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3.3 AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA 79

3.3.4 Autonomia privada coletiva e norma de direito fundamental atribuída

Tratando especificamente da Constituição alemã, Robert Alexy informa que as normas de direitos fundamentais são aquelas normas que são expressas por disposições de direitos fundamentais; e disposições de direitos fundamentais são os enunciados presentes no texto da Constituição alemã, e somente esses enunciados que tratem sobre direitos fundamentais.127

Isso é assim porque o autor restringe sua teoria à Constituição alemã. Dessa forma, as normas de direitos fundamentais serão exatamente aquelas que estejam expressas por disposições de direitos fundamentais, que serão os enunciados presentes na constituição (alemã).

Mas, Alexy reconhece, ao mesmo tempo, a figura da norma de direito fundamental atribuída, ou seja, uma norma de direito fundamental que não está estabelecida direta e expressamente pelo texto constitucional, mas que pode ser atribuída a alguma norma que o esteja, como a igualdade, por exemplo.

Por isso mesmo, as normas de direito fundamental podem, portanto, ser divididas em dois grupos principais, quais sejam as normas de direito fundamental

127 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva.São Paulo:

estabelecidas diretamente pelo texto constitucional e as normas de direito fundamental atribuídas. Note-se que o autor não exclui um direito fundamental não- escrito, porém esse difere da norma fundamental atribuída na medida em que esta e a norma fundamental expressa estão em uma relação de fundamentação entre a norma a ser refinada e a norma que a refina, que é a situação da norma fundamental atribuída.

E essa atribuição ocorre quando seja adotado o seguinte critério: uma norma atribuída é válida, e é uma norma de direito fundamental, se, para tal atribuição a uma norma diretamente estabelecida pelo texto constitucional, for possível uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais128.

No caso do presente trabalho, a autonomia privada coletiva dos corpos intermediários, principalmente dos sindicatos, não está prevista expressamente por disposição constitucional como norma de direito fundamental, mas está atribuída a uma norma de direito fundamental, qual seja, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho disposto no art. 7º, XXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; Portanto, constata-se que o ordenamento jurídico pátrio reconhece um direito fundamental não no próprio direito em si mesmo considerado, mas sim no seu produto, isto é, o resultado concreto do exercício do direito fundamental da autonomia privada coletiva. Com efeito, na norma de direito fundamental acima transcrita, não obstante o texto constitucional tratar do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, pode-se identificar o reconhecimento do exercício da autonomia privada coletiva dos corpos intermediários como sendo uma norma de direito fundamental atribuída àquela.

Percebe-se, da mesma forma, que a autonomia privada coletiva não consiste em um simples reconhecimento de um direito fundamental não escrito, na medida em que, conforme visto acima, a norma de direito fundamental atribuída está em uma relação de fundamentação com a norma fundamental expressa, uma vez que

128 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva.São Paulo:

há, concomitantemente, uma relação de refinamento. Com isso, a norma de direito fundamental que reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho é refinadas de maneira a aperfeiçoar seu conteúdo a partir da atribuição, a essa norma, de uma outra norma, que é exatamente o reconhecimento do poder de produção normativa, consubstanciado no exercício, pelos sindicatos, da autonomia privada coletiva.

A autonomia privada coletiva pode ser atribuída, igualmente, à norma de direito fundamental constante do art. 8º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, que assim reza:

Art. 8º, VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

A participação obrigatória dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho terá, como consequência lógica, caso seja bem-sucedida, a formalização de uma convenção ou de um acordo coletivo de trabalho, o que implica o raciocínio da norma de direito fundamental atribuída acima exposto. Contudo, a obrigatoriedade de participação dos sindicatos na negociação coletiva significa um poder ou competência destinada diretamente ao ente coletivo representativo de determinada categoria econômica. Disso pode-se extrair que a atuação sindical, na negociação coletiva, enquanto direito fundamental, está intimamente ligada ao exercício de um poder de produção normativa, isto é, o exercício da autonomia privada coletiva, que refina o disposto no inciso VI, do artigo 8º da Constituição Federal, demonstrando, por sua vez, uma relação de fundamentação, o que torna a norma refinadora, em verdade, uma norma de direito fundamental atribuída.

Essas são as duas principais normas de direito fundamental das quais se pode atribuir uma norma de direito fundamental que consiste no reconhecimento de que os corpos intermediários, in casu os sindicatos, gozam de competência para a produção de normas coletivas que visam à regulação das condições de trabalho existentes no âmbito da categoria dos trabalhadores a qual representa.

Em que pese a maior importância daquelas disposições de direito fundamental acima expostas, a autonomia privada coletiva pode ser, outrossim, atribuída a outras normas de direito fundamental expressamente previstas na Constituição Federal. Nesse sentido, o artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal,

por meio do qual são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”; além do artigo 7º, inciso XIII, da Constituição Federal, segundo o qual são também direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”; por fim, “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva” (CF/88, art. 7º, XIV);

Portanto, conclui-se que, não obstante a inexistência expressa da autonomia privada coletiva no texto constitucional, a mesma é reconhecida como norma de direito fundamental mediante a sua atribuição a normas de direito fundamental dispostas expressamente na Carta Magna, conforme a teoria da norma fundamental atribuída de Robert Alexy.

4 NEGOCIAÇÃO COLETIVA

A negociação coletiva de trabalho, em razão do raciocínio acima apresentado, será, por sua vez, a manifestação da autonomia privada coletiva, enquanto processo que visa à harmonização dos conflitos coletivos de trabalho, caracterizados pelos interesses antagônicos, de um lado os interesses da classe trabalhadora, e de outro, o interesse da classe econômica, o empregador, portanto.

Assim sendo, a negociação coletiva reveste-se de natureza de direito fundamental, agasalhada pela Constituição Federal e que tem importância incomensurável para apaziguar o eterno conflito entre o Capital e o Trabalho.

Destarte, o estudo analítico do instituto da negociação coletiva de trabalho é de indubitável importância para a compreensão da incidência, durante a sua realização, do princípio da boa-fé objetiva, mormente na sua função produtora de deveres jurídicos anexos ou regras de conduta, sobretudo o direito de informação, que no atual momento do direito pós-positivista se faz imprescindível para a realização de uma negociação coletiva justa e eficaz.

Com efeito, no atual paradigma da sociedade pós-moderna, é inconcebível imaginar uma negociação coletiva que não esteja pautada pelo princípio da boa-fé objetiva, que não se restringe somente ao direito civil, mas, enquanto cláusula geral, irradia-se por todo o ordenamento jurídico, especialmente o direito coletivo do trabalho, in casu no âmbito da negociação coletiva de trabalho.

Para isso, no presente capítulo será realizada uma abordagem analítica da negociação coletiva, para que se fixe as bases nas quais serão assentadas as discussões acerca da incidência do princípio da boa-fé objetiva e, consequentemente, do direito de informação.