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I. ETIOLOGIA DAS DOENÇAS

II.1 As religiões do Brasil: além dos números

O Brasil já foi um país essencialmente católico. Dados censitários de 1940 demonstram que 95,2% da população brasileira já foi declarada católica um dia. Não alheio às transformações culturais, ao processo de secularização e ao direito de liberdade religiosa, o Brasil assiste desde então o declínio do número de católicos e, não menos importante, a um aumento do número de evangélicos. A comprovação empírica de tal afirmação é obtida através dos dados censitários de 2000 publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais demonstram uma redução constante da proporção de católicos na população brasileira.

Uma análise quantitativa dos dados apresentados na Tabela 1 mostra que a população brasileira continua sendo predominantemente cristã. No censo de 1940 os cristãos totalizavam 98% e, no censo de 2000 somavam 89% da população residente, cerca de 152 milhões de pessoas de um total de 170 milhões. Portanto, falar em pluralismo religioso no Brasil pode soar deveras incoerente. Todavia, para compreender

o quadro religioso brasileiro, há que se fazer certas considerações de caráter qualitativo nos números apresentados pelo censo, caso contrário, as análises meramente quantitativas levarão a conclusões dispares da realidade brasileira.

Tabela 1 – População residente segundo a religião – Brasil***

Religião 1940** 1980* 1991* 2000* Católica 95,2 89,2 83,3 73,7 Evangélica 2,6 6,6 9,0 15,4 Espírita 1,1 0,7 1,1 1,4 Afro-brasileiras - 0,6 0,4 0,3 Outras religiões 0,8 1,3 1,4 1,8 Sem Religião 0,3 1,6 4,8 7,4 Total 100% 100% 100% 100% Fontes:

(*) PRANDI, Reginaldo – Segredos Guardados: Orixás na alma brasileira (**) CAMARGO, Cândido P.F. – Católicos, Protestantes, Espíritas (***) Não inclui religião não declarada e não determinada.

Primeiramente, deve-se levar em conta que cada uma das religiões destacadas pelos censos nacionais se distingue por um patrimônio cultural, unidade doutrinária, formas de organização institucional e eclesiástica próprias. Entretanto, com o decorrer dos anos surgem ocasionalmente instituições religiosas, calcadas no mesmo referencial histórico-cultural das formas ditas ortodoxas, que se diferenciam das formas vigentes mediante a agregação de conteúdos sincréticos que atendam as situações sociais emergentes. Ao captar esses dados e agrupá-los para fins de interpretação, tende-se a agrupar sob uma mesma rubrica as religiões ortodoxas e todas as demais formas derivadas da primeira. Assim, na rubrica Evangélicos, por exemplo, tem-se uma ampla gama de igrejas e congregações protestantes que se diferem muito uma das outras. Soma-se na mesma linha os números de fiéis de igrejas de cunho histórico (advindas da Reforma Protestante do século XVI) com os números de fiéis das igrejas neopentecostais tão presentes nas áreas populacionais de mais baixa renda. Quanto ao catolicismo, deve-se levar em consideração que há muitas maneiras de interpretá-lo, pois comumente se escutam vários títulos para definir o grau de participação e pertença de seus membros, tais como: católico praticante, católico carismático, católico popular

dentre outros. Vale ressaltar que em oposição ao termo católico praticante existe o termo católico não-praticante, o qual é utilizado para designar os indivíduos que, apesar de freqüentar cerimônias religiosas de casamentos, funerais e batizados e declarando-se católicos, não tomam parte regularmente de ritos (por exemplo, a missa aos domingos). Esses católicos muitas vezes desconhecem partes importantes da própria religião e quase sempre discordam dos ensinamentos morais da Igreja quando estes não estão adaptados às tendências do mundo contemporâneo como o relativismo cultural e a liberalidade sexual. Em síntese, embora exista uma grande diferença entre se declarar católico e manter uma prática católica, os censos nacionais não fazem tal distinção ao indagar ―Qual é a sua religião?‖ durante a coleta dos dados censitários.

Em segundo, não se pode ignorar que preconceitos de classe e raça, cujas raízes históricas são bastante profundas, exerçam influencia na resposta concedida ao agente censitário. O catolicismo já foi a única religião tolerada no país e a fonte básica de legitimação social, portanto, não seria de se espantar que indivíduos pertencentes e praticantes de outros credos se auto-afirmem católicos, mesmo que o catolicismo tenha perdido sua condição de religião oficial após o advento da República e a liberdade de escolha religiosa faça parte da vida do brasileiro. Essas considerações têm impacto sobre os números apresentados na rubrica das religiões afro-brasileiras (candomblé e umbanda), as quais ainda sofrem agressões e estão sujeitas a fortes preconceitos. A subestimativa das religiões afro-brasileiras, muitas vezes, deve-se também ao fenômeno da dupla pertença e ao sincretismo religioso. Muitos praticantes dessas religiões se declaram católicos porque freqüentam também ritos católicos, visto que desde o início as religiões afro-brasileiras se fizeram sincréticas, mediante o paralelismo entre divindades africanas e católicas, a adoção do calendário de festas católicas e a valorização da freqüência aos ritos e sacramentos da igreja católica. Seguindo a mesma linha de pensamento, a umbanda, a qual é uma síntese do candomblé com o espiritismo kardecista, assiste muitos dos seus integrantes se declararem espíritas, por exemplo. Em linhas gerais, pode-se afirmar que muitos praticantes das religiões afro-brasileiras estão escondidos nas rubricas ―católicos‖ e ―espíritas‖ do censo.

E finalmente, em terceiro lugar, há que se considerar a parcela da população que alega não possuir religião. Essa parcela da população tem crescido ao longo dos anos, passando de apenas 0,3% em 1940 para 7,4% em 2000. A categoria ―sem religião‖ é bastante ambígua, pois essa categoria engloba ateus, agnósticos e indivíduos que não possuem nenhum vínculo com as instituições religiosas tradicionais. O fato de um

indivíduo não possuir vínculo com instituições religiosas não significa que o mesmo não tenha religiosidade ou crença religiosa. De acordo com Carranza10, esse tipo de

comportamento é denominado ―desinstitucionalização‖11 e resulta do individualismo

exacerbado promovido pela sociedade de consumo contemporânea. Dessa forma, o aumento dos ―sem religião‖ pode ser compreendido tanto como um indicador de desinteresse pelo vínculo com instituições religiosas como evidência de certo grau de ateísmo da população brasileira.