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A expressão “conflitos coletivos”, no âmbito trabalhista, está intimamente ligada com a oposição de interesses nascida nas entranhas de outro conflito de dimensão macroeconômica, isto é, a relação entre Capital e Trabalho, própria do sistema econômico capitalista.

É possível, outrossim, atribuir a existência dos conflitos coletivos de trabalho à Questão Social, que pode ser entendida como o problema de se saber como é possível obter-se remédio para os males e perigos gravíssimos pelos quais a sociedade é afligida, hodiernamente, entre os povos civilizados, e especialmente de como restabelecer estavelmente a paz entre os ricos e os pobres e, principalmente, entre os capitalistas (detentores dos meios de produção e aos quais pertencem, igualmente, os latifundiários) e os operários ou proletariado129.

A relação de trabalho existente entre empregado e empregador é, por si só, conflituosa, uma vez que estabelece limitações diretamente ligadas à liberdade de quem realiza o trabalho; no entanto, essa mesma relação conflituosa pode vir a ser amenizada se levado a sério o trabalho assalariado, dispensando-lhe a devida proteção130.

Segundo José Francisco Siqueira Neto, os conflitos coletivos não decorrem da vontade avassaladora de qualquer dirigente sindical ou líder de massa carismático, na medida em que os conflitos surgem em função de um processo truncado de relação, seja pelo descumprimento de direitos básicos dos trabalhadores por parte dos empregadores, seja pela renitência patronal a reivindicações dos trabalhadores, seja até mesmo por algum deslize de encaminhamento por parte dos trabalhadores131.

Percebe-se, dessa maneira, que o conflito trabalhista entre operário e empregador é visto como fenômeno natural, mas, esse mesmo conflito é o pressuposto para as melhorias das condições de trabalho, demonstrando que não se toma os conflitos coletivos sob uma perspectiva apocalíptica, mas ao contrário, como motor para a realização das negociações coletivas com fins de melhorias da condição social da classe operária.

Dessa forma, podem-se compreender os conflitos como não patológicos, mas sim naturais, o que acarreta em verdadeiro problema paradoxal, uma vez que a ocorrência do conflito é fator de instabilidade das relações de trabalho, porém, constituem um pressuposto de sua re-estabilização. Por conseguinte, qualquer

129 CESARINO JÚNIOR, Antônio Ferreira. CARDONE, Marly A. Direito social. 2. ed. vol. 1. São

Paulo: LTr, 1993, p.60-61.

130 SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002,

p. 32.

131 SIQUEIRA NETO, José Francisco. Contrato coletivo de trabalho: perspectiva de rompimento

mudança social só irá ocorrer a partir do reconhecimento do conflito e das formas de sua superação, na medida em que nas relações de trabalho o conflito é vitalidade132. Há, então, conflito coletivo de trabalho quando se manifesta uma divergência de interesses por parte de uma categoria organizada de trabalhadores, de um lado, e uma categoria organizada de empregadores, ou mesmo apenas um destes, de outro lado, em torno da regulamentação existente ou futura das relações de trabalho que interessam aos membros da mesma categoria.

Nesse sentido, Octavio Bueno Magano, para quem conflito significa divergência em face de determinado interesse. Em sendo esse interesse de natureza coletiva, isto é, se os sujeitos que o disputam são grupos de trabalhadores, de um lado, e empregador ou grupo de empregadores, de outro lado e se, igualmente, o objeto da divergência corresponde ao interesse do próprio grupo, ou de seus membros considerados não uti singuli mas uti universi, aí então estar-se-á diante de um conflito coletivo133.

Assim sendo, essa relação, uma vez que há oposição de interesses ou pretensões, caracteriza-se, indubitavelmente, como típico conflito. Ademais, a partir do momento que esse conflito supera a esfera individual e passa a ser perpetrado pela organização sindical, associado, também, ao fato de se tratar de matéria trabalhista, tem-se, irrefutavelmente, um conflito coletivo de trabalho.

Vale lembrar que Alfredo Ruprecht assevera que na estrutura dos conflitos coletivos de trabalho é possível identificar-se quatro elementos essenciais. O primeiro é o elemento material, que é o meio jurídico ou a matéria jurídica dentro da qual as partes travam a disputa; o segundo é o elemento subjetivo, que consiste nos sujeitos que contrapõem seus interesses no conflito; já, o terceiro elemento diz respeito à natureza do interesse comprometido e, por fim, o elemento objetivo, que é o objeto ou a causa da controvérsia134.

132 DIAS, Carlos Eduardo Oliveira. Entre os cordeiros e os lobos: reflexões sobre os limites da

negociação coletiva nas relações de trabalho: a autonomia coletiva privada e a conformação das relações de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2009, p. 114.

133 MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito coletivo do trabalho. volume 3.

São Paulo: LTr, 1980, p. 160.

134 RUPRECHT, Alfredo. Conflitos coletivos de trabalho. trad. José Luiz Ferreira Prunes. São

No que diz respeito a uma das possíveis causas dos conflitos entre categorias profissionais e econômicas, esta pode ser encontrada na insatisfação do grupo ante a ausência e, talvez, na inexistência de normas justas.

Do exposto não se pode concluir precipitadamente que os conflitos resultam sempre em embates diretos entre os grupos antagônicos, mas, ao contrário, em um Estado democrático de Direito, os conflitos existentes devem ser resolvidos de forma pacífica. Por isso mesmo, o conflito coletivo de trabalho pode obter duas soluções distintas, quais sejam as diretas, tendo como possibilidades a negociação coletiva, a greve e o lockout; e as indiretas (que pressupõem a participação de um terceiro estranho ao conflito), que compreendem a conciliação, a mediação, a arbitragem e a jurisdição.

Na forma direta de resolução dos conflitos coletivos de trabalho os grupos sociais representantes das categorias econômicas e profissionais atuam diretamente no processo de solução, ao passo que na forma indireta surge a figura de um terceiro ou órgão devidamente constituído em substituição às partes principais do processo de solução do conflito de interesses ou apenas como more interventor (como no caso da conciliação, por exemplo).

Revela notar, por necessário, que o lockout é vedado pela legislação pátria, nos termos do art. 17 da Lei nº. 7.783/89 ou Lei de Greve135. Ademais, o objeto de estudo do presente capítulo restringe-se apenas ao instituto da negociação coletiva, ou seja, forma direta de solução dos conflitos coletivos de trabalho.

Ademais, os conflitos coletivos de trabalho geram importantes efeitos sociais, na medida em que o conflito de interesses evidencia a não conformidade das partes com uma determinada situação, o dinamismo daí decorrente, bem como da respectiva solução, ocupa um importante papel dentro do direito do trabalho, de aprimoramento das normas heterônomas diante da realidade que circunscreve essa situação fática, além de criação de normas autônomas pelas partes136.

Destarte, o conflito coletivo relaciona-se intimamente com o exercício da autonomia privada coletiva, isto é, o direito dos trabalhadores e empresários, por

135 Art. 17 – Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de

frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregadores (“lockout”).

136 SCUDELER NETO, Julio Maximiano. Negociação coletiva e representatividade sindical. São

meio de seus respectivos órgãos representativos (ou diretamente para os segundos), no âmbito das negociações coletivas, de regular as relações de trabalho, uma vez que ao final sempre se trata da modificação de normas ou critérios de aplicação dessas.

Além disso, o conflito coletivo é provido de relevante função sociopolítica e econômica, na medida em que se configura em expressão dinâmica de contraposição de interesses coletivos que se positiva, de modo típico e formal, na negociação coletiva como instrumento de progresso social, inclusive e especialmente como fonte material do próprio direito.137