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I. ETIOLOGIA DAS DOENÇAS

III.2 As interpretações religiosas das doenças

III.2.1 Catolicismo: as doenças sob a ótica bíblica

III.2.1.3 Saúde e fé cristã: o advento da RCC

Os textos bíblicos não estão interessados na doença pura e simplesmente. Estão mais interessados nas experiências existenciais associadas com a doença. Esses textos retratam a angústia provocada nas pessoas pelas doenças, o sofrimento físico e as conseqüências decorrentes do isolamento social. Em resumo, tratam mais ―do estar doente‖ do que da doença. Essa diferenciação é importante porque a angústia provocada pela doença é um critério essencial na afirmação: ―Estou doente!‖. Isso porque a essência da doença é a angústia, a qual leva o indivíduo a solicitar ajuda. O pedido de ajuda permite que a atenção seja dirigida não mais à doença em si, mas ao indivíduo doente. A pessoa como um todo entra em perspectiva e; a doença passa a ser vista como um fenômeno com várias dimensões, representando ao mesmo tempo um evento físico e espiritual, que em sua complexidade traz à tona a questão do sentido.

A doença vista como uma ameaça à vida pode ser vivenciada como a proximidade do fim de uma história de vida, como uma desgraça predestinada, como obra do acaso etc. Seja qual for a forma de experimentá-la, a questão do sentido

ocasionalmente aparece. Nos textos bíblicos são feitas várias tentativas de se responder a essa questão do sentido, um sentido que torne o sofrimento suportável. Se por um lado, quando a doença é associada à ação de demônios e deuses, pode-se afirmar que na verdade trata-se de uma tentativa vã dos indivíduos em explicar e compreender aquilo que carece de sentido. Por outro lado, há que se reconhecer que essa interpretação oferece aos indivíduos a possibilidade de combater a doença, mesmo que seja através de rituais mágicos de eficácia dúbia. Já se a doença é considerada uma punição para os pecados, assinala-se um particular entendimento da natureza da saúde. Saúde não é apenas integridade física, pois envolve a moral individual e o estado das relações entre o fiel e seu Deus. A doença, então, indica um distúrbio que extrapola as condições físicas do indivíduo. Porém, apesar dessas interpretações apresentarem esses aspectos positivos, suas conseqüências também podem ser danosas. Por exemplo, se as doenças são uma punição para os pecados, pode-se facilmente condenar a pessoa doente e relegar-lhe a solidariedade necessária em decorrência de seu sofrimento.

Talvez, cientes das conseqüências negativas dessas interpretações, os autores da Bíblia buscaram expandir as interpretações religiosas do sentido das doenças. Tomemos por exemplo o livro de Jó, no qual a doença (e o sofrimento, de uma forma mais geral) é retratada como uma provação da fé, um teste da devoção. Não obstante, outra crítica pode ser feita à esse tipo de interpretação. Trata-se do risco do indivíduo aceitar e render-se à sua doença, adaptando-se a viver em estado enfermo em nome de uma suposta vontade divina, seja por provação ou por punição. É como se a doença passasse a ter direitos sobre o indivíduo por estar associada à um ser divino. Assim não é de se surpreender que no Novo Testamento, por sua vez, Jesus não tente convencer os doentes de que sua doença tem um sentido particular, as narrativas mostram que ele simplesmente as cura. Aparentemente, ele procedia de tal maneira para anunciar a chegada do reino de Deus e assim atestar que a cura não significava apenas a recuperação da saúde. A cura, para Jesus, significa o fim do poder de Satanás e da morte e, indiretamente, o fim do poder da doença sobre os indivíduos. Assim, nas narrativas sobre os milagres de Jesus, não se encontram alusões à aceitação e tolerância aos estados mórbidos tampouco quanto à aceitação das interpretações tradicionais; ao contrário, o exorcismo aparece como a batalha contra poderes anti-divinos e as terapias como meios de expressão de um novo poder que tornava a vida saudável possível. Assim, para os cristãos, o Evangelho visa mostrar que uma interpretação do sentido das doenças só faz sentido se ajudar os doentes a lidarem individualmente e socialmente

com sua doença e; desta maneira, o sentido da doença passa a ser simplesmente a superação desse estado.

Ademais, para os cristãos, o encargo de sua religião foi definido logo em seus primórdios quando ―Jesus convocou os Doze, e lhes deu poder e autoridade sobre todos os demônios e lhes concedeu curar as doenças. E os enviou-os a proclamar o Reino de Deus e fazer curas‖ (Lc 9: 1-2). Não obstante, devido aos avanços das ciências, principalmente da medicina, a Igreja Católica limitou-se a ter compaixão e solidariedade para com os doentes, deixando claro que não se aventuraria nas áreas agora sob domínio da medicina moderna. Talvez insatisfeitos com esse papel da Igreja Católica renovada, surgiram movimentos e grupos no interior da Igreja Católica fortemente ligados de alguma maneira à renovação no Espírito Santo. Esses grupos, notadamente a Renovação Carismática e os protestantes, retomam o mandamento evangélico de curar os doentes. Acreditam, tal como está escrito em Marcos 16: 17-18, que aqueles que forem batizados e crerem em Cristo poderão ―expulsar demônios em seu nome, falarão novas línguas‖ e que ―quando colocarem as mãos sobre os doentes, estes ficarão curados‖. Tudo isso se deve à aceitação dos dons concedidos pelo Espírito Santo, os quais são pormenorizados em Coríntios I 12: 7-11. A liturgia, desses grupos, nem sempre isenta de excessos e confusão doutrinal, é calcada na virtude curativa da fé e, embora, aleguem que seu alvo seja a ―cura interior‖, a possibilidade de cura física não é excluída.