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5.2 A DISCIPLINA JURÍDICA DA BOA-FÉ 146

5.2.5 O princípio da boa-fé objetiva 166

Há que se destacar que cláusula geral e princípio não se confundem, porém, no plano prático acabam assumindo feições semelhantes, que permitem, inclusive, adotá-los como idênticos sem que com isso esteja assumindo-se posicionamento equivocado, uma vez que o resultado prático alcançado pode ser incluído na mesma categoria eficacial.

Por isso mesmo, aduz o autor Eduardo Milléo Baracat que, em tese admite-se que haja distinção entre os princípios jurídicos e as cláusulas gerais, porém, não se verifica efetiva diferença entre o princípio da boa-fé (objetiva) e a cláusula geral da boa-fé, na medida em que a cláusula geral da boa-fé contém o princípio da boa-fé objetiva294.

Conforme entendimento de Nelson Rosenvald, “tratando-se de boa-fé, temos uma cláusula geral que consubstancia um princípio, assim como existem várias

292 LIMA FILHO, Francisco das Chagas. Negociação coletiva e boa-fé: o princípio no ordenamento

brasileiro e espanhol. Curitiba: Decisório Trabalhista, 2008, p. 57.

293 BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTR, 2003, p.

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cláusulas gerais que contêm regras”295. Por isso mesmo o que distingue a boa-fé como princípio é o seu caráter fundante no sistema e a função que adquire como fundamento decisório, fixando o alcance e o sentido das regras de um ordenamento jurídico.

Assevera o autor Christoph Fabian que o termo jurídico boa-fé é uma cláusula geral, ao passo que o princípio da boa-fé objetiva embrenha-se por todas as relações do direito privado. Assim sendo, ao exercer um direito ou cumprir um dever de uma relação jurídica, as partes devem agir conforme o princípio da boa-fé objetiva. Acrescenta, igualmente, que o principal campo de aplicação da boa-fé objetiva são os contratos, porém a boa-fé objetiva domina qualquer relação jurídica296.

Assim sendo, o princípio da boa-fé não possui um conceito único, estanque, na medida em que se amolda a inúmeras situações dentro do universo jurídico, de maneira que sua amplitude extrapola os limites do direito real, de família e, sobretudo, das obrigações297.

O princípio da boa-fé objetiva possui normatividade, detém capacidade de formular juízos do dever-ser e como modelo em permanente construção, haja vista que põe em relevo a idéia de cooperação que constitui o fundamento último da relação obrigacional, sendo, também, a chave indispensável para entender o seu funcionamento298.

Assevera Américo Plá Rodriguez que a boa-fé se refere à conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu dever, pressupondo uma posição de honestidade e honradez no comércio jurídico, haja vista que contém o dever de conduta de não prejudicar nem causar danos299.

Portanto, o princípio da boa-fé objetiva implica a lealdade de comportamento, bem como a retidão de conduta que impõe aos sujeitos contraentes um comportar- se com honestidade e consideração aos interesses da contraparte.

295 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. 1. ed. 2. tiragem (2007).

São Paulo: Saraiva, 2005, p. 170.

296 FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

p. 59.

297 SCHIER, Flora Margarida Clock. A boa-fé como pressuposto fundamental do dever de

informar. 1. ed. (2006). 3. reimpressão. Curitiba: Juruá, 2009, p. 39.

298 ROSENVALD, op. cit., p. 143.

299 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. trad. Wagner D. Giglio. São

Orlando Gomes entende que “aventa-se a idéia de que entre o credor e o devedor é necessária a colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato”.300 A idéia central aí é a mútua colaboração, cada parte desejando cumprir o que lhe cabe, e ao mesmo tempo esforçando-se para facilitar o cumprimento da obrigação pela outra parte.

Já, Arnaldo Rizzardo pondera que “a probidade envolve a justiça, o equilíbrio, a comutatividade das prestações, enquanto a boa-fé exige a transparência e clareza das cláusulas”.301 Ressalte-se que a boa-fé estabelece que a intenção dos contratantes seja examinada observando-se as condições de formação do contrato, o nível sócio-cultural das partes, além da conjuntura econômica vigente no momento da contratação.

É, assim, o princípio da boa-fé objetiva fruto do paradigma da pós- modernidade (considerando-se as ciências de modo geral), e em sentido mais estrito, fruto do paradigma do pós-positivismo jurídico, em que regras e princípios são tipicamente normas, capazes de por si só resolver um caso concreto302.

Por isso mesmo, o princípio da boa-fé objetiva consiste em inequívoca norma, onde a sua aplicação pelo juiz resulta, necessariamente, na norma do caso concreto303.

Conforme observado no segundo capítulo, o direito pós-positivista sofre os influxos da ética e da moral, uma vez que não se toma mais o direito como sistema fechado, mas, ao contrário, aberto à incidência de valores, que encontram nos princípios jurídicos e nas cláusulas gerais sua porta de entrada.

Nesse sentido Ronald Dworkin, para quem o princípio jurídico é um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação

300 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. 14 ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1996, p. 46.

301 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 33.

302 Para Francisco Rossal de Araújo, o “[...] princípio da boa-fé exerce suas funções topicamente,

revelando seu alcance caso a caso, pois, sendo uma diretiva de conduta, somente na situação concreta é que mostrará o seu específico alcance. A doutrina traça os contornos, estabelecendo as linhas gerais, recolhendo da sociedade o padrão ético a ser seguido na criação e aplicação do direito. A jurisprudência faz a aplicação de todo esse material, revelando o seu alcance, concretamente”. (ARAÚJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996, p. 43.)

303 BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTR, 2003, p.

econômica, política ou social, considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade304.

Nessa esteira, afirmam os autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que a “boa-fé é, antes de tudo, uma diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico. Vale dizer, a boa-fé se traduz em um princípio de substrato moral, que ganhou contornos e matiz de natureza jurídica cogente”305.

Dessa definição percebem-se aspectos importantes que informam a boa-fé. Primeiramente o fato de ser um princípio (o que já havia sido constatado acima), porém carregado de eticidade, enquanto valor moral devidamente juridicizado. O segundo aspecto importante é a normatividade de referido princípio, que possui força cogente, e não apenas uma manifestação orientadora. De tudo, o aspecto ético do princípio é importante por se coadunar com o direito justo da pós- modernidade, conforme analisado no segundo capítulo.

Diante de toda a análise empreendida até o momento, é possível identificar a boa-fé objetiva enquanto cláusula geral ou cláusula aberta no disposto no art. 113 do Código Civil, ao passo que o princípio da boa-fé objetiva se encontra expressamente na disposição do art. 422 do código civil, com natureza normativa, inclusive para dele se extrair deveres de conduta que também estão envolvidos pela natureza jurídica de princípio jurídico, como é o caso do dever de informação.

Contudo, não se olvide que, também no art. 422 do Código Civil encontra-se a cláusula geral de boa-fé, na medida em que a conduta honesta e proba, baseada na confiança e lealdade recíproca também incide nas fases pré e pós-contratual, que não está expressa no dispositivo legal, mas que, em função da cláusula aberta da boa-fé, permite à jurisprudência ampliar o alcance da boa-fé objetiva fazendo recair seus efeitos naqueles momentos exteriores ao contrato.

304 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. São Paulo: Martins

Fontes, 2002, p. 36.

305 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Contratos:

6. DEVER DE INFORMAÇÃO NAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS EM