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2. IMPORTÂNCIA TEÓRICA E PRÁTICA DA ADOÇÃO PELA

2.2. Contribuição da “doutrina crítica” ao princípio da supremacia do interesse

2.2.1.4. Posicionamento de Gustavo Binenbojm

Gustavo Binenbojm afirma que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado encontra-se “em xeque” na atualidade290. Para Binenbojm, o problema fundamental está na adoção de uma concepção unitária de interesse público, como premissa, e na afirmação, em seguida, de um princípio de supremacia do público (coletivo) sobre o particular (individual)291.

Binenbojm parte da suposição que de o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado determina “a preferência absoluta entre interesse público diante de um caso de colisão com qualquer que seja o interesse privado, independentemente das

287 SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia

constitucional, cit., p. 100.

288 Ibidem, p. 100. 289 Ibidem, p. 24.

290 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: um novo

paradigma para o Direito Administrativo, cit., p. 126.

variações presentes no caso concreto”, e que por isso “termina por suprimir os espaços para ponderações”292. Por esse motivo, e “porque a organização da Constituição brasileira volta-se precipuamente para a proteção dos interesses do indivíduo”293, Binenbojm considera o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado inconciliável com o nosso ordenamento jurídico-positivo294.

Quanto ao particular, Binenbojm aduz que “a Lei Maior é orientada sob o influxo do princípio da dignidade da pessoa humana, do que se deflui a necessidade de se estabelecer, em alguma medida, proteção ao interesse do indivíduo quando ameaçado frente aos interesses gerais promovidos pelo Estado”295. Daí que, para esse professor fluminense, “o reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído pela Constituição e a estrutura maleável dos princípios constitucionais inviabiliza a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta do coletivo sobre o individual”296.

Binenbojm defende, então, que no conflito entre interesses públicos e privados o agente público não está livre para escolher entre um e outro297. Em rigor, cumpre-lhe, “à luz das circunstâncias peculiares ao caso concreto, bem como dos valores constitucionais concorrentes, alcançar solução ótima que realize ao máximo cada um dos interesses em jogo”298, que corresponde, para Binenbojm, àquilo que se convencionou chamar “melhor interesse público, ou seja, o fim legítimo que orienta a atuação da Administração Pública”299.

292 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: um novo

paradigma para o Direito Administrativo, cit., p. 140.

293 Destaco, a propósito, a doutrina do Professor Ricardo Marcondes Martins, que denuncia o equívoco da

afirmação, influenciada pela doutrina de Robert Alexy, de que entre nós os interesses privados devam prevalecer sobre os interesses públicos, ou coletivos. Martins expressa que, para Alexy (ALEXY, Robert. El concepto y la validez del Derecho. Tradução de Jorge M. Seña. 2ª ed. Barcelona: Gedisa, 2004. p. 207), “há uma precedência geral prima facie em favor dos direitos individuais e, por isso, num plano abstrato, eles são mais pesados do que os bens coletivos” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado, cit., p. 53), e que, quanto ao particular, o professor alemão incorrem em equívoco, que decorre “das profundas marcas deixadas no povo alemão pelo nazismo” (Ibidem, p. 53).

294 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: um novo

paradigma para o Direito Administrativo, cit., p. 141.

295 Ibidem, p. 141. 296 Ibidem, p. 149. 297 Ibidem, p. 150. 298 Ibidem, p. 151. 299 Ibidem, p. 151.

Ao ensejo, Binenbojm recobra que “toda e qualquer limitação a direitos fundamentais deve ser justificada à luz do princípio da proporcionalidade”, e que “é o emprego de tal princípio que auxilia o intérprete aplicador do direito a alcançar a justa proporção na ponderação entre os valores constitucionais envolvidos na limitação a qualquer direito fundamental”300. Ocorre que, como observa, na seqüência, o publicista, há situações “em que o próprio constituinte antecipou o juízo de ponderação entre interesses individuais e coletivos, dispondo sobre como os conflitos devem ser tratados”301. Exemplificando, Binenbojm refere à hipótese de “potencial conflito entre o direito de propriedade e o interesse da coletividade em ver realizadas determinadas obras públicas ou obter determinados serviços públicos, cuja concretização depende da expropriação de bens particulares”302. E, para o caso, recobra que o constituinte se antecipou ao legislador e ao administrador, pois, “ao tempo em que assegurava o direito de propriedade, dispôs que a desapropriação era possível, desde que à contrapartida do pagamento de uma indenização justa, prévia e em dinheiro”303.

Por sua vez, nas hipóteses em que a Constituição não realiza por completo a ponderação entre os interesses conflitantes, também o legislador poderá fazê-lo preferencialmente ao intérprete (aplicador)304. A propósito, recobro que Aragão refere à existência de regras jurídicas que realizam uma pré-ponderação entre os valores envolvidos, optando, conforme a hipótese fática descrita em seus enunciados prescritivos, pela preponderância de determinado interesse, seja ele um interesse público ou privado305-306.

300 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: um novo

paradigma para o Direito Administrativo, cit., p. 162.

301 Ibidem, p. 163. 302 Ibidem, p. 163. 303 Ibidem, p. 163. 304 Ibidem, p. 164.

305 Cfr.: ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito

e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo, cit., p. 04.

306 Tal se dá, porque, como afirmei alhures (MADUREIRA, Claudio Penedo. Vedações legais à impetração do

mandado do segurança: há limites para a aplicação da lei? Revista da Procuradoria Geral do Município de Vitória, v. 3, n. 1, jan./dez.2011. p. 49-78), os direitos fundamentais não são absolutos, podendo perder espaço, na casuística, para a aplicação de outros direitos fundamentais. O que ocorre é que os direitos fundamentais, embora estejam contemplados no texto constitucional, podem, no caso concreto, encontrar restrições à sua realização. Sem embargo de o regime jurídico impor limitações à configuração dessas restrições, relacionadas, sobretudo, à necessidade de preservação do “conteúdo essencial” do direito fundamental protegido, tal não impede, conforme Cristina Queiroz, o estabelecimento, no plano legislativo, de restrições, regulamentações, configurações e concretizações no exercício de direitos fundamentais, seja pela concepção de enunciados prescritivos de escalão constitucional (restrições diretamente constitucionais), seja pela edição de normas infraconstitucionais (restrições indiretamente constitucionais) (QUEIROZ, Cristina M.M. Direitos fundamentais – Teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 199-200). Nesse mesmo sentido é a lição de

Assim, apenas quando nem a Constituição, nem a lei realizam, por completo, a ponderação entre os interesses conflitantes, é que, para Binenbojm, caberá ao intérprete (aplicador) fazê-lo307. Porém, mesmo nessas hipóteses, cumpre-lhe, sempre, percorrer em concreto todas “as etapas de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito para encontrar o ponto arquimediano de justa ponderação entre direitos individuais e metas coletivas”308-309.

Por essas razões, Binenbojm não admite que a aplicação prática do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado determine, em concreto, em um caso de colisão entre interesses públicos e privados, a prevalência absoluta do interesse público310. Esse professor fluminense não questiona a existência de um conceito de interesse público311. Sua crítica funda-se, em verdade, na circunstância de não se poder estabelecer, de antemão, a prevalência teórica e antecipada de interesses públicos sobre privados312.

Destarte, também para Binenbojm a supremacia do interesse público sobre o privado manifesta-se como uma “regra de preferência”, como em Ávila, Aragão e Sarmento. Além disso, preocupa-lhe, como a esses autores, a aplicação prática do princípio analisado, de

José Joaquim Gomes Canotilho, que refere à existência de leis restritivas de direito, que “‘diminuem’ ou limitam as possibilidades de acção garantidas pelo âmbito de proteção da norma consagradora desses direitos e a eficácia de proteção de um bem jurídico inerente a um direito fundamental” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1.276). Em idêntica direção é a orientação doutrinária de Daniel Sarmento, para quem a edição pelo legislador de restrições não mencionadas no texto constitucional deriva da própria Constituição, e se origina da circunstância de as Constituições hospedarem direitos e princípios que podem colidir na casuística, sem que o Poder Constituinte tenha fixado, em seus textos, critérios para solução destes conflitos (SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional, cit., p. 79). Conforme Sarmento, “é preferível que tais restrições sejam fixadas de antemão pelo legislador, do que se fique sempre a depender das ponderações casuísticas feitas em face das situações concretas pelo aplicador do Direito, seja ele o juiz, ou pior ainda, o administrador (Ibidem, p. 79).

307 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: um novo

paradigma para o Direito Administrativo, cit., p. 164.

308 Ibidem, p. 164.

309 Nesse mesmo sentido se manifestou Aragão na seguinte passagem doutrinária: “Quando o intérprete se

deparar com situações para as quais não exista norma abstrata pré-ponderando os interesses envolvidos, em que não há como se pressupor uma necessária supremacia de alguns desses interesses sobre outros, deve realizar a ponderação de interesses in concreto, à luz dos valores constitucionais envolvidos, que podem pesar, ora em favor de interesses públicos, ora de interesses privados” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “Supremacia do Interesse Público” no Advento do Estado de Direito e na Hermenêutica do Direito Público Contemporâneo, cit., p. 05).

310 BINENBOJM, Gustavo. Da Supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade: um novo

paradigma para o Direito Administrativo, cit., p. 140.

311 Ibidem, p. 149. 312 Ibidem, p. 149.

modo a que os intérpretes (aplicadores), com base nele, determinem, em concreto, a prevalência absoluta de interesses públicos sobre interesses privados313.