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I. ETIOLOGIA DAS DOENÇAS

II.2 Catolicismo no Brasil

II.2.2 O declínio

Lia-se no quinto artigo da Constituição Brasileira de 1824: ―a religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem

16 CÂMARA NETO, Isnard de Abulquerque. Artigo eletrônico da revista de antropologia ―Os

forma alguma exterior de templo‖17. Com isso o imperador D. Pedro I adotou o

catolicismo como religião oficial do país. Os dados do último recenseamento demográfico realizado pelo IBGE mostram que aquela que já foi a religião oficial do Brasil continua sendo, em números absolutos, a religião da maioria dos brasileiros. Em 1991, de acordo com o IBGE, 122 milhões de pessoas se declaravam católicas. Uma década depois, os católicos ainda representavam quase três quartos da população brasileira (125 milhões de pessoas). Esses dados mostram que o número de adeptos do catolicismo continua crescendo, porém, a taxas inferiores à do crescimento populacional. Isso inevitavelmente levou à redução da proporção de católicos na população brasileira. Em 1940 a população brasileira era de 41 milhões de pessoas e 95%, desse total, eram católicos, já em 2000, o Brasil contava uma população de 170 milhões de indivíduos, sendo que apenas 73% desses assumiam a confissão católica. O incremento populacional nesse período foi equivalente a 129 milhões de pessoas, porém, apenas cerca de 67% desses indivíduos (86 milhões de pessoas) aderiram ao catolicismo. Os demais (43 milhões de pessoas) foram engrossar principalmente o saldo das rubricas dos evangélicos e dos ―sem religião‖.

Os censos, realizados a intervalos regulares de dez anos, revelam o declínio paulatino da proporção de católicos na população brasileira. Segundo Pierucci (2004), à medida que uma sociedade se moderniza, o declínio das religiões tradicionais majoritárias é inevitável e, por conseguinte, a sociologia da religião no Brasil tornou-se uma ―sociologia do catolicismo em declínio‖. Se por um lado a redução demográfica do catolicismo não causa mais surpresa (ou pelos menos não deveria), por outro lado causa espanto o fato dessa queda no número de adeptos ter se acelerado nas últimas décadas do século XX. Entre 1940 e 1970 a redução no percentual de católicos foi de apenas 4,1%, passando de 95,2% da população residente para 91,1%. Em 1980 esse número cai para 89,2% e na década seguinte a queda dispara e atingi o patamar de 83,3%. E finalmente, em 2000, despenca para 73,7% (uma queda de quase 10% em apenas uma década). No último decênio do século XX, pari passu, há um crescimento extraordinário do número de evangélicos e do grupo dos ―sem religião‖. Uma análise mais detalhada, feita no tópico a seguir, irá abordar os prováveis fatores responsáveis por esse aumento na categoria dos evangélicos.

17 Conforme texto extraído da Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Disponível em:

Além da crescente ―destradicionalização‖18, em termos religiosos, da sociedade

brasileira, é impossível não notar o crescimento da categoria dos ―sem religião‖. O crescimento desse grupo pode ser atribuído a dois fatores bem distintos. O primeiro fator que poderia explicar esse aumento é o fenômeno de ―desinstitucionalização‖ e, o segundo fator, é o aumento do grau de ateísmo da população brasileira, o qual estaria sendo promovido pelo processo de secularização da sociedade. Os dados apresentados na tabela 5, mais à frente, nos fazem crer que o primeiro deve prevalecer sobre o segundo, visto que 89,7% dos indivíduos sem religião, entrevistados pelo Instituto Gallup em 1988, afirmam acreditar em Deus. Mais de 50% dos entrevistados que declararam não possuir religião, nessa mesma pesquisa, acreditavam na existência de um paraíso no céu, bem como na vida após a morte. Deixando de lado o fato da categoria dos ―sem religião‖ ser bastante questionável, em decorrência das limitações que um censo nacional encerra, este grupo apresenta um crescimento invejável se comparado com as demais categorias utilizadas nos recenseamentos demográficos do IBGE. Passando de insignificantes 0,2%, em 1940, para 7,3% em 2000. E tal como ocorreu com a rubrica dos evangélicos, seu crescimento acelerado processa-se justamente no período em que se acentua a queda do catolicismo.

Se o declínio do catolicismo é inexorável, visto que processo de secularização impõe a todas as religiões a ótica de mercado, cabe a pergunta: será que o Brasil deixará de ser um país majoritariamente católico nas próximas décadas? Em termos econômicos, a religião nos dias atuais é um assunto de ―escolha‖ ou ―preferência‖ do indivíduo ou de um núcleo familiar ipso facto carece de obrigatoriedade, em outras palavras, um indivíduo pode decidir que religião quer ―comprar‖. Se as instituições religiosas convivem com a dinâmica de preferência do consumidor, a priori, é de se supor que deveriam levar em conta os desejos dos seus potenciais consumidores ao ofertarem seus bens religiosos. Não obstante, o catolicismo vivenciou uma era de monopólio e talvez não tenha vislumbrado com clareza esse ambiente plural e competitivo contemporâneo. O tradicionalismo religioso, expresso em diversos dogmas católicos, conspira contra as mudanças sugeridas pela preferência dos consumidores secularizados; embora, deva-se ressaltar que isso não significa que os conteúdos

18 O processo de destradicionalização é uma fase em que os costumes e valores de uma tradição são

submetidos a uma reflexão crítica radical. Estes valores são postos à prova e, de acordo com sua validade social e cultural, são aprovados ou não pelos sujeitos. Esse fenômeno traz consigo as seguintes conseqüências: a necessidade de (re) construção da identidade pessoal; relações e comunidades que se gestam muito mais pela afinidade do que pela proximidade física ou determinação canônica; busca de novos caminhos para a experiência religiosa.

religiosos não estejam suscetíveis a ligeiras mudanças. O que não se pode predizer é a direção dessas mudanças nem o tempo decorrido até que sejam de fato incorporadas. As pressões externas podem, de igual maneira, gerar ou um afrouxamento ou um recrudescimento das heranças confessionais. Seja qual for a direção dessas mudanças, estima-se que o catolicismo no Brasil ainda contabilizará perdas no número de adeptos tendo em vista que os vínculos institucionais estabelecidos com seus fiéis são muitos tênues.

A fraqueza desse vínculo deve-se ao fato do catolicismo ser uma religião que não é seguida à risca pela maioria dos seus adeptos. Quando o vínculo institucional é fraco e quando o processo de iniciação (no caso do catolicismo, o batismo) demanda pouco esforço, nada impede que o indivíduo venha a aderir a outro credo, pois economicamente há pouco ou nenhum custo envolvido na troca. A ―compra‖ de um bem religioso pressupõe a subordinação do indivíduo a todo um arcabouço dogmático e ideológico, o qual é promovido e propagado pela instituição religiosa que o tenha ofertado. Tal subordinação é observada no catolicismo em diferentes graus de intensidade e, para a maioria dos adeptos, os sinais de subordinação são baixíssimos. Em uma pesquisa de opinião do Datafolha, publicada no jornal Folha de São Paulo de 06/05/07, 61% dos entrevistados concordaram com a afirmação ―os católicos não praticam sua religião‖ e, talvez mais surpreendente, seja o fato de 58% dos católicos entrevistados também concordarem com tal afirmação. Adicionalmente, essa pesquisa, constatou que somente 9% dos católicos entrevistados mudaram algum hábito ou deixaram de fazer algo por causa de sua religião, enquanto, por exemplo, 54% dos evangélicos pentecostais responderam ―sim‖ à mesma indagação. Esses dados mostram porque é tão comum haver divergências de opiniões, polêmicas e discussões provocadas pelos discursos eclesiásticos católicos tanto no ambiente interno como externo da religião e, sobretudo, mostram como é fácil para um católico oscilar entre as categorias ―católico praticante‖, ―católico não praticante‖ e ―sem religião‖ (subentenda-se indivíduos que embora apresentem crença religiosa recusam-se a assumir publicamente vínculos com quaisquer instituições religiosas).

Em seu artigo ―É fácil ser católico‖ (Folha de São Paulo – 06/05/07), Pierucci afirma que o fato do catolicismo demandar pouco ou nenhum esforço de seus fiéis responde por parte de sua força. Há que se anuir com tal afirmação, com base no que já foi exposto, pois bem se sabe que as bênçãos e perdões para os católicos são inesgotáveis e independem dos níveis de contribuição ou méritos individuais. Tal

comodidade é prerrogativa somente dos católicos, os quais por meio do sacramento da confissão recebem perdão por aqueles pecados cometidos após o batismo. Após a confissão, além da contrição, cabe ao fiel o cumprimento de uma penitência que envolve certas preces ou outros atos determinados pelo sacerdote com a intenção de fazer expiação de todos os males cometidos. Uma diferença que merece menção entre os católicos e os evangélicos é a forma como se processa a confissão. Enquanto para os evangélicos a confissão é pública, no catolicismo a confissão é privada e velada. Isso é importante porque através dos ―testemunhos‖ (confissões públicas) a comunidade evangélica ajuda a controlar o comportamento desviante dos seus membros, pois tem ciência dele. O mesmo já não ocorre no catolicismo, onde praticamente inexiste mecanismos de sanção negativa que, por ventura, poderiam impedir ou coibir a reincidência de comportamentos desviantes. Essa característica complacente do catolicismo serve de atrativo e talvez explique porque é pouco provável que se assista a mudanças drásticas no quadro religioso atual. As perdas de contingente católico, sabendo-se que o fraco vínculo institucional os torna mais suscetíveis aos efeitos da propaganda das demais religiões existentes, estarão assim condicionadas principalmente à disposição de seus adeptos em trocar essa cômoda situação por maior rigor e submissão a pressupostos religiosos.

Flávio Pierucci (2004), com base em suas análises do censo 2000, aponta que em alguns estados brasileiros (Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Espírito Santo) a proporção de católicos encontra-se entre 50% a 60% da população desses estados. Sem fazer quaisquer considerações, o referido autor então conclui que isso indica que os dias do catolicismo como religião majoritária, em um ―bom número‖ dos Estados brasileiros, estão realmente se esgotando. Não acredito porém que a situação particular de nenhuma unidade federativa brasileira, cujas características socioeconômicas são bastante distintas de uma para outra, permita esse tipo de generalização. Além do mais, referir-se a quatro Estados, de um total de vinte e sete unidades federativas, por meio da expressão ―bom número‖ configura-se um exagero. Seria demasiado reducionismo julgar que uma estatística regional seja capaz de predizer tendências aplicáveis ao âmbito nacional em um país tão enorme e com tantos contrastes como o Brasil. Acredito, porém, que talvez os estados mencionados mereçam, dependendo do interesse de outros/as pesquisadores/as, um estudo que revele os fatores que conduziram a perdas mais acentuadas no número de católicos nesse período em comparação com os demais Estados.