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2. IMPORTÂNCIA TEÓRICA E PRÁTICA DA ADOÇÃO PELA

2.2. Contribuição da “doutrina crítica” ao princípio da supremacia do interesse

2.2.1.2. Posicionamento de Alexandre Santos de Aragão

Alexandre Santos de Aragão inicia sua exposição lembrando que “as concepções anglo-saxônicas e européias de interesse público sempre foram bastante distintas”265. E dispõe, a propósito, que “enquanto nos EUA e no Reino Unido o interesse público era considerado intrinsecamente ligado aos interesses individuais (satisfação dos indivíduos = satisfação do interesse público)”, de forma diversa, “nos Estados de raiz germânico-latina o interesse público era considerado superior à mera soma dos interesses individuais, sendo superior e mais perene que eles”, e por isso “era protegido e perseguido pelo Estado, constituindo o fundamento de um regime jurídico próprio, distinto do que rege as relações entre particulares”266.

Segundo Aragão, a “evolução liberalizante do Estado, combinada com a visão de um Estado cada vez mais garantidor, não limitador, de direitos fundamentais, está fazendo com que a noção européia de interesse público esteja se aproximando daquela anglo- saxônica”267. Assim, “de uma disciplina de autoridade, que pressupunha uma relação vertical entre Estado e cidadão (‘administrado’), orientada à persecução de objetivos

contrarie essa ‘carga’, na prática, ela é tranquilamente aceita por todos; negá-la é atentar contra o bom senso” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 52).

264 ÁVILA, Humberto. Repensando o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, cit., p.

215.

265 ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na

Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo, cit., p. 03.

266 Ibidem, p. 03. 267 Ibidem, p. 03.

macroeconômicos, se passa a um Direito Administrativo voltado a garantir em prol dos cidadãos a melhor satisfação possível dos seus direitos fundamentais”268.

Aragão observa, contudo, que apesar dessa evolução, é recorrente em lides envolvendo o Direito Público “uma genérica e mítica invocação do ‘interesse público’, ou de subespécies como ‘ordem pública’, ‘saúde pública’, ‘bem-estar da coletividade’, ‘moral pública’, etc.”269. Em tal conjuntura, a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado faz com que o interesse público e suas subespécies (ordem pública, saúde pública, bem-estar da coletividade, moral pública, etc.) sempre prevaleçam na ponderação com os outros valores envolvidos, mesmo “quando a Constituição ou a lei já contivessem regra específica pré-disciplinando e pré-ponderando a questão”270.

Para Aragão, é impróprio que a aplicação do Direito se processe sob semelhantes diretrizes, porque “não há um interesse público abstratamente considerado que deva prevalecer aos interesses particulares eventualmente envolvidos”, o que torna a tarefa regulatória do Estado “bem mais complexa do que a singela formulação de uma ‘supremacia do interesse público’”271. Quanto ao particular, reporta-se à existência de regras jurídicas realizam uma pré-ponderação entre os valores envolvidos, optando, conforme a hipótese fática descrita em seus enunciados prescritivos, pela preponderância de determinado interesse272, seja ele um interesse público ou privado273. Aragão argumenta que essa a pré- ponderação efetuada pelo legislador é presumidamente constitucional, e por isso deve ser acatada pelos intérpretes (aplicadores)274. E adverte, em arremate, que “quando o intérprete se deparar com situações para as quais não exista norma abstrata pré-ponderando os interesses

268 ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na

Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo, cit., p. 04.

269 Ibidem, p. 04. 270 Ibidem, p. 04. 271 Ibidem, p. 04.

272 A propósito, Daniel Sarmento leciona que quando for necessário, em nome do postulado da unidade da

Constituição, o estabelecimento de restrições aos direitos fundamentais, visando a possibilitar o seu convívio com outros bens de estatura constitucional “é preferível que tais restrições sejam fixadas de antemão pelo legislador, do que se fique sempre a depender das ponderações casuísticas feitas em face das situações concretas pelo aplicador do Direito, seja ele o juiz, ou pior ainda, o administrador” (SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 79). Conforme Sarmento, “o caráter legislativo da restrição confere, por um lado, maior previsibilidade e segurança jurídica ao cidadão, e, por outro, crisma com maior legitimidade democrática a ponderação realizada” (Ibidem, p. 79).

273 ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na

Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo, cit., p. 04.

envolvidos”, contexto “em que não há como se pressupor uma necessária supremacia de alguns desses interesses sobre outros”, cumpre-lhe “realizar a ponderação de interesses in concreto, à luz dos valores constitucionais envolvidos, que podem pesar, ora em favor de interesses públicos, ora de interesses privados”275.

Aragão nega que “o Poder Judiciário e a Administração Pública devam desconsiderar em seu mister o ‘interesse público’”. Porém, destaca que “uma coisa é ‘considerar’ para efeito de ponderação os interesses públicos, estatais e/ou sociais, outra coisa é partir do pressuposto de que sempre deva prevalecer sobre quaisquer interesses privados, mesmo quando haja regra constitucional dirimindo o conflito entre eles”276.

Disso se verifica que Aragão reproduz, em sua crítica, a formulação teórica de Humberto Ávila quando a apresentar-se a supremacia do interesse público sobre o privado não como um princípio, mas como uma “regra de preferência”. E de igual modo dirige suas observações também à forma como o Direito vem sendo aplicado pelos intérpretes (aplicadores), sob a invocação dessa suposta e hipotética “regra de preferência”, ao referir, em sua exposição, às lides em que a genérica invocação do interesse público e/ou de suas subespécies (ordem pública, saúde pública, bem-estar da coletividade, moral pública, etc.) faz com que esses elementos sempre prevaleçam na ponderação com outros valores277.