vivo as lembranças de quando eu morava lá na... eles chamavam de Ilha, né? Umas casinhas que eram todas grudadinhas uma na outra e... perto do canal. (...) Eu acho que a época que mais me marcou foi essa. Embora fosse uma família bem grande, a gente passava bastante dificuldade, por ser uma família grande, papai ganhava pouco, naquele tempo mulher não trabalhava fora. (...) Eu acho que, pra mim, a época que me marcou mais foi lá, lá na Ilha, a gente chamava de Ilha, né? Porque nós passamos muita dificuldade, como eu falei, mas a gente era muito feliz. Porque era uma família grande, todo mundo ali se conhecia. Uma família se doía pela outra. Havia uma rivalidade pequena entre Light e Fabril por causa de jogo, jogo de futebol. Então, a gente, nessa hora é que a gente via a união da... da família Light. Lighteana. Da família lighteana. Então, nós éramos muito unidos. Um brigava pelo outro. Uma família brigava pela outra se fosse preciso. Por isso que eu falo: me marcou muito106.

O relato de dona Ivone apontou, com veemência, para a existência de laços de amizade e solidariedade entre vizinhos. Tal como nos relatos da Sra. Vera e do Sr. Idílio, o relato de dona Ivone apresentou a imagem do grupo de moradores da vila como uma família e defendeu a ideia de que uns cuidavam dos outros. Talvez essa ideia tenha sido apresentada por Ivone com maior intensidade que a dos outros entrevistados, pelo movimento que sua narrativa fez: a família sanguínea, pobre e muito numerosa, repentinamente se transformou, no relato, na

106. MONTEIRO, Ivone. Entrevista concedida a Gabriel Santos. Cubatão, 20/04/2017. Suporte: Arquivo de áudio.

enorme família de moradores. O tamanho da família, que no caso da consanguinidade significava pobreza, se tornou um elemento de força107.

No relato do Sr. Idílio, apesar da indicação de relações de amizade entre vizinhos e do reforço da ideia da comunidade de trabalhadores como uma família, há uma diferenciação em relação ao relato da Sra. Vera nos comentários referentes à manutenção de relações com os moradores do local após a saída da vila. O Sr. Idílio disse que, após ter deixado a vila, não manteve vínculos com o local. Ia apenas à casa de seu pai, tendo pouco contato com os demais moradores. Dona Vera, por sua vez, quando perguntada sobre o assunto disse:

Meus pais ainda continuaram morando lá na vila, né? E eu continuei ainda, um pouco, trabalhando na vila, mesmo casada. Depois é que eu fui trabalhar em Cubatão. E sempre, sempre [mantive contato] com todo o pessoal. Nós nos damos muito bem. (...) Elas até fazem encontros aí, uma festa uma vez por ano, um jantar. A gente procura ir, a turma toda no Face, sabe? É gostoso, porque até hoje nós nos encontramos, (...) Aquelas amigas minhas mesmo, até hoje nós nos encontramos... E continua. Continua uma amizade, assim, como se fosse de parentesco, de uma família de escolha, né.

Outro entrevistado que, à semelhança do Sr. Idílio, negou a manutenção de laços comunitários foi o Sr. Manoel Pinheiro. O Sr. Manoel nasceu em 1934, em Portugal, e aos 19 anos imigrou para o Brasil. Começou a trabalhar na Usina de Cubatão em 1955, em uma empreiteira, como garçom, e, após 1 ano, conseguiu ser admitido no quadro de funcionários da São Paulo Light como faxineiro. Dentro da Companhia, ascendeu, chegando ao setor de operação. Trabalhou no Complexo Henry Borden até 1985, quando se aposentou. Quando questionado se ainda se encontrava com os antigos moradores nos dias de hoje, o Sr. Manoel respondeu:

Não, a gente encontra nas festinhas, festinha agora que a gente encontra. Mas um tá em um canto, outro tá no outro, outro tá em outro. Agora morreu, morreu um... que trabalhava com a gente na Usina, morreu agora, tem um mês mais ou menos, o enterro foi lá em Cubatão. Antes já tinha perdido outro, também, que também era da área de controle também. Já morreu. Agora tem mais... Morreu um da parte elétrica, tem outro doente, também, tá no estado de coma, também... Um que era da mecânica também. Tá no Facebook, (...) o filho tá pedindo pra rezar pra ver se melhora. 108

A narrativa do Sr. Manoel é fortemente marcada pelo sofrimento e pela presença da morte. Nesse sentido, a velhice e os problemas de saúde enfrentados no tempo presente

107. Cabe notar que as associações entre a dificuldade e a felicidade da infância apareceram em depoimentos e comentários de diversos ex-moradores da vila. Essa associação parece surgir da necessidade dos depoentes de buscar por alguma coesão biográfica. Ao buscarem construir narrativas sobre si em um presente vazio de sentido, muitos depoentes descreveram o passado como melhor que o presente e tentaram atribuir um sentido positivo a memórias dolorosas ou difíceis.

108. PINHEIRO, Manoel Soares. Entrevista concedida a Gabriel Santos. Santos, 07/03/2015. Suporte: Arquivo de áudio.

desempenham um papel importante na orientação das memórias sobre a vida na vila. A decadência do presente orienta o olhar para o passado, o qual mescla o sofrimento enfrentado em sua vida no Brasil, o orgulho de suas conquistas e as alegrias vividas na Vila Light:

[...] eu sofri muito, que eu vim sozinho, com 19 ano pra cá sozinho, e não tinha ninguém. Um lugar estranho e não tinha ninguém conhecido, não tinha ninguém, né... Falecido tio meu aqui também não tinha confiança com ninguém, (...) não tinha filhos, não tinha nada, não era casado, só tinha amigas, toda a vida tinha amigas. Quer dizer: é um problema. Mas eu sempre fui vencendo, aos pouquinho fui vencendo, até hoje.

Apesar de as memórias de Manoel serem profundamente marcadas pelo sofrimento e pelo encerramento dos vínculos com os ex-moradores da vila, em alguns momentos do depoimento ele também apontou para um passado glorioso vivido na Vila Light. Esse apontamento, se não foi feito pela identificação da comunidade com uma família, o foi pela representação da vila como um paraíso. Quando perguntado se a vila, na época em que lá viveu, era muito diferente do que é hoje, o Sr. Manoel respondeu:

Ah, era! Era porque tinha mais respeito. Tinha mais respeito. Todo mundo respeitava uns aos outros. Era uma cidade ali. Era uma cidade muito linda. (...) ninguém ficava fazendo briga, criando briga... (...) Era tudo de bom. A família toda que passou o mesmo tempo que eu passei, era tudo família boa. O pessoal ficava, vinha ficava dentro de casa, ou ficava jogando bola, ficava fora de casa batendo um papo, (...) sabe como é que é?

O relato do Sr. Manoel revela as incongruências do lembrar que, ao mesmo tempo, lamenta e celebra, sente rancor e saudade. Isso se deve, ao menos em parte, ao fato de a memória ser simultaneamente espontânea e seletiva. Se, por um lado, o pesquisador fornece estímulos ao entrevistado e encaminha seu processo de lembrança, por outro, as memórias despontam de forma espontânea e, consequentemente, sem um necessário ordenamento. Sentimentos distintos e, muitas vezes, confusos e conflitantes surgem, em diferentes momentos da entrevista. O lembrar é vacilante e parcialmente desordenado. Parcialmente porque, se parte das lembranças surge de forma espontânea, conforme o próprio entrevistado se ouve e imerge em um processo de rememoração, ocorre também um esforço de lembrança e de busca de informações e experiências perdidas.

A narrativa oral dos Sr. Manoel revela esse duplo movimento. De um lado, há um caráter desordenado, fruto da espontaneidade de seu relato. De outro, um caráter ordenado: o entrevistado realiza um esforço de rememoração em razão dos estímulos feitos pelo entrevistador e busca responder aos anseios daquele que lhe pergunta. Desse modo, ele pode selecionar e omitir certas memórias ou forçar a narrativa de forma a responder aquilo que considera ser o interesse do entrevistador. Essa tensa e confusa relação entre ordem e desordem é fruto do fato de que a entrevista se estabelece sempre como diálogo, sendo o

entrevistado capaz de compreender o entrevistador e fazer suposições sobre seus interesses, encaminhando sua narrativa de forma a responder a eles ou a deles se esquivar109.

A pergunta sobre a existência, ou não, de diferenças entre a situação da vila na época em que o entrevistado nela viveu e sua situação nos dias de hoje foi frequente nas entrevistas. As respostas apontaram majoritariamente para uma demarcação entre um passado áureo e um presente decadente, como no caso das memórias do Sr. Manoel. De modo semelhante, o ex- morador N. G. marcou precisamente uma diferença entre a experiência aprazível de viver na vila, no passado, e sua degradação no tempo presente. N. G. começou a trabalhar na Usina de Cubatão em 1963. De início, morou na pensão para solteiros. Entre 1970 e 1971, ganhou uma casa, para viver com a esposa. O entrevistado disse que tanto a pensão quanto a casa eram boas e, em relação à vila, afirmou que era

“gostoso de morar lá. Pô, lá é um espetáculo! Assim... todo mundo tivesse uma vila residencial igual aquela lá, viu? [...] Ó, aquela vila lá, o pessoal ficava de bobeira. Pô, quem te viu e que, te vê! A vila hoje, infelizmente, tá abandonada, aquelas casas eram tudo bem arrumadinha, tudo tinha é... empresa de jardinagem, né, que cuidava daquele jardim, cuidavam de campo de futebol. Ah, hoje em dia acho que já